Se os machos percebessem quão terapêutico é lavar pratos na pia, todos iam correr para a cozinha
Tudo vindo da cozinha, eu gosto. Mas não me enfronhei na arte culinária. Cozinhar não é comigo. Em compensação, gosto de ter a pia para lavar pratos, panelas, copos e tudo mais usado na cozinha
Direto da Redação
21-09-2022
9h57
Anes Otrebla
Em casa faço algumas tarefas domésticas. E eu as faço com boa vontade porque descobri: são terapêuticas. São momentos em que, quando a gente faz algo diferente do corriqueiro, se tem a oportunidade de meditar e conversar com Deus enquanto se executa a tarefa.
Gosto de tudo que vem da cozinha, mas não me enfronhei na arte culinária. Cozinhar não é comigo. Em compensação, gosto de lavar pratos, panelas, copos e tudo mais usado na cozinha.
Enquanto lavo um prato ou uma panela, enquanto esfrego a bucha que tem um lado esverdeado e o outro amarelo, de pouca durabilidade e eficiência, diga-se de passagem, medito, tenho ideias de um texto ou mesmo de um título e assim por diante.
Outra tarefa que diz respeito ao meu departamento é aguar dois vasos grandes que ficam no piso da sala de pedras são Tomé. Um deles contém lírios brancos (foto). O outro é de uma palmeira chamada ráfis (Raphis excelsa).
Todo dia pego uma vasilha de plástico azulado e transparente e encho-a até cima. A metade da água eu jogo no pé de uma planta. E a outra metade é para o outro vaso.
Sei que não devo exagerar. Nas vezes em que exagerei, sem querer querendo, como diria Chaves (o humorista mexicano), a água escorreu pela sala e fui obrigado a me armar de um pano de chão para evitar que penetrasse por baixo do sofá.
Primeiro eu molho o vaso onde está plantado a ráfis. Quando esse vaso chegou aqui em casa a palmeira era pequena. Foi no dia cinco do quinto mês do ano de 1995. Coincidência de números cinco, se é que coincidência exista de fato.
Quem é bom de aritmética faz logo as contas e descobre: a ráfis está ali na sala há mais de 27 anos. Hoje está enorme, do tamanho de um arbusto grande, com uns dois metros de altura.
A ráfis fica ao lado da aparelhagem de som. Estou certo de que ela cresceu assim e ficou linda ali na sala por causa das músicas. Música é arte mágica. Faz planta crescer, faz vaca dar mais leite. Música faz milagres, no corpo e na alma.
Depois de molhar a ráfis, deixo a outra metade para os lírios. O vaso é composto de uma lata, na qual os lírios estão plantados. A lata fica dentro de uma armação de madeira. Dentro da lata há pelos menos quatro tufos de lírios saídos de uma terra que já precisa de trato.
Molho, e enquanto molho converso com cada um deles e peço: “Flores, meus queridos, flores; preciso apreciar flores”.
Até parece que os lírios me atendem porque, agora mesmo, quem vir o vaso encontrará uma flor a se desabrochar.
A flor de lírio tem perfume delicioso. Sinto-me privilegiado toda vez que o estou aguando e o perfume das flores exala com mais fragrância. Interpreto como sendo uma forma de me agradecer pela aguada. Por bom tempo a sala fica com cheiro gostoso, adocicado.
Diferentemente do vaso de lírios, a ráfis não dá flor. Rafis tem folhas fortes, eriçadas. Costumam queimar nas pontas e então é preciso apará-las com a tesoura. Essa poda faz as folhas ficarem ainda mais eriçadas ou mais elegantes, particularidade peculiar à espécie.
O vaso onde está plantado a ráfis é de pedra sabão. A superfície por onde ela brota é coberta de bolinhas de barro. As bolinhas garantem a umidade da planta e isso ajuda muito no desenvolvimento dela.
Aguar as plantas e lavar os instrumentais da cozinha, como já disse gosto de fazer. Não gosto – e confesso – é de lavar banheiros. Mas lavo. A tarefa exige esforço danado. Dá para suar. Fico imaginando o trabalho das pessoas que ganham a vida na faxina doméstica.
O serviço de casa cansa. É porque cansa que assumo algumas das tarefas para dividir as responsabilidades, pois, hoje em dia, manter alguém, uma pessoa estranha, dentro de casa, está difícil.
Temos muita experiência quanto a isto. E resolvemos, pelo menos por enquanto, em vez de contratar alguém, dividimos as tarefas. Há que considerar também o fato de, em época de engorda de vacas, o salário de uma secretária doméstica, e mesmo diarista, pesa no orçamento.
Mas bato palmas para os avanços conseguidos pelos empregados domésticos. Hoje posso dizer de cadeira, o serviço de casa é pesado. E dou valor. Toda vez que falo isto, me lembro de um dos meus filhos, quando ele tinha uns sete anos e respondeu à professora, quando essa lhe perguntou:
_ O que a sua mãe faz?
_ Nada – ele respondeu.