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Esta é uma boa pauta para, “in loco”, fazer uma reportagem de uma viagem pelo Sertão adentro

Esta é uma boa pauta para, “in loco”, fazer uma reportagem de uma viagem pelo Sertão adentro

Deixem entrar pela menina dos olhos a riqueza do Cerrado a se esvair em meio à cruel destruição deste bioma único da terra, de biodiversidade superior à da Amazônia.

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Direto da Redação

23-09-2022

6h:18

Alberto Sena

Ao embrenharem-se Sertão adentro, usem todo o recurso do senso de observação. Tenham olhares para tudo, do início ao fim da jornada.

Deixem entrar pela menina dos olhos a riqueza do Cerrado a se esvair em meio à cruel destruição deste bioma único da Terra, de biodiversidade superior à da Amazônia. Salvemos o Cerrado!

Conte um a um os caminhões carregados de carvão vegetal vindos em sentido contrário. Se ainda não sabem uma carga desta, de carvão vegetal, significam de mil a 1.500 árvores. Vão arder nas fornalhas dos “guseiros” e das siderúrgicas.

Tenham olhos para constatar a situação das árvores tortuosas. Identifiquem os pequizeiros. Quem conhece logo acha. Para quem não conhece, pequizeiro é “o esteio do Cerrado”, epíteto gravado para sempre pelo poeta, folclorista e repentista de Alto Belo, Téo Azevedo.

O pequizeiro é reconhecido pela copa larga, tronco coberto por grossa cortiça, cuja função é proteger a árvore, assegurar-lhe a umidade necessária em ambiente árido, seco, feito o Cerrado. Embora seja ele o berço de veredas, rios e cachoeiras.

Quando virem uma vereda, lembrem-se da frase: “É um rio em potencial”. As veredas alimentam o São Francisco.

O pequizeiro tem folhas largas, grossas. Quando é chegado o tempo – e em breve o tempo chegará – desabrocham nos pequizeiros flores lindas, cheirosas, cujo perfume atrai legiões de insetos e de passarinhos. As flores caem, servem de alimento aos quadrúpedes.

Quando vêm os frutos do pequizeiro, o pequi, envolto em grossa casca verde por fora e amarela por dentro, a amêndoa cor de ouro no interior dela é o alimento mais rico existente no planeta. Em 100 gramas da sua polpa há 200 mil Unidades Internacionais (UI) de vitamina A; afora as outras vitaminas, proteínas, gorduras e sais minerais. Pequi é um complexo vitamínico.

Isto, isoladamente, justificaria de antemão o plantio de pequizeiros e a conservação dos espécimes existentes. Para os sertanejos, “pequizeiro é árvore sagrada”. Se eles passam boa parte do ano comendo mal, na safra do pequi tiram o atraso. Fortalecidos, nove meses depois nascem “os filhos do pequi”, como dizia o médico e historiador de Montes Claros, Hermes de Paula.

Mas no Cerrado não há só pequizeiros. Há centenas de outros espécimes frutíferos inexistentes em qualquer outro bioma do planeta. No Sertão há pitomba, cagaita, bacupari, araçá, mangaba, jenipapo, araticum, baru, buriti, jatobá, coco macaúba, coquinho azedo, pitanga, maracujá, goiabinha e outros.

Tenham olhar para tudo. Ajudem a salvar o Cerrado. Vejam as necessidades da gente do Sertão. Os sertanejos são simples. Muitas das vezes são vistos como ingênuos, porque querem receber bem o visitante.

O problema do Cerrado é político e socioeconômico. Tenham olhos para enxergar o avanço descontrolado da agricultura irrigada no Sertão. O que antes era estéril, imprestável para o cultivo de grãos, hoje se transformou em eldorado.

No Cerrado proliferam sojas, inclusive transgênicas, canas, sorgos bananas, uvas e até cafés de qualidade.

Não fosse isto o bastante, as florestas são arrancadas por tratores, lado a lado, unidos por uma corrente, e do dia para a noite grandes áreas cobertas desaparecem a fim de dar lugar ao plantio de capim para alimentar o gado.

Vejam quanto o Cerrado é sofrido. Denunciem a sofreguidão dele. Mas tenham também olhos para enxergar a beleza do Sertão. Peçam a João Guimarães Rosa os olhos e a alma dele emprestados e descrevam tudo que se passar ao pisar aquela terra vermelha. Ouçam o clamor dela por socorro. Agucem a sensibilidade da alma e do coração.

Façam isto, a cada dia. E quando o pôr do sol se aproximar traduzam a beleza e a vermelhidão da estrela a nos alumiar o dia.

Deixem para descrever por último o luar do Sertão. E de preferência, ao ar livre, se possível debaixo de frondoso pequizeiro, abracem uma viola, ponham ao lado um aperitivo, e cantem loas à lua. Mergulhem em si mesmos. Deparem frente a frente com o risco de se encontrar no DNA do espírito sertanejo. Ele que dá força, perspicácia e persistência a quem vive no Sertão.

Temos muito que aprender com o sertanejo. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, bem o caracterizou Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, livro entre os melhores da literatura brasileira.

Imagem da Galeria A flor do pequizeiro é um rico alimento para os animais no Sertão
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