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Inviabilidade urbana

Inviabilidade urbana

Enquanto caminhava, refletia sobre a estupidez humana. Ou a falta de visão de longo prazo. Belo Horizonte nasceu “planejada” até os limites da avenida do Contorno

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20-08-2024 ás 09h:37

Bento Batista*

Saiu do trabalho às 18h. Guardou o crachá na pasta e seguiu pela avenida Brasil. O tráfego estava daquele jeito. Enquanto andava, pensou se valia a pena enfrentar o torpor temperado de monóxido de carbono, qual um muro a materializar o ar. Tinha de tomar o ônibus a fim de ir para casa, mas antes precisava andar vários quarteirões, até o ponto da rua da Bahia com rua dos Timbiras.

Tanto pensou que resolveu ir a pé para casa. Da avenida Brasil atravessou a avenida Afonso Pena e entrou na rua Paraíba, ali onde tem um posto de gasolina. Subiu a rua até a avenida Getúlio Vargas, e lá adiante, alcançou a rua Alagoas até a avenida do Contorno, onde a rua muda de nome para Viçosa. Por último, subiu a rua Cristina, íngreme como ela só.

 Uma bela caminhada. Enquanto caminhava, refletia sobre a estupidez humana. Ou a falta de visão de longo prazo. Belo Horizonte nasceu “planejada” até os limites da avenida do Contorno. Tivessem eles, os construtores, a visão de um JK, que, por mal dos pecados, foi quem trouxe para o Brasil a indústria automobilística, uma ameaça de paralisia do País, a ruas de BH seriam muito mais largas, como ele queria, na década de 1950, a avenida Antônio Carlos.

Disse paralisia porque as ruas e as avenidas hoje estreitas para tanto tráfego, regurgitam carros. Nesses momentos, como agora, hora de bota-fora do trabalhador, as pessoas parecem loucas.

Tem-se a nítida impressão: o inferno é aqui mesmo. Os ânimos das pessoas se exaltam, ficam à flor da pele. É o grito de alguém mandando o outro para aquele lugar. Ou o motorista impaciente com o dedo na buzina, extensão do seu braço. E lá vem a ambulância com a sirene aberta.

Enquanto carros, ônibus e motos se misturam em meio a um trânsito caótico, no qual as pessoas carentes de educação e de civilidade se mostram em quantidade, seguem andando a passos firmes, mas nem tão apressados. Vai para casa. Pelo menos não está metido num ônibus enfrentando os gargalos do tráfego.

Pensou em fazer todo dia esse percurso a pé, de volta para casa, pois já fazia diariamente indo para o trabalho. Gastaria menos tempo para chegar em casa do que de ônibus. Um percurso feito em 15 minutos de ônibus, em tempo de férias escolares, agora se pode gastar até mais de uma hora entre esperar o ônibus e chegar ao ponto final.

Um porém é apontado e sentido na pele o fato de transpirar muito. Enquanto andava vestido de camisa de mangas compridas, calça jeans e calçado de botas, o suor lhe escorria pela testa. Teve um momento em que ao passar a língua nos lábios sentiu o sal do suor.

Ir ao trabalho a pé é mais fácil que voltar andando para casa. Na ida se desce e na volta se sobe. A subida maior é a da rua Cristina. Nem toda gente aguenta subir aquele trecho. Há quem suba em zigue-zague. Acostumado a subir aquela rua, quase nem mudou o ritmo das passadas. Claro, a respiração se acelera, mas só quem tem preparo físico ou não encontra alternativa, ousa subir aquele morro.

Não fosse a sudorese, todo dia iria e voltaria do trabalho para casa a pé. Concluiu certo de que uma caminhada desta, de casa ao trabalho e vice-versa daria, se muito, seis quilômetros, um bom exercício. Andar é fundamental. Quando a gente anda toda a máquina humana funciona.

Além da sudorese, juntou ao quase solilóquio: “Porque toda a máquina humana funciona a contento, depois de uma ida ou vinda vem vontade enorme de urinar”. O único ponto desagradável é este. Andar com a bexiga cheia incomoda. Mas incomoda muito mais o fato de em BH não haver banheiro público para ajudar a tornar uma caminhada desta mais agradável.

Depois de tanto tempo de estrada, descobriu: caminhar é o exercício completo. Mexe com o espírito, a mente e o corpo. Enquanto se está a caminhar, há tempo para reflexão e para encontrar temas de uma crônica, como esta, por exemplo, que chama a atenção das pessoas para o fato de que a vida nas cidades grandes estar cada dia mais se aproximando da linha do inviável.

*Jornalista e escritor
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