Português (Brasil)

“Da seca na minha terra tenho doídas lembranças do sol queimando minha moleira”

“Da seca na minha terra tenho doídas lembranças do sol queimando minha moleira”

“Recordo-me de mulheres e crianças na subida do córrego das Mortes indo em direção ao cruzeiro da igrejinha fazendo penitência, rezando e pedindo a Deus chuvas, cantando: “Bendito louvado seja...”

Compartilhe este conteúdo:

29-09-2022

12h:35

Maria Do Rosário Fróes*

Da seca na minha terra Grão Mogol, Norte de Minas Gerais, tenho doídas lembranças do sol queimando minha moleira, da terra quente queimando meus pés do litro de água nas mãos e a pedra na cabeça.

Lembro de algumas mulheres e crianças na subida do córrego das Mortes indo em direção ao cruzeiro da igrejinha fazendo penitência, rezando e pedindo a Deus chuvas, cantando “bendito louvado seja”, eu era apenas uma criança.

Outra coisa importante me lembro bem, do mingau de fubá (esturrado) sabor de queimado da escola, muitas vezes a única refeição do dia, uma caneca era pouco, voltava para pedir mais, o do fundo da panela tinha gosto de queimado mais forte, mesmo assim bebia com muito gosto, pensava, o fogo sozinho tratou de realçar o sabor, diante de tamanha fome queimado virou tempero.

Mas não é só isso, tive dias de glória, quando um político visitou a cidade, devidamente uniformizada, uniforme velho desbotado, sapatos furados, meias só o cano, bandeirinha nas mãos, lá estávamos nós eu e meus colegas, estudantes, cantando o hino nacional aplaudindo o político importante.

Depois do ato público que todos participavam, lá iam eles desfrutar do banquete especialmente preparado para poucos convidados. Esse é só mais um registro de minha meninice na cidade que nasci Grão Mogol, faz parte do sertão até hoje abandonado.

 A indústria dá seca continua, o povo continua sendo explorado, eucaliptos substituíram pequenas roças, hoje propriedade particular, com placa de “não entre, propriedade particular”, escrita em inglês.

Vidas secas, retrato de uma realidade drástica sofrida.

Enquanto isso homens sem consciência, tal qual vampiros de boca aberta andam por aí abocanhando para si tudo que é do outro.

Dentro de seus ternos se escondem, a gravata amarra o pescoço, as abotoaduras fecham os punhos da camisa, para não mostrarem os braços, os sapatos de cadarços amarrados não deixam os pés aparecer, verdadeiras armaduras ambulantes.

Que conhecemos desse homem de poder que só quer explorar os necessitados? O rosto e as mãos, a cabeça nem a ele pertence mais, já se encontra embriagada pela ganância provocada pelo poder, sente-se superior aos demais.

Pobres políticos desalmados, negam até a si mesmos, não têm consciência do ser humano que é. Derrubam tudo que possa ser uma ameaça a sua prepotente sede de poder. Enquanto isso de sede morrem seres que vivem no sertão que agoniza pela falta d'água, sertão que se continuar assim vai virar um deserto, nem cobra vai resistir.

*Advogada no Rio de Janeiro.

 

Imagem da Galeria Ela nasceu em Grão Mogol e é apaixonada pela terra natal
Compartilhe este conteúdo:

 

Synergyco

 

RBN