
Em busca do equilíbrio universal - créditos: IA
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07-05-2025 às 10h10
José Aluísio Vieira
Introdução
A escassez universal é um conceito fundamental em economia que afirma que os recursos são limitados, enquanto os desejos e necessidades humanos são ilimitados. Essa disparidade entre recursos finitos e desejos infinitos cria a necessidade de escolhas e decisões sobre como alocar os recursos da melhor forma possível.
Desde os primórdios da civilização, a humanidade se depara com a escassez. O crescimento populacional, a urbanização acelerada, as mudanças climáticas e a degradação ambiental intensificam a pressão sobre os recursos naturais. No entanto, a escassez vai além dos recursos materiais, abrangendo também a atenção, o tempo e as oportunidades. Como a humanidade pode redefinir sua relação com a escassez em um planeta finito?
A percepção da escassez tem moldado economias, políticas e culturas ao longo da história. Civilizações antigas desenvolveram sistemas de irrigação, comércio e controle populacional para lidar com recursos limitados. No mundo moderno, a globalização e a digitalização trouxeram novos desafios e oportunidades, redefinindo como os indivíduos e sociedades interagem com a escassez.
Escassez Universal: Uma Análise Multidimensional
A Crise dos Recursos Naturais
A escassez de água, energia e matérias-primas impõe desafios complexos. Dados da ONU (2023) revelam que 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso seguro à água potável, enquanto 940 milhões vivem sem eletricidade. A exploração desenfreada de recursos não renováveis ilustra a tensão entre crescimento econômico e limites ecológicos.
Além disso, o esgotamento dos solos cultiváveis e a perda de biodiversidade representam ameaças adicionais à segurança alimentar global. O avanço da desertificação e o colapso de ecossistemas fundamentais para a regulação climática destacam a urgência de um novo modelo de uso dos recursos naturais.
Escassez Artificial e Desigualdade Estrutural
Enquanto 1% da população detém 45% da riqueza global (Oxfam, 2023), a escassez é amplificada por sistemas políticos e econômicos que privilegiam a acumulação.
A escassez também pode ser um fenômeno artificial, perpetuado por sistemas econômicos que concentram riqueza. Enquanto 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente, 828 milhões passam fome (FAO, 2023). Segundo a FAO, a necessidade calórica média diária por pessoa gira em torno de 2.300 a 2.500 kcal, o que equivale a aproximadamente 1 kg de alimento por dia (varia conforme a dieta e o nível de processamento dos alimentos). Isso dá cerca de 365 kg de alimentos por ano por pessoa. Assim, os alimentos desperdiçados anualmente poderiam, em teoria, alimentar mais de 3,5 bilhões de pessoas por ano, ou seja, quase metade da população mundial.
A falta de acesso à tecnologia também contribui para desigualdades sociais. 37% da população global ainda não usa a internet (UIT, 2022).
A desigualdade estrutural amplifica a escassez ao impedir que grandes parcelas da população mundial tenham acesso a bens e serviços essenciais. A concentração de renda e poder cria barreiras ao desenvolvimento equitativo, reforçando ciclos de exclusão econômica e social.
A Escassez do Tempo e do Bem-Estar
A hiperconectividade do mundo moderno levou a uma escassez de atenção e de qualidade de vida. A produtividade excessiva compromete a saúde mental, e o excesso de informação reduz a capacidade de tomada de decisões racionais.
A aceleração da vida moderna cria uma “escassez de atenção”, onde a produtividade tóxica e a pressão por resultados comprometem saúde mental e conexões sociais (Schor, 2021).
Estudos indicam que a sobrecarga de informações e a economia da atenção têm impactos profundos na capacidade cognitiva e no bem-estar emocional. O aumento da ansiedade e da depressão está diretamente ligado à exposição constante a estímulos digitais e à crescente pressão por eficiência e desempenho.
Causas Raízes: Para Além da Superfície
Modelos Econômicos Insustentáveis
O capitalismo neoliberal, baseado em crescimento infinito, perpetua ciclos de extração e desigualdade. O Sul Global paga o preço da pegada ecológica do Norte (Hickel, 2020).
A dependência de combustíveis fósseis, a industrialização predatória e a lógica da maximização do lucro sobre a sustentabilidade levaram a um colapso ambiental progressivo. Modelos econômicos alternativos, como a economia regenerativa e o decrescimento sustentável, surgem como alternativas viáveis para um futuro equilibrado.
Falhas na Governança Global
A falta de mecanismos eficazes de redistribuição de recursos agrava crises humanitárias. Acordos internacionais, como o Acordo de Paris, são frequentemente minados por interesses nacionais.
A governança global enfrenta desafios como o protecionismo econômico, a corrupção e a ineficácia das instituições multilaterais em impor sanções efetivas a países e empresas que desrespeitam regulações ambientais e sociais.
Cultura do Consumo
A publicidade e a obsolescência programada alimentam um ciclo vicioso de desejo artificial, vinculando identidade à posse (Baudrillard, 1970).
A cultura do consumo desenfreado estimula o desperdício e impede a adoção de hábitos sustentáveis. Novos movimentos, como o minimalismo e a economia do compartilhamento, apontam caminhos para a desconstrução desse paradigma.
Caminhos para a Superação: Entre Utopia e Práxis
Tecnologia como Ferramenta, Não como Salvação
Energias renováveis e agricultura regenerativa são soluções promissoras, mas exigem investimentos estruturais.
A energia solar e eólica, já cobrem 12% da demanda global (IRENA, 2023), mas exigem investimentos em armazenamento e redes descentralizadas.
Técnicas como agroflorestas podem aumentar a produtividade em 58% sem expandir áreas cultivadas (Nature, 2022).
A inovação deve ser direcionada para o uso eficiente de recursos e para a criação de tecnologias que promovam inclusão e acessibilidade. A digitalização pode ser um vetor para uma melhor alocação de bens e serviços, reduzindo desperdícios e promovendo eficiência global.
Economia Circular e Decrescimento
Redesenhar sistemas produtivos para priorizar reutilização e reparo pode reduzir a extração de matérias-primas em 28% até 2030 (Ellen MacArthur Foundation, 2021). O decrescimento propõe novas métricas de progresso baseadas em bem-estar.
Justiça Climática e Cooperação Global
“Impostos progressivos sobre grandes fortunas”, são controversos, mas “poderiam gerar US$ 2,5 trilhões anuais para combater a pobreza” (Piketty, 2022). Reparos ecológicos são essenciais para países industrializados financiarem a adaptação climática no Sul Global, reconhecendo dívidas históricas de emissões.
Considerações Finais: Reimaginar a Abundância
Educação crítica, mídia engajada e movimentos sociais (ex.: Fridays for Future) são essenciais para desnaturalizar a escassez e construir narrativas de abundância compartilhada.
A escassez universal não é um destino inevitável, mas um sintoma de escolhas políticas e econômicas. Para transcender essa realidade, precisamos de novos indicadores de progresso, democratização radical dos recursos e ética do cuidado. Como afirmou Vandana Shiva, “A Terra possui abundância para todas as necessidades, mas não para toda a ganância”. A escolha entre colapso ou regeneração está em nossas mãos.
Este artigo é um convite ao diálogo.
Impacto Esperado:
- Inspirar políticas públicas baseadas em justiça socioambiental.
- Mobilizar pesquisadores a explorar modelos econômicos alternativos.
- Ampliar o debate sobre escassez em fóruns globais, da COP à ONU.
(*) José Aluísio Vieira é consultoria empresarial especializado em educação financeira e finanças empresariais