Uma viagem ao interior de outra; ou Bairro Milionários é só mais uma cidade dentro da capital
O mais espantoso, entretanto, é pensar que todo esse crescimento de Belo Horizonte se deu em pouco mais de meio século, e de forma um tanto desordenada
Direto da Redação
20-09-2022
6h:38
Alberto Sena
Cometo aqui uma anáfora ao dizer que viajei na viagem indo ao Bairro Milionários, onde nunca havia estado e confesso ter ficado impressionado. Somado ao Barreiro, Venda Nova, Buritis e outros são cidades dentro da Capital.
E o mais impressionante é a gente refletir que tudo isso se deu em apenas meio século. Eu que cheguei à Capital para morar em 1972, posso dizer, a cidade se agigantou de tal maneira, ao ponto de nem conhecer mais Belo Horizonte, além do miolo do quadrilátero da Praça Sete.
Mas neste texto a pretensão é narrar o que se passou dentro do ônibus lotação no qual fui ao Milionários. Tomei-o no Centro da cidade e me sentei logo atrás do motorista, ao qual pedi o favor de me avisar quando chegasse no ponto onde ia descer.
Logo entrou uma mulher de cabeça raspada com pacotes de balas e pipoca doce. Perguntou se eu queria comprar balas e eu agradeci, mas disse não. Claro que os pacotes dela de certo modo incomodavam e ela parecia precisar de mais espaço.
Tudo bem, de repente, a mulher sacou de um celular e falou alto:
- Eu tô ligano procê e por que ocê não me atende?
Até assustei achando que era comigo, mas não; era com o suposto namorado.
- Estou na escola – ela disse, mentiu, pois estava dentro do ônibus.
E continuou:
- Amo ocê; ocê é minha paixão!
Ou a ligação caía ou quem estava do outro lado da linha desligava o celular.
Essa cena se repetiu umas quatro vezes. A mulher queria que a pessoa do outro lado da linha encontrasse com ela em um determinado lugar. Mas parece que o pedido dela não estava sendo bem acolhido, até ela dizer, pouco antes de descer do ônibus:
- Ocê vai ou não vai encontrar comigo? E por que ocê tá desligano toda hora?
- ?
- Ocê não gosta de mim, eu sei, então, tiau!
E desligou o aparelho para descer do ônibus quase se perdendo em meio aos pacotes.
Todavia, o que quero destacar mesmo é a exploração praticava pelo patrão contra o motorista do ônibus.
Vi-me em conversa com ele, Edson. Talvez porque estava ali perto dele e porque ele ia me avisar quando chegasse ao meu ponto de desembarque, observei os movimentos dele durante toda a viagem.
Perguntei se ele ganhava mais por ser além de motorista, trocador, o que é uma exploração do patrão. Ele disse que ganha uma mixaria. E eu observei o tanto que um motorista como Edson é explorado.
Ele precisa estar atento a várias coisas além da direção do ônibus, passar marcha, pisar no acelerador ou no freio, abrir e fechar portas, receber dinheiro, dar troco, observar os passageiros a darem sinal nos pontos.
Então, perguntei:
- Como você chega em casa, depois de um dia de trabalho?
- Esbodegado – ele disse.
- Quantas viagens dessa você faz por dia?
- Quatro – respondeu ele.
Edson reconhece que é explorado pelo patrão, mas ainda assim, dá graças a Deus por estar empregado, “em tempo de tanta crise”, arrematou.
Para concluir a minha viagem, eu agradeci a ele pela atenção. Disse que ia escrever sobre o que foi uma viagem dentro da minha viagem, do Centro da cidade ao Bairro Milionários, e ele nem iria ler no diáriodeminas.com.br
Edson riu, gostou da nossa conversa e ainda me agradeceu por eu escrever sobre nosso diálogo, mesmo não sabendo se leria este texto que o prezado leitor acaba de ler.
Que Belo Horizonte é constituída de várias cidades, não é nenhuma novidade. Mas uma coisa é saber disso e outra bem diferente é a gente comprovar pessoalmente o que é uma teoria prática.
Foi o que fiz nesta quinta-feira, quando fui de ônibus lotação ao Bairro Milionários. Vendo toda a movimentação do bairro de dentro do ônibus, deu-me a impressão de que os moradores nem precisam vir ao Centro da capital para nada.
É possível que um bairro como o Milionários ofereça mais opções para satisfazer as necessidades de modo geral do que o Centro da cidade, hoje.