
Era da polarização e suas nuances psicossomáticas na vida das pessoas - créditos: divulgação
27-06-2025 às 09h00
Por Marcos de Noronha*
Em uma publicação anterior desta coluna, abordei a liberdade e a disseminação da estupidez em nosso entorno, utilizando o cenário brasileiro atual como exemplo. Inspirados pela continuidade do tema da liberdade e pelas recentes tensões no Oriente Médio, a Comissão Científica do próximo Congresso Mundial de Psiquiatria Cultural considerou indispensável o workshop sobre Polarização, que irei conduzir com meu colega, o professor canadense Vincenzo Di Nicola. O evento, marcado para setembro no Japão, reconhece a polarização como um fenômeno global. Entendemos que, por meio do conhecimento, podemos aprimorar nossa capacidade de enfrentar suas consequências e, mais importante, prevenir sua ocorrência.
É inegável que a ignorância e a estupidez andam de mãos dadas, como se os indivíduos afetados por esse mal terceirizassem a própria capacidade de pensar. O conhecimento, contudo, tem o poder de romper esse ciclo complexo, que distorce diretamente nossa percepção do senso de justiça. Na estupidez, nosso senso moral, que usualmente é ativo e se manifesta de diversas formas na sociedade, adormece. Algo no ser humano dificulta o discernimento entre fatos e a realidade. Até mesmo o que é evidente, diante de nossos olhos, não é compreendido como deveria. Nesse estado, somos impulsionados a agir como a maioria, sem questionar, assemelhando-nos a um torcedor fanático por seu time ou a um fiel devoto de um dogma religioso, ambos convencidos de estarem “salvando o mundo”. Minha ousadia em classificar os afetados pela polarização como portadores de uma “doença social” não busca ser pejorativa, mas sim um alerta sobre a ilusão, quase psicótica, que fragmenta opiniões e transforma pessoas boas em figuras aparentemente cruéis.
Embora a polarização afete um público vasto e heterogêneo, observo que características individuais influenciam significativamente o comportamento humano dentro desse contexto. Traços como a rigidez de caráter, o apego apaixonado a ídolos, a diminuição da espontaneidade e, principalmente, a sobreposição das emoções sobre a razão nas ações são responsáveis por grande parte dessa insensatez. O cenário político brasileiro, por exemplo, acentuou a divisão do país em duas vertentes – aqueles que apoiam Lula e os que apoiam Bolsonaro – como se essa dicotomia fosse natural. Nesse ambiente polarizado, os eleitores enxergam a realidade de formas distintas, dependendo do lado escolhido. Um exemplo claro é a percepção sobre os regimes da Venezuela e do Irã, que revela um posicionamento praticamente oposto entre os dois lados. Para os que veem Lula como um salvador e são indulgentes com suas condutas (alguns inclusive acreditam em sua inocência), a opressão desses regimes sobre seus povos é desconsiderada. Eles ecoam discursos anti-imperialismos, contra os americanos, onde até mesmo aqueles, nesta guerra, que recorreram a atos terroristas são elevados ao status de heróis que enfrentaram o “grande mal”, os EUA.
Enquanto isso, refugiados venezuelanos em diversas partes do mundo protestam contra a ditadura de Maduro, cujas manifestações no próprio país foram duramente reprimidas antes das últimas eleições. Candidatos opositores a Maduro, inclusive, tiveram que se exilar em outras nações, uma situação comum em ditaduras, mesmo as disfarçadas, como a Rússia. No Irã, o filme recente “A Semente do Figo Sagrado”, dirigido secretamente por Mohammad Rasoulof, concorre ao Oscar após estrear no Festival de Cannes de 2024 e ser indicado à Palma de Ouro. As produções cinematográficas no Irã só são permitidas após rígido controle governamental, e este filme não obteve liberação, pois parece denunciar a opressão. As cenas filmadas foram complementadas por imagens reais de manifestações estudantis violentamente reprimidas pela polícia. Em uma cena, a filha contrasta as notícias da TV controlada pelo governo, assistidas pela família, com o conteúdo que recebe em seu celular. Ao apontar a manipulação, seu pai, recém-nomeado juiz investigador do Tribunal Revolucionário em Teerã, reage em conflito. O diretor Rasoulof foi condenado a 8 anos de prisão, mas conseguiu fugir para a Alemanha para receber pessoalmente as premiações na Europa.
Prosseguindo na reflexão, quais fatores individuais dividem a opinião das pessoas diante de um mesmo fato? O que faz com que alguns, diante do clamor dos povos venezuelano e iraniano, se manifestem de forma indiferente, enquanto outros se compadecem? As reações no Brasil à condenação da mulher que pichou uma estátua com batom seguem esses mesmos critérios. Tal condenação, capaz de destruir a vida daquela mulher e de outros manifestantes, foi irrelevante para alguns, justamente aqueles da “torcida” de Lula. No Brasil, vivenciamos a mesma situação do filme: a mídia televisiva enfatizava um aspecto, enquanto as imagens da internet mostravam outro. A TV não exibiu os “baderneiros” agindo nos palácios antes da chegada dos “patriotas”, nem a fuga orquestrada e conduzida pelos seguranças por trás desses edifícios. Também não explorou a cena dos “baderneiros” no palácio e a repetição da frase “missão dada, missão cumprida”. Nem investigou o fato de esses “baderneiros” não terem sido indiciados ou condenados, para que, em seus lugares, milhares de manifestantes fossem presos, talvez como forma de inibir a sociedade e garantir a governabilidade. Essa mesma TV tampouco mostrou os inúmeros manifestantes venezuelanos, dentro e fora do país, renovando as esperanças de se libertarem do regime de Maduro diante da popularidade de seus adversários na última eleição. E, até agora, a TV também não exibiu, dentro e fora do Irã, estudantes mulheres se manifestando na esperança de se livrarem da opressão do regime fundamentalista. Qual emissora, em um país democrático, adotaria tal postura e em nome de quais interesses?
Minha dedicação ao tema da polarização me levou a percorrer diversos caminhos e a acompanhar grupos de WhatsApp, tanto de esquerda quanto de direita, e outros onde confrontos entre as partes eram frequentes. O tema político chegou a ser proibido em chats de famílias, instituições e, por exemplo, em um que reúne psiquiatras catarinenses. Ou seja, até mesmo especialistas da mente humana, tiveram dificuldade de lidar com a polarização em seus chats. Dietrich Bonhoeffer, teólogo e pacifista antinazista, foi enforcado em 1943, mas antes nos deixou algo para refletirmos sobre o tema. Pessoas da sua convivência entregando judeus as autoridades, cidadãos aderindo as ideias excludentes e de exaltação do povo ariano deixava-o preocupado. Na década de 1930, estudou teologia em Nova York e visitou a “Abyssinian Baptist Church” no Harlem, famosa pelos cânticos gospel. Hoje o Harlem é um espaço transcultural, com diversas etnias se instalando por lá. Eu gostei de ficar hospedado neste bairro, não muito longe da universidade em que participava de um congresso e adorei a cerimônia naquela igreja, além de poder falar francês com diversos senegalenses. Eu diria que hoje o bairro é menos violento, com uma igreja em cada canto e a celebração da música, como elemento integrador. O alemão Bonhoeffer ficou impressionado com o bairro que naquela época abrigava pessoas com melhor poder aquisitivo, que pode ser observado pelas fachadas das casas. Ele próprio, veio da classe alta e sendo filho de um psiquiatra, arriscou-se a defender uma teoria sobre a estupidez, no final de sua breve vida, querendo compreender como mentes brilhantes se tornavam cúmplices da destruição. No mesmo período, observando o crescimento do nazismo na Alemanha, o psiquiatra Wilhelm Reich escreveu “Psicologia de Massas do Fascismo”, descrevendo a campanha contagiante para converter o povo em seguidores de uma ideologia excludente.
A inteligência não é um antídoto contra a estupidez, nem mesmo a artificial. Em um daqueles chats que mencionei, um colega, em guarda, insiste em recorrer a uma IA para defender, por meio de algoritmos, os argumentos da esquerda. Vemos celebridades espalhando mentiras e pessoas bem-intencionadas fomentando o ódio, acreditando estar falando em nome do amor. Sem conhecimento, somos mais propensos a nos tornarmos marionetes de sistemas; sem conhecimento, tornamo-nos arrogantes e inflexíveis na defesa do que acreditamos. No Brasil, e ao nosso lado, vimos pessoas se tornarem porta-vozes de um combate ao que acreditam ser o fascismo, mas curiosamente se utilizando de atitudes fascistas. Rotularam todos os críticos do lulopetismo de “extrema-direita”, e todos os questionadores da qualidade das vacinas contra a Covid-19 de “negacionistas”. Desistiram de argumentar, e em debates, excluíram os autores de postagens e textos, simplesmente por preconceito. Para admitir censura ou ditadura, basta saber a que fim se destinavam. Dependendo deste fim, poderia ser simplesmente, algo necessário. Os mesmos ativistas que criticam atrocidades contra pessoas com disforia de gênero, aqui no Brasil, não replicam essas críticas diante dos mesmos fatos no regime iraniano, simplesmente por ser apoiado pelo governo Lula. A sutil estupidez que ameaça a liberdade é traiçoeira, vem de pessoas ao nosso redor e tem um caráter coletivo, onde, acima de tudo, está “a causa”.
Os dogmas, uma vez defendidos, não foram criados para serem questionados, apenas aceitos. Posições dogmáticas não passam por mecanismos de atualização, ao contrário das ciências, que sempre contam com esses recursos. Seguimos sem saber para que e para onde, como hipnotizados. Esse comportamento foi destacado por Bonhoeffer, que entende, como aconteceu na Alemanha, que esse contágio se espalha por meio de instituições, famílias e escolas, onde as pessoas deixam de pensar para acompanhar a maioria, acreditando que alguém está pensando por elas. Sempre sem questionamento ou, sempre em defesa de sua escolha, não por argumentos. Trata-se de uma estupidez funcional, onde os ativistas tentam transformar tudo em justificativas, mesmo para admitir o infame. Serve para manter a ordem e os interesses de poder, criando cidadãos ideais para o regime: aqueles que, repetindo as opiniões que lhes foram incutidas, acreditam estar contribuindo. Enquanto isso, aqueles que destoam desses interesses são silenciados, “STFsados” no Brasil e taxados de propagadores de “fake news”. Mas, em sua cela na prisão, o teólogo escreveu como seus irmãos se tornaram cúmplices de um regime assassino por meio da estupidez.
“Na rendição da consciência individual ao conforto das narrativas”- quis dizerBonhoeffer, tornamo-nos cúmplices por ter perdido a capacidade de julgamento. Apenas seguimos o fluxo das sentenças que nos convém, como que repetindo um mantra. Desvencilhamo-nos da responsabilidade social para nos tornarmos agentes inconscientes do regime, e nossa cognição, por mais aguçada que seja, não percebe o deslize ético ou a crueldade. Chegamos a defender o terrorismo, a ditadura, a censura e não percebemos o autoritarismo ou as inversões de valores. Obcecadamente, tentando validar as ações de nossos políticos de estimação, buscamos no outro polo todo tipo de deformação, já que foi em vão, apagar definitivamente os deslizes do meu candidato. As deformações do outro polo, repetidas pela mídia orquestrada, estão afloradas em minha memória, em prontidão para os meus disparos. No exemplo citado, alguns destes defeitos, do adverso Bolsonaro, foram esclarecidos, mas eu imune, nem sequer os introjetei. As generalizações, também orquestradas, tentando minimizar a revolta do povo brasileiro concretizada nas eleições de 2018, de que todos somos corruptos, foi um recurso eficaz, mesmo que insuficiente para apagar os fatos históricos da descoberta da corrupção sistêmica no país. Nos bastidores deste cenário conturbado e pela necessidade de continuarmos pertencendo ao grupo que adotamos, ou por outras formas de conveniência, nessa escolha insensata, revelamos a necessidade pessoal de compensar nossas inseguranças. Sem saber, não estamos livres, mas servindo a algo que não compreendemos inteiramente, como verdadeiros militantes. Perseguir os que pensam diferente é uma questão de vida ou morte para a sobrevivência de um fundamentalismo ou totalitarismo, que só sobrevive pela força. Vejam a diferença entre os aficionados por um ou outro ídolo, e aqueles num movimento, e não numa seita, por uma sociedade melhor, mais ética.
Os excessos no Brasil produziram muitas vítimas, tornando necessário para alguns recorrer a órgãos internacionais de direitos humanos. As recentes punições dos EUA, através da Lei Magnitsky, prestes a ser sancionada contra Alexandre de Moraes e outros responsáveis por inúmeros excessos e abusos de poder, podem refrear o que está acontecendo por aqui. Novos escândalos, como os rombos no INSS, a volta dos déficits em importantes instituições como Correios e Petrobras, e a insistência do governo em não enxugar a máquina pública, preferindo aumentar os impostos, somam-se às declarações de apoio do governo ao Hamas na Faixa de Gaza e aos regimes de Maduro e Ali Khamenei, despencando o Brasil no “eixo do mal” e contrariando o posicionamento da maioria em nosso país. Grotesco, por demais, apoiar cerca de cinco mil terroristas invadindo o território de Israel, matando os que encontravam pela frente, estuprando, decapitando bebês e sequestrando pessoas. Tanto ódio e plano de extermínio anunciado, mesmo que pareça impossível apoiar, mas, ao nosso lado, alguém com bandeira da esquerda, acreditando numa causa “maior”, insistiu que é justo, pelo bem da Palestina. Quando estes, confusos, cruéis, são questionados sobre os 17.500 palestinos da Faixa de Gaza, entrando todo os dias em Israel para trabalharem, ganhando muito mais, cerca de 6 vezes, do que em seu próprio país, ficam mudos, ou recorrem ao genocídio daquele povo, cometidos pelo judeus, como declarou Lula, como presidente. E daqueles palestinos recebendo tratamento nos hospitais israelense, da qual um deles, foi atacado agora pelos misseis do Irã? Mas será que a teoria de Bonhoeffer, fruto da observação da ética que se alterna no comportamento humano, nos ajudará a lidar com aqueles capazes, com seus posicionamentos incongruentes, de despertar nossos piores sentimentos? Acredito que sim.
A intuição do teólogo em 1943 se une hoje a diversos outros achados. Em meu livro “Polarização”, no prelo, descrevo a experiência do efeito Dunning-Kruger por meio de uma cena da série “Merlin”, da Netflix, onde o aluno protagonista concorda com todos seus colegas, respondendo a professora, que a pasta é de uma determinada cor, sem saber que ela havia combinado um disparate com os demais. Solomon Asch, na década de 1950, também realizou experimentos de conformidade social que demonstram nossa capacidade de ver o que não existe, apenas para não destoar. Em vez de cores, ele usou linhas de referência, em uma armadilha em que combinou com os participantes qual resposta, mesmo que absurda, deveriam escolher, apenas para induzir outro participante à resposta errada. De todos os submetidos a este experimento, mais de 70% escolheram a resposta equivocada para concordar com os outros. Tememos ser excluídos e sacrificamos nosso próprio juízo, buscando vieses de confirmação. O mundo digital, com seus algoritmos, nos entrega exatamente o que queremos dele. Hoje, somos manipulados por seres distantes nesse universo virtual, onde aspectos sentimentais poderiam nos poupar de manipulações. Estamos todos distraídos na estupidez moderna, gradativamente preparados para não pensar e consumir cada vez mais postagens rápidas, para não atrapalhar nosso desejo de consumo. O Brasil conta ainda com uma mídia orquestrada, repetindo a mesma narrativa, cumprindo seu papel adestrador, mesmo que para isso tenha que se afastar da ética pregada pelo jornalismo. Neste caso, vemos alguns jornalistas resistirem em fazer parte deste todo, até na Globo, que descaradamente mostra-se como uma emissora estatal disfarçada.
A relação indivíduo-sociedade apresente influências mútuas, às vezes por coerção sobre o indivíduo, outras pela insistência de alguns em modificar o contexto com verdadeiras campanhas publicitárias disfarçadas em forma de aula. Por isso, investir no nosso conhecimento, principalmente saber sobre os bastidores da manipulação social e ter uma boa saúde mental podem ser uma forma de nos proteger. O que antes era considerado louco por destoar, hoje é tido como subversivo. A mesma sociedade que oferece recursos de integração e prevenção, também exerce uma ação erosiva sobre nosso bom senso. Atualmente é possível que eu escreva nessa coluna do Diário de Minas, com uma certa liberdade, que a pouco, poderia ser perigosa, sendo mal interpretada pelos donos do poder, ávidos por censura e opressão. Gradativamente o povo volta as ruas para protestar, e as divisões podem ser observadas. Mas o desafio persiste: como incluir em nosso grupo aquele que pensa diferente, ou que nos desperta o inconformismo? E como discernir se não estou sendo incômodo ao insistir neste tema, a ponto de gerar nos outros os mesmos sentimentos de inconformismo? Sei que o pensamento transcultural, ao tentar entender a funcionalidade das ações de sacerdotes curadores em sociedades tradicionais, me fez enfrentar estigmas entre meus pares, quando comparei com as atividades de profissionais de saúde na sociedade moderna. Eu já os incomodava, pelo fato de sendo médico, ao invés de aderir exclusivamente ao tratamento biológico, insistir nas atividades como psicoterapeuta.
Ao investir na etnopsiquiatria atingi uma postura mais humildade perante meus pacientes, capaz de melhorar minha comunicação e considerar outros aspectos que me auxiliam no tratamento. Aprendi que não precisamos desqualificar seus recursos ou sua cultura; basta somá-los aos nossos conhecimentos. O mundo, em constante mutação, se torna melhor para quem possui flexibilidade suficiente para se adaptar. Esses indivíduos terão maior propensão a trocas culturais, de ideias e pensamentos. Na psiquiatria, as enfermidades geralmente decorrem também de dificuldades psicológicas e sociais, que não podem ser ignoradas. O psiquiatra que, ao ver a resposta aos psicotrópicos, acreditar que a doença mental é puramente biológica, está enganado e pode deixar de oferecer opções melhores e mais libertadoras a seus clientes.
Se podemos concordar que um transtorno psiquiátrico individual diz respeito intimamente à pessoa, sua história, seu caráter e seu entorno, então a polarização tem no social e no coletivo um fator preponderante sobre a sociedade. Essa influência, para ter seu efeito, requer nossas fragilidades, passíveis de serem combatidas com o conhecimento gerador de posturas que podemos treinar. Tento fazer isso nos workshops, onde recorro a uma comunicação, que por ser em forma de vivência participativa, permite os participantes um conhecimento pleno e efetivo. Como demonstrou a comissão científica do Congresso, o mundo atual, sob rápidas e constantes mudanças, precisa urgentemente de recursos para enfrentar o adoecimento coletivo, sendo um deles as polarizações. Com a inteligência artificial, algumas profissões desaparecerão, e, como aconteceu na era industrial, outras surgirão. Contudo, na modernidade, continuando nossa migração de uma sociedade coletiva para o incentivo de posturas individuais não teremos perspectivas. Faz parte do ser humano aquilo que o faz necessitar de uma organização tribal, que por eras fez parte do nosso estilo de vida, que parece incompatível essa substituição por um poder central e distante dos traços comunitários. Ao mudarmos os paradigmas, onde “o ter” substitui “o ser”, devemos considerar transformações em nossa forma de viver e pensar, mas nos deparamos com um vazio denunciante. O aumento significativo de doenças psiquiátricas pode ser um alerta, indicando que não basta a melhora das condições de vida, se estas forem apenas materiais em detrimento de algo maior, que o ser humano não deixou de necessitar: movimentos em direção ao outro, aos outros, em ambientes que se assemelham a lares.
*Marcos Noronha é Psiquiatra titulado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Conselho Federal de Medicina, Psicoterapeuta e psicodramatista reconhecido pela Federação Brasileira de Psicodrama; é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural
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