
Tarcísio proferiu discurso de posse na Assembleia Legislativa e recebeu afagos e aplausos ruidosos. CRÉDITOS: Freepik
11-03-2025 às 09h21
Caio Brandão*
O cenário político no Brasil não é dos melhores. O país precisa de presidente resoluto, com programa de governo bem definido, em face das demandas nacionais de curto, médio e longo prazos. Ele deve abrir e consolidar espaço no Congresso Nacional, ter o respeito das Forças Armadas, respaldo popular e a consideração internacional.
Do primeiro mandatário espera-se recato pessoal, elegância no trato, percepção clara das demandas do país e capacidade para resolvê-las; diálogo franco e com negociação, mas sem escambo; reconhecimento dos apelos das minorias estridentes, mas sem ignorar a maioria silenciosa e a sua capacidade de impulsionar o Brasil, além dos conhecimentos necessários para propelir o país na velocidade da inovação e da modernidade, com estímulo a todos os segmentos capazes de fazer desta terra um lugar melhor para se viver.
Bolsonaro poderia ter levado adiante as bandeiras mais urgentes, mas perdeu-se em meio do caminho. Insurgiu-se levianamente contra vacinas, como se médico ou pesquisador fosse; tratou de forma atabalhoada a questão da posse e do porte de armas; desprezou as questões ambientais mais evidentes; tomou-se de amor exacerbado por todas as instituições militares e se fez presente, sempre que possível, em qualquer evento direcionado ao prestígio da tropa, além de tentar seduzir os seus integrantes com aumentos de salários e benesses diversas; afrontou o sistema educacional mediante a imposição de escolas cívico-militares, por mero capricho; liderou motociatas pelo país afora, como se a exibição sobre duas rodas testemunhasse a sua musculatura política, dentre outros equívocos.
Tivesse se acautelado na trincheira da sobriedade pública, divulgando resultados positivos de sua gestão, evitando confrontos desnecessários, inclusive na pandemia, e mantido do STF distância técnica, estaria reeleito. Aliás, fazer-se de surdo ao canto das sereias de pijama – na reserva – e sem prestígio na tropa, também teria sido bom, porque lhe prometiam o que não tinham para entregar. Em Dallas, no Texas, em solenidade na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, prestou continência à bandeira americana e de loas encheu o embornal do Trump, submetendo-se ao presidente de país que mais nos discrimina, do que enaltece. Enfim, são águas passadas, apesar de Bolsonaro não largar o osso e insistir em ser o próximo presidente da República.
Agora surge Tarcísio, eleito governador de São Paulo, à sombra de Bolsonaro e pelo mesmo apadrinhado. Nem paulista ele é, mas isto é irrelevante, quando Bolsonaro ergue o seu aspersório e borrifa bençãos sobre o seu escolhido. Bolsonaro pensa que tem uma solução, mas Tarcísio sabe que, por ora, faz parte do problema. Ademais, ainda não mostrou a que veio. Tarcísio proferiu discurso de posse na Assembleia Legislativa e recebeu afagos e aplausos ruidosos. O discurso não tinha conteúdo. Nos primeiros dez minutos saudou os presentes, nominando a maioria, e no tempo restante exaltou metas genéricas, típicas de políticos em início de mandato, sem citar um número, estatística ou projeção de crescimento, com dados comparativos.
Reduziu o mais progressista dos estados da Federação a mera figura de retórica, sem o peso, a pujança e a perspectiva de futuro desse estado-locomotiva. No discurso chegou a se referir, inclusive, ao problema dos zumbis da Cracolândia, como se isto fosse prioridade de Estado. Recentemente, em solenidade no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Tarcísio finalizou a sua oração exaltando a importância daquela Casa de Contas “na sustentação dos pilares da nossa democracia”.
Tarcísio fez espuma, apenas isto, porque não percebeu que ao Tribunal, na esfera de sua competência, não importa o regime adotado pelo Brasil, cabendo-lhe pela atribuição legal que o sustenta, exercer controle externo das contas de instituições, promovendo auditorias, fiscalizações e penalizando malversações com o dinheiro público.
Os tribunais de contas trabalharam à exaustão na vigência do regime militar e contra ele jamais se insurgiram. A proximidade do governo com a FIESP seria produtiva, mas Tarcísio com ela não se afinou, preferindo deixá-la se perder à deriva e entregue a presidente desidioso, que conseguiu tornar opaco o brilho de uma das instituições mais poderosas da América Latina. Poderia ter tentado ajudar e ainda há tempo.
Tarcísio, engenheiro e capitão reformado do Exército Brasileiro – olha aí mais um capitão – foi trazido para a administração pública por Dilma Russef, quando ministra. Fez bom trabalho no Dnit, um gerente capaz sem dúvida, mas apenas isto, por enquanto. Um dia Flávio Gutierrez, empresário mineiro, deu tarefa a um dos seus colaboradores e este ameaçou declinar do trabalho, dizendo ser aquela missão impossível. Flávio Gutierrez, com os cotovelos apoiados na mesa, levantou o olhar e disse:
- Nós somos pagos para fazer o impossível, porque para fazer o possível eu ponho anúncio no jornal e faz fila de candidatos capazes, dando voltas no quarteirão.
Tarcísio até agora não está por merecer, no cargo, a cadeira que ocupa. Quando fala em “trem de alta velocidade da São Paulo a Campinas, com noventa quilômetros de linha”, não deve jactar-se, porque a China já implantou quarenta e dois mil quilômetros de linhas de “trens-bala”.
Quanto a lançar-se candidato à presidência do Brasil, Tarcísio está claudicante, porque qualquer avanço extemporâneo seria abrir conflito com Bolsonaro, que ainda julga ser ele o candidato, e isto pode lhe custar o pescoço. Assim vai dando tempo ao tempo, empurrando gestão até agora pachorrenta, trivial, adotando discursos com palavrório prolixo e sem conteúdo e privatizando às pressas o que não precisava ser privatizado e apenas para mostrar serviço.
Tarcísio ainda não mostrou a que veio, e retrata apenas a figura de gerente disciplinado, com bons conhecimentos de gestão pública, mas não se impõe como líder capaz de impressionar pelo carisma, ideário político e programa de governo digno de pular sobre o alambrado do lugar comum.
Enquanto Tarcísio, Bolsonaro e Lula se complicam no tabuleiro, Ronaldo Caiado vem de lá, do centro-oeste, fazendo dupla com o cantor sertanejo Gusttavo Lima, mineiro de Presidente Olegário – que ainda não é filiado a nenhum partido político -, para tentar conquistar os corações e as mentes que elegem o presidente do país, e não leva em conta que Nelson Gonçalves, unanimidade nacional, perdeu eleição à Câmara dos Deputados.
Caiado já pleiteou a presidência, mas teve apenas um por cento dos votos necessários. Mas, isto não é nada, porque Lula perdeu três eleições e ganhou outras três. Caiado precisa acelerar, porque está atrasado. É desconhecido no Nordeste e no Sul não é nenhuma celebridade. Contudo, Collor também era desconhecido, quando desceu das Alagoas perseguindo marajás e falando em vingar a miséria dos brasileiros.
Logo, Caiado pode “bombar”, tanto pela gestão exitosa no seu Estado, como governador, quanto pela sua maneira firme de trilhar os caminhos da política. A parceria do médico e ex-senador goiano, com o cantor sertanejo pode ajudar, porque o violeiro até sem ser candidato já tem lugar de destaque nas pesquisas de intenção de voto.
Caiado, contudo, precisa refrescar, amenizar a imagem que consolidou na União Democrática Ruralista – UDR -, de “coronel” – título concedido, nos idos do Império, aos grandes proprietários de terras e integrantes da Guarda Nacional -, para melhor se afinar com o homem comum, do campo, da periferia, dos aglomerados, e de outros tantos nichos de eleitorado, mas sem perder a pose de direita equilibrada, que é o papel que Tarcísio está tentando interpretar, mas que nas pegadas do seu benfeitor vai de mal a pior.
*Caio Brandão é jornalista