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Recordo de um tempo quando livre se podia voar por meio de papagaios de papel impermeável

Recordo de um tempo quando livre se podia voar por meio de papagaios de papel impermeável

Seguro nas mãos tinha a manivela de oito cruzetas, e então a alma do menino percorria toda a extensão da linha número 10, que suporta solavancos, e se projetava no papagaio azul

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Direto da Redação

23-09-2022

6h:34

Alberto Sena

Quando era chegado o tempo de empinar papagaios de papel impermeável, em agosto e setembro, a vida ganhava mais sabor e cor porque era quando o menino sentia brotar-lhe asas imaginárias dos lados do corpo. E então voava, mesmo com os pés descalços pisados no chão árido do Sertão de Montes Claros. Voava alto, mais do que os aviões da Panair do Brasil.

Papagaios eram extensão geométrica do corpo dele e sentia-se nas nuvens, mais próximo do céu.

Seguro nas mãos tinha a manivela de oito cruzetas, e então a sua alma percorria toda a extensão da linha número 10, que suporta solavancos, e se projetava no papagaio azul.

Ele gostava de empinar papagaios azuis porque refletiam aos raios do Sol e brilhavam lá no alto como se fora estrelar em pleno dia.

O máximo em experiências de êxtase, o menino sentia quando os ventos elevavam o papagaio em redemoinho e circulava incontáveis vezes, coroando a cabeça dele desde as alturas, como se estivesse dentro de um cone.

Nesses momentos – digo ‘nesses’ porque foram vários – era como se o papagaio fosse a extensão dos seus olhos e lá do alto ele contemplava a terra e os acontecimentos terrenos, o chão cujo sol inclemente fazia rachar.

A relação telúrica era de primeiríssimo grau.

Em tempo de seca, poeira. Poeira capaz de matar bêbedos trôpegos que nela caíam e não conseguiam se levantar. Morriam a caminho de casa, no “Alto Severo”, sufocados pelo pó amarelo avermelhado característico do sertão norte-mineiro.

Na época das águas, lama. Cada um se adaptava ao modus vivendi e a vida transcorria na simplicidade. Sentia-se o êxtase de correr em alta velocidade pelas ruas nas brincadeiras e no campo de futebol.

Era o exercício natural para produzir endorfina. Tinha-se a sensação de poder explodir de alegria.

Se naqueles tempos o menino sentia, mas não sabia nem compreendia o que sentia, hoje baseado na antroposofia dos septênios entende e, de certo modo alcança o mesmo objetivo ao andar grandes distâncias, principalmente se em ambiente natural do Sertão ou da Mata Atlântica, onde se pode subir e descer a pé pela Serra da Mantiqueira.

Acontece às vezes, quando é chegado o tempo, de da janela o adulto-menino voar com os papagaios dos jovens de hoje, não porque não possa confeccionar o seu, como antes, porque dessa arte ele não se esquece.

Pode ser que um dia, agora em companhia dos netos, o menino volte a se sentar no chão munido de papel impermeável, tesoura, cola, taliscas de bambu e linha, para com eles fazer um papagaio enorme, “tamanho família”, e nas asas dele voarmos até as nuvens em busca da concretização do sonho de ver humanizada a Humanidade.

Imagem da Galeria Os papagaios de papel impermepavel têm o dom de fazer a gente voar
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