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Uma viagem dentro da outra

Uma viagem dentro da outra

A cidade se agigantou de tal maneira, a partir dos anos 1970, ao ponto de a gente nem conhecer mais Belo Horizonte, além do miolo do quadrilátero da Praça Sete

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16-08-2024 às 17h:17

Anes Otrebla*

Fazer uma viagem de ônibus de lotação para bairros mais distantes do Centro de Belo Horizonte, é fazer uma viagem dentro da outra, porque a capital, nos seus 126 anos, possui várias cidades dentro de si mesma.

Nesta quinta-feira, de ônibus lotação até o Bairro Milionários, onde os moradores, aparentemente, não fazem jus ao nome, que tem olhos de ver observa toda a movimentação do bairro de dentro do veículo. Mas a impressão que se tem é a de que os moradores nem precisam ir ao Centro da capital para nada.

É possível que um bairro como o Milionários ofereça mais opções para satisfazer as necessidades de modo geral do que o Centro da cidade, hoje. Uma enorme movimentação de gente nas ruas de muitas curvas e de um trânsito intenso.

Comete-se aqui uma anáfora ao dizer ter viajado na viagem indo ao bairro Milionários, e deu para ficar impressionado. Somado ao Barreiro, Venda Nova, Buritis e outros, são cidades dentro da Capital.

E o mais impressionante é refletir que tudo isso se deu em apenas meio século. A cidade se agigantou de tal maneira, a partir dos anos 1970, ao ponto de a gente nem conhecer mais Belo Horizonte, além do miolo do quadrilátero da Praça Sete.

Mas convém terminar este texto contando o que se passou dentro do ônibus lotação, indo para o Bairro Milionários. Sentado logo atrás do motorista, quando entrou uma mulher de cabeça raspada com pacotes de balas e pipoca doce. Claro que os pacotes dela de certo modo incomodavam e ela parecia precisar de mais espaço.

Tudo bem, de repente, a mulher sacou de um celular e falou alto:

- Eu tô ligano procê e por que ocê não me atende?

Os passageiros se assustaram achando que ela falava com alguém dentro do veículo.

- Estou na escola – ela disse, mentiu, pois estava dentro do ônibus.

E continuou:

- Amo ocê; ocê é minha paixão!

Ou a ligação caía ou quem estava do outro lado da linha desligava o celular.

Essa cena se repetiu umas quatro vezes. A mulher queria que a pessoa do outro lado da linha encontrasse com ela em um determinado lugar. Mas parece que o pedido dela não estava sendo bem acolhido, até ela dizer, pouco antes de descer do ônibus:

- Ocê vai ou não vai encontrar comigo? E por que ocê tá desligano toda hora?

- ?

- Ocê não gosta de mim, eu sei, então, tiau!

E desligou o aparelho para descer do ônibus quase se perdendo em meio aos pacotes.

Todavia, é preciso destacar aqui a exploração praticada pelo patrão contra os motoristas de ônibus.

Quis saber deste que chamo de Edson, se ele ganhava mais por ser além de motorista, trocador. Ele disse: “Uma mixaria”. É preciso observar, aqui, o quanto um motorista como Edson é explorado. Ele precisa estar atento a várias coisas além da direção do ônibus, passar marcha, pisar no acelerador ou no freio, abrir e fechar portas, receber dinheiro, dar troco, observar os passageiros a darem sinal nos pontos.

Então, a ele foi perguntado:

- Como você chega em casa, depois de um dia de trabalho?

- Esbodegado – ele disse.

- Quantas viagens você faz por dia?

- Quatro – respondeu ele.

Edson reconhece que é explorado pelo patrão, mas ainda assim, dá graças a Deus por estar empregado, “em tempo de tanta crise”, arrematou.

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