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1822: Independência ou Morte, 2022: Democracia ou Fascismo

1822: Independência ou Morte, 2022: Democracia ou Fascismo

Dr. Sebastião Gusmão, médico neurocirurgião, professor, pesquisador e filósofo; professor titular da faculdade federal de medicina da UFMG; neste seu artigo leva as pessoas a reflexão sobre a política brasileira em seus 200 anos de independência do Brasil.

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1822: INDEPENDÊNCIA OU MORTE 2022: DEMOCRACIA OU FASCISMO

Sebastião Gusmão

05-09-2022 às 09:10

Em sete de setembro próximo completam-se dois séculos do Grito do Ipiranga: Independência ou morte. A independência e a democracia continuam sendo um sonho ameaçado de morte pelo fascismo. No mundo moderno a dependência dos colonizadores foi, em muitos países, substituída pela dos líderes totalitários, fascistas. O Fascismo Eterno é o título da conferência proferida por Umberto Eco (1932-2016; um dos maiores intelectuais de nosso tempo), na Universidade de Columbia, em 25 de abril de 1995, numa celebração da liberação da Europa. Foi, no mesmo ano, publicada em livro e é uma reflexão sobre o sentido da história e a importância da memória. Continua assustadoramente atual e de extrema importância para a compreensão da política e dos totalitarismos que ocorrem através do mundo. Fascismo passou a ser usado como um termo genérico para designar todas as formas de autoritarismo na sociedade moderna. Isto se deve em parte por ter sido o primeiro regime deste tipo (ditadura de direita) surgido no século 20, na Itália. Embora se apresente sob várias formas e não tenha uma base filosófica, o fascismo define-se, historicamente, pelo nacionalismo e pelo autoritarismo. Umberto Eco afirma que o fascismo é eterno e enumerou suas características gerais: 1) Culto da tradição, com nostalgia de um suposto passado glorioso e, consequentemente, repulsa pela modernidade. O novo e´ ofensivo à ordem estabelecida, pois e´ a pro´pria tradic¸a~o que mante´m a ordem. Em muitos momentos a tradic¸a~o se confunde com o fanatismo religioso. Fascismo e fundamentalismo estão sempre juntos. Deus e o diabo são frequentemente evocados no inferno da política nacional para demonizar o adversário. A mistura de religião e política é desastrosa para a religião e para a política. O próprio Cristo estabeleceu a separação entre ambas: “Dê a César (imperador romano) o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 2) O irracionalismo, a ação sem reflexa~o, sem cri´tica. O pensamento cri´tico não é tolerado pois seria uma ameaça à tradição. O pensamento claro e lógico determina acumulação de conhecimento, e o avanço do conhecimento abala a ordem tradicional. Segundo Aristoteles, o ignorante afirma, o sábio duvida e o sensato reflete. O facista afirma suas “verdades” sem refletir e sem permitir a dúvida. Pessoas ignorantes geralmente têm mais certezas. O que se acredita prevalece sobre os fatos. Nega-se a racionalidade e, com ela, a ciência (negação da evolução darwiniana, das vacinas, das alterações climáticas e da esfericidade da terra). Esta mentalidade ante-ciência, terraplanista, pode nos levar à borda do “disco terrestre” para nos jogar no abismo da ignorância. 3) O desacordo é traição e sinal de inaceitável diversidade. O fascismo busca um consenso a qualquer preço, admitindo apenas uma u´nica leitura da histo´ria. Deve-se aceitar a verdade da ordem estabelecida. 4) Medo das diferenças, dos intrusos. Assim, o fascista é racista por definição. 5) Apelo às classes médias frustradas. Os fascismos históricos fizeram apelo aos grupos sociais que sofreram frustração pelos efeitos de uma crise econômica e se sentiram injustiçados pela política liberal democrática. 6) O nacionalismo exacerbado, que leva a uma “obsessão da conspiração, possivelmente internacional” e, como consequência, à xenofobia. Nem todo nacionalista é facista, mas todo facista é nacionalista. O nacionalismo vulgar é o fator agregador do fascismo: “Pátria acima de tudo”. A vida com liberdade (democracia) é que deve ser acima de tudo. 7) Espírito beligerante, pois “o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.” O fascismo necessita de um inimigo permanente. A violência é aceita e há um culto pela luta, pelas armas, pelo militarismo. Mas “como tanto a guerra permanente quanto o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais.” Donde origina-se o “desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não conformistas, da castidade à homossexualidade.” Nega-se a liberdade de orientação sexual. 8) Populismo. O líder e certos grupos sociais se tornam os inte´rpretes únicos da voz do povo (sem escuta´-lo), da vontade comum. Mas, se a liberdade é o dom maior que garante nossa dignidade, por quê a entregamos a um tirano? Étienne de la Boétie, em 1548, tentou responder a esta questão no Discurso Sobre a Servidão Voluntária. Segundo ele, o poder do tirano origina-se, sobretudo, da magia que seu nome é capaz de cativar e se mantém em razão de uma suposta segurança. O hábito de pertencer ao rebanho do tirano parece mais seguro do que ser responsável pelo próprio destino e nos poupa da angústia de pensar, nos condenando a ser sempre os mesmos seres limitados e reduzidos. Depende do oprimido permitir a opressão. Somos seduzidos pela servidão e os tiranos são grandes porque nos colocamos de joelhos. O relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International Institute for Democracy and Electoral Assistance), com sede em Estocolmo, publicado no dia 22 de novembro de 2021, demonstra a erosão da democracia e o avanço do autoritarismo em vários países. Segundo o Instituto, o Brasil registrou o "maior declínio democrático" entre 150 países analisados. A Instituição alerta que 70% da população mundial vive em países onde há retrocesso democrático e que o número de países que se dirigem para o autoritarismo superou o número daqueles em fase de democratização. O fascismo, longe de ser apenas um momento histórico na Europa do século 20, é uma ameaça constante à nossa sociedade. Umberto Eco finaliza advertindo que é necessário estar atento para na~o se esquecer como o fascismo surgiu e como assume novas faces. Há um ciclo nos movimentos totalitários: eles vêm e voltam. “A cadela do fascismo está sempre no cio” (Brecht). Logo, “nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas, a cada dia, em cada lugar do mundo”. Os indícios apontados por Umberto Eco estão presentes entre nós, constituindo um terreno fe´rtil para o totalitarismo se instalar. No filme O Ovo da Serpente (uma profunda reflexão sobre as origens do nazismo) Ingmar Bergman mostra que a chocadeira apropriada do ovo da serpente totalitária é a depressão econômica, desemprego, insegurança, instabilidade política, corrupção e crise moral. Tudo isso leva ao medo e à esperança, formando a matéria prima dos líderes carismáticos, messiânicos. Desta chocadeira eclodiu, na primeira metade do século 20, a serpente do totalitarismo (fascismo, nazismo e comunismo) que envenenou o mundo, causando a morte de milhares durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos seguintes. Mussolini, Hitler e Stalin traziam consigo a vontade doentia de poder, o ovo da serpente totalitária, o veneno do fascismo eterno. Este veneno está na mente dos líderes totalitários. Querer reviver regimes autoritários seria transformar o passado em coveiro do presente, ignorando a história. Totalitarismo significa perda da liberdade e, consequentemente, da dignidade humana. Esta dignidade está assentada em nossa mente livre, geradora de conhecimento, para determinar nosso destino e procurar desvendar o universo. A natureza nos deu a possibilidade do conhecimento e da liberdade; sem os mesmos somos apenas pobres animais. E a história da humanidade é a história da luta contínua e árdua para usufruir destes dons naturais. Entre os totalitarismos, à direita ou à esquerda, a história mostra que a verdade está na democracia, na liberdade. A democracia não garante o paraíso na terra, mas impede que o inferno fascista se instale. Mas o preço da liberdade é a eterna vigilância, pois a democracia pode sofrer perdas progressivas até chegar ao limite do totalitarismo, e mesmo ultrapassar este limite, como demostra a história contemporânea. O seguro é opor-se ao envenenamento da democracia, manter a serpente fascista dentro do ovo. Humanos, diferentemente dos animais (que vivem apenas no mundo real), vivem no mundo real e no mundo da ficção (o mundo das histórias que inventamos). Neste segundo mundo podemos prescindir da lógica e das evidências e criar boas ou más histórias, que moldam as ideias e ideologias que norteiam a civilização. As más histórias, que muitas vezes colocaram a humanidade em crise, são justamente aquelas que distanciam-se mais da realidade da natureza e de nossa mente racional e naturalmente livre. Criar boas histórias é a forma da humanidade enfrentar os piores aspectos da vida, que são a transitoriedade, a impermanência, a decadência física e a dependência de forças maiores do que nós mesmos. A democracia é uma das boas ideias construída pelo homem, na Grécia antiga, pois adequa-se melhor à nossa mente que anseia por liberdade. Por se tratar de uma ideia, de um conceito, é difícil uma definição precisa de democracia. Mas pode-se dizer que ela apresenta três características fundamentais: criação e conservação de direitos; resolução dos conflitos por meio do diálogo; e a soberania é popular. Assim ela se opõe frontalmente ao totalitarismo, que substitui os direitos por privilégios de alguns, nega e combate os conflitos de idéias em favor de uma ideologia única, e substitui a soberania popular pelo poder do déspota. A democracia não é caminho fácil, mas é o único que pode nos levar à liberdade e consequente dignidade. Apesar de estarmos numa democracia formal, vivemos tempos fascistas, de exclusão do Outro. O dia´logo parece possível apenas entre iguais. Aquele que não comunga as mesmas ideias torna-se um inimigo que necessita ser eliminado. Nossa ignorância, muitas vezes, não nos permite reconhecer nossos preconceitos e intolerâncias, o réptil dentro de nós que está tentando romper a casca do ovo fascista. Este ovo está sendo incubado pelo analfabetismo funcional, pela intolerância e pelo fanatismo para gerar a serpente do totalitarismo com seu veneno mortal para a democracia. Em 1922, o Centenário da Independência do Brasil foi celebrado em grande estilo com várias solenidades e a participação de mais de 20 chefes de estado, sendo o principal evento a Exposição Universal do Rio de Janeiro. Passados cem anos, temos poucos motivos para festejar o Segundo Centenário da Independência, pois durante a maior parte deste tempo continuamos sendo uma república com pouca democracia e uma independência com pouca soberania. No último século entregamos nossa independência e nossa liberdade a líderes quase sempre incompetentes e corruptos, anões colocados no topo da pirâmide. Parece que para o Segundo Centenário da Independência do Brasil estão programadas principalmente manifestações de intolerância geradas pelo atual clima político de oposição entre democracia e totalitarismo. É uma pena, pois seria ocasião adequada para refletirmos sobre os erros do passado e os desafios do presente. Temos que decidir entre independência (democracia) ou dependência de líderes totalitários (fascismo). E na atual conjuntura é tarefa difícil escolher os políticos certos. A pandemia de desinformação (fake news) levou à Babel da política nacional, gerando “democratas fascistas” e “fascistas democratas”. O paradoxo da desinformação na Era da Informação nos retrocede à Idade Média. Tanto a vontade de poder como a servidão voluntária fazem parte de nossa natureza. Assim, a luta pela liberdade é tarefa sem fim, pois o fascismo (a servidão voluntária submetida à vontade de poder) é eterno, e o preço da independência e da democracia (liberdade) é realmente a eterna vigilância. Independência (democracia) ou morte (fascismo). Que as asas da liberdade se abram sobre nós, protegendo nossa democracia, nos livrando do fascismo

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