21-12-2024 às 07h07
Rogério Reis Devisate*
A banda Supertramp cantava “apesar de ser um pobre rapaz, ainda posso ser feliz, enquanto me sentir livre” (Poor boy). Tivemos a liberdade votar nas últimas eleições e de expor os nossos pensamentos e pudemos fazer campanhas com liberdade, enquanto muitos teceram ostensivas críticas ao anterior governo, buscando outras opções.
De certo modo, éramos felizes e não sabíamos, quando percebemos que a nossa liberdade está na iminência de ser tolhida por pesada crise financeira, que mais se agrava e que, tal qual teia de aranha, nos enreda e cerca, aprisionando os nossos sonhos e projetos de felicidade. O dólar sobe e, com ele, em sentido oposto, desce a nossa expectativa.
A iminente reforma em curso já deve representar aumento nas passagens aéreas internacionais de cerca de 26% e os impactos contextuais devem ser maiores, diante do câmbio e do dólar. O impacto no setor aéreo será sentido, com reflexos nas cadeias e seguimentos do setor – diretos e indiretos. Lamentavelmente, isso é apenas um pequeno exemplo, de um único setor, quando o governo anuncia, por Portaria, que serão destinadas ao Tesouro Federal as moedas lançadas por turistas nas fontes. Pode haver apenas o propósito de regulação do tema, embora haverá quem note significado mais amplo, exatamente por surgir a Portaria enquanto o governo trata do pacote fiscal, interpretando-se que a crise político-econômica seja tão significativa que até as moedas estarão sendo catadas para reforçar o caixa.
Contudo, isso não combina com o anúncio de iminente aumento de vencimento de carreiras do governo federal. Coisas que não combinam… Também não se coaduna com a os bilhões de reais, em dólar, que o governo vendeu para conter a alta da moeda americana ou com a destinação de recursos via emendas – com natureza semelhante àquelas que se questionou em face do governo passado. Nesta senda, vivenciamos momento interessante da vida política e econômica nacional, em que as linhas não se cruzam com clareza, deixando traços de dúvidas no seu percurso.
Tem havido fuga de capitais, sejam ou não tipicamente definidos como especulativos, embora estes também façam a diferença. Sem segurança para o investidor, o “senhor mercado”
2
se movimenta e oscila em prol da sua própria proteção, tal qual o afogado mais dócil e empático que, no derradeiro momento, luta ferozmente com qualquer um para se agarrar a boia de salvação.
Não há fidelidade no jogo do poder, na medida em que o próprio Poder é infiel a quem lhe jurou amor. Parece que muito muda para, no fundo, nada mudar. Estamos cansados, como sociedade!
Temos muito trabalhado para sustentar estruturas públicas que pouco retorno nos dão, notadamente em segurança, saúde e educação. Os nossos índices são pífios se e quando comparados com outras estruturas no mundo e, apenas para exemplificar, em 2022, em matemática, entre 81 nações ficamos na 65ª posição (melhorando, quando em 2018 estávamos na 70ª). Isso interfere em muito, na nossa competitividade global e não contribui para a elevação do nosso padrão social. Educação não corresponde a despesa ou gasto, mas a investimento, sem o qual o custo e o valor do resultado acabam sendo mais elevados.
Estamos, agora mesmo, com vozes combatendo salários mais elevados em alguns qualificados setores, quando o grande problema parece ser o nível baixo dos salários pagos a tantos outros – e isso envolve concausas complexas, que não deixam de estar relacionadas ao nível de escolaridade. Como exemplo, podemos citar a Coréia do Sul que tinha, há cerca de 40 anos, piores índices de pobreza do que o Brasil e que, hoje, consta que os seus estão três (3) vezes mais ricos do que os brasileiros. Como pagar bons e altos salários a quem não tem boa escolaridade? Há várias e múltiplas atividades para as quais importa esse conhecimento e isso parece mais se evidenciar quando, em igualdade de condições, alguns dos nossos são comparados a estrangeiros. Perdemos a oportunidade de voos mais longos e de olhar adiante, no abismo da realidade global. Sem visão de longo prazo e investimentos com essa coerência, gastamos em projetos que nos mantiveram no mesmo plano horizontal, sem nos alçar a níveis mais altos. Não subimos na escada que poderia nos levar aos céus de uma vida mais próspera, num país mais rico – ou melhor, com níveis coerentes com a nossa riqueza mineral e produção agrícola e industrial.
Parecemos cultuar algo próximo ao invejar quem produz, no lugar de incentivar a produção.
3
Enquanto isso, oprimimos o trabalhador das bases com a pesada carga tributária e lhe pagamos salário mínimo com que sobrevive a duras penas, já que o valor não corresponde à diretriz constitucional, do art. 7º, IV, que prevê que devesse custear as despesas com “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Esse texto não corresponde à realidade e a Constituição é de 1988, representando a ideia de que são os governos – e não os empregadores – que não outorgam as condições de prosperidade, enquanto retiram a liberdade dos trabalhadores e os sufoca.
A própria Constituição Federal assegura, no mesmo art. 7º, inciso V, que o piso salarial flutue para ser “proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”, na linha de que a preparação educacional fomente essa melhoria de posição. A cada um, portanto, conforme o grau das suas habilidades. Assim veem os empregadores! O serviço público não é diferente e, numa metáfora, os governos precisam dos melhores, para se autogerir e de todos cuidar, servindo como metáfora a ideia de que, nas guerras, precisamos dos melhores pilotos para conduzir as aeronaves em defesa do nosso território. É contratando os melhores e aprovados em concursos públicos que o Estado se mantém e atua – e longe se vai o tempo dos coronéis, que nomeavam os seus apadrinhados para estas ou aquelas funções. Lamentavelmente, não cuidando dos bons níveis de pessoal ou equipamentos, perde bons quadros, como exemplifica a notícia de que perdemos bons pilotos de aviões militares, por ser a atividade melhor remunerada na iniciativa privada.
Noutra frente, a nossa Dívida Externa é de quase cinquenta bilhões de dólares, o que equivale a cerca de 300 bilhões de reais (ou 1/3 de trilhão). É muito dinheiro, mas infelizmente não é tudo, porquanto a nossa Dívida Interna, em 2024, corresponde a 77,7% do PIB, devendo chegar a 81,8% em 2027.
Logo teremos um aumento absurdo no endividamento interno, engessando o país, com prognósticos de que teremos déficit, também, nos próximos 2 anos. Sem maiores aprofundamentos, aqui, convém registrar que o governo federal pode enfrentar “apagão” em 2032. Em contraponto, convém registrar que, em poucos meses e após notória longa crise, a Argentina saiu da recessão, com crescimento do PIB de 3,9 % no terceiro trimestre deste ano.
4
De certo modo, quanto não agimos, tornamo-nos instrumento das ações dos outros, fazendo o que nos pautaram. Seguimos como a serpente que morde a própria cauda, mas não como espiral da própria evolução e sim com traços de autofagia, devorando a si própria e comprometendo o seu futuro.
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.