O cérebro do jogador vibra quando vitorioso. O neurotransmissor chamado Dopamina atua no sistema de recompensa do cérebro. Na compulsão por jogos identifica-se a elevação dos níveis de excitação e a redução da inibição na análise de riscos e de tomada de decisões
20-11-2024 às 09h49
Rogério Reis Devisate*
Quem nunca fez a sua fezinha? Quem nunca jogou na loteria ou apostou que o seu time seria campeão? Quem nunca apostou alto na conquista amorosa? Aliás, sobre apostas e jogos, há quem pense que o amor é só um jogo.
A questão é que os jogos são verdadeiros mergulhos mentais num nicho de emoções incontroláveis, porque são estimulantes. São sentimentos que nos movem, nos incentivando a sair do lugar comum, da chamada zona de conforto, fazendo com que nos atiraremos no mundo. Vamos em busca de emoção!
O cérebro do jogador vibra quando vitorioso. O neurotransmissor chamado Dopamina atua no sistema de recompensa do cérebro. Na compulsão por jogos identifica-se a elevação dos níveis de excitação e a redução da inibição na análise de riscos e de tomada de decisões. Essa excitação é um significativo estímulo. Aí está parte da dificuldade em se compreender a questão, que não envolve hábito ou vicio, simplesmente, como se fosse questão de sim ou não. O contexto envolve dependência aos jogos e às sensações orgânicas que despertam. Há interconexão importante. É algo como “quanto mais tem mais quer” e esse ciclo é difícil de ser interrompido.
Os jogos e apostas on line são problema específico, símbolo dos nossos dias.
Outrora havia a necessidade de deslocamento da pessoa a um local de apostas, fosse qual fosse. Era preciso ir aos cassinos, como os que há em Las Vegas. No Brasil recente, equivaleria a ir à cassinos clandestinos e aos lugares onde o jogo corresse solto.
Com o advento da internet e dos aplicativos e ferramentas de apostas, o jogador não mais precisa se deslocar. Isso o protege da vigilância e supervisão das famílias, dos amigos e vizinhos. Fica imune às fofocas e comentários e, assim, joga anonimamente e com plena liberdade.
Essa é situação ideal para o aumento da dependência e da cumplicidade entre a mesa de apostas e o jogador, que estão cada vez mais próximos e conectados, embora fisicamente estejam separados. Entre eles apenas o botão e o toque na tela. Na prática, as plataformas de jogos podem estar em qualquer lugar, enquanto o dinheiro circula livremente… Aliás, muito dinheiro!
A sedutora propaganda, a privacidade para jogar com liberdade e a ausência de mecanismos sociais ou familiares de controle são combinação extremamente forte diante de alguém que esteja sob dependência dos jogos… É algo semelhante a uma pessoa que não consiga romper o círculo de poder e manipulação numa relação abusiva e que vai se enredando cada vez mais no processo.
Por isso é tão relevante a movimentação de setores do Estado e dos governos contra as situações abusivas em torno dos jogos de azar.
A OMS – Organização Mundial de Saúde reconhece o vício em jogos como doença, desde 2018, com o nome de ludopatia. Afeta as pessoas de várias formas, havendo até quem perca todas as economias domésticas e familiares, como dinheiro em investimentos e carros e imóveis. Há quem fique sem nada, inclusive sem emprego.
Fala-se que cerca de 8,7% da população mundial sofre com o problema. Se somos quase 8 bilhões de pessoas, aquele percentual corresponde a 800 milhões de pessoas!
No Brasil, cerca de 20 bilhões de reais circularam nos sites de jogos, apenas em agosto de 2024. Quando multiplicamos o valor por 12 (meses), o total anual é assustador!
Recursos familiares básicos e fundamentais estão sendo destinados a essa finalidade e tanto e a tal ponto que o Supremo Tribunal Federal acaba de proibir que os recursos destinados ao Bolsa Família sejam empregados em jogos Bets.
Apesar de tanta preocupação e zelo para proteger as famílias e os próprios jogadores, devemos considerar que é difícil se controlar as atividades lícitas via internet, o que faz surgir um impasse importante: ou a atividade é ilícita e deve ser proibida, tal qual ocorre com os jogos nos cassinos tradicionais, ou é lícita e, portanto, o risco pessoal, familiar e social fica com cada envolvido.
Essas discussões ocorrem, também, enquanto tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende liberar cassinos e jogos de azar. Dois dos argumentos contrários são a lavagem de dinheiro pelo crime organizado e os problemas com vícios em jogos.
Do mesmo modo que a bomba estourada nesta semana em Brasília parece ter comprometido a proposta de anistia aos presos do 08/01, os correntes problemas noticiados com os jogos on line e as ferramentas Bets parece afetar o projeto de lei que pretende liberar os jogos de azar e os cassinos.
De toda sorte, tudo indica que a discussão não está madura para permitir o seguimento da tramitação desse projeto de lei. O povo está gastando dinheiro do bolsa família e se endividando, mesmo agora, apenas com os jogos on line e sem os cassinos estejam liberados. Imaginemos como seria a situação do povo, se tudo isso estivesse livre e com fácil acesso?
Além disso, fala-se que o crime organizado já se infiltrou em significativos setores da economia nacional, como o mercado imobiliário, o comércio de combustíveis e o transporte público. Há dias houve assassinato em grande aeroporto de São Paulo, um indicativo do poder e da ousadia das organizações criminosas e do narcotráfico.
Há cerca de 3 décadas, o Cazuza falava dos que “transformam o país inteiro num puteiro pois assim se ganha mais dinheiro”, na música intitulada O tempo não para. Parece que se antecipava e falava do presente e da ânsia por dinheiro que nos faz agir como cafetões e prostituir o nosso país.
Talvez seja a hora de se fazer especial aposta: restringir-se-ão os Bets e os caça-níqueis, mantendo-se a proibição desses jogos e enterrando-se o projeto de lei que quer liberar a jogatina e os cassinos, ou será tudo liberado e as famílias que se enterrem e se endividem, injetando nessas atividades grande parte dos suados salários e do dinheiro que era destinado à economia doméstica e ao sistema de trabalho e emprego, que compra cesta básica e produtos nos mercados e padarias e nos vários setores comerciais e industriais, fazendo circular o dinheiro e pagando impostos? Tenho um palpite que é “pule de dez”!
* Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania; Colunista do Diário de Minas