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Algazarra de crianças ao exercerem o direito de brincar é a coisa mais gostosa de ouvir

Algazarra de crianças ao exercerem o direito de brincar é a coisa mais gostosa de ouvir

Crianças que brincam na infância podem vir a ser adultos criativos, centrados e seguros. As brincadeiras da infância são marcantes porque influem decisivamente na capacidade cognitiva de meninos e meninas

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Direto da Redação

25-09-2022

8h:25

Alberto Sena

Gostoso é ouvir a algazarra das crianças na rua, quando elas estão exercendo o direito de brincar. Crianças têm de brincar, brincar e brincar. Faz bem ao espírito, à mente e ao corpo saudável delas. Aquela que brinca, um dia pode vir a ser um adulto criativo, resolvido.

Toda vez ao ouvir a algazarra de crianças na rua me lembro do cinematográfico Frederico Fellini, em “Amarcord”. Lindo filme. Nele há uma cena, não só de crianças, numa manifestação de rara beleza cênica recepcionando os primeiros flocos de neve a caírem na praça onde havia uma fonte.

Essa algazarra a qual me refiro acontece à porta do prédio pelo menos duas vezes ao dia, senão o dia quase inteiro. Mas de manhã, e principalmente ao final do dia, sempre acontece. Mais me chama a atenção a algazarra do final do dia, quando meia dúzia de crianças na faixa de 8 a 9 anos se reúne para brincar.

Nem sei do que essas crianças brincam. Importa-me a algazarra delas e o fato de a algazarra delas me remeter ao filme de Frederico Fellini, que em verdade é um mergulho no Inconsciente. Essa capacidade de fazer algazarra é própria do espírito infantil. Mas sobrevive além da fase adulta.

Certa feita, em 2001, para situar bem no tempo a passagem – peço licença ao leitor para contar – íamos, Sílvia e eu, a caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, a pé, quando entramos num intrigante povoado chamado Molinaseca, depois de descermos uma montanha. Deparamos com um belo rio, largo, cheio de pedras. As pedras davam mais velocidade à água.

À beira do rio vimos um prédio onde se lia a palavra “Hotel”. Era o que mais queríamos naquele momento. Depois de andarmos naquele dia mais de 35 quilômetros, o que as pernas pediam era uma banheira cheia de água quente para nela ficarem metidas até as panturrilhas sentirem-se aptas para o dia seguinte.

Fomos direto ao hotel. Pedimos para ver o apartamento antes de aceitarmos nos hospedar e o achamos ótimo para a ocasião, muito mais pela localização, à margem do rio, de onde podíamos ouvir o divino bulício das águas. Ali pudemos encher a banheira e descansar as pernas.

Devia ser mais de sete horas da noite, embora o sol estivesse presente. Era início da primavera na Europa. Foi quando pudemos ver da janela um grupo de crianças acompanhadas, quiçá de suas respectivas mães. Como se fossem movidas a pilhas alcalinas, as crianças pulavam de pedra em pedra feito cabritinhos.

Fechamos a janela e fomos nos relaxar de fato numa cama confortável. Claro que nem só de beliches de albergues e abrigos vivem os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela. Ali relaxados ouvimos a algazarra das crianças, e mais uma vez nos lembramos de Frederico Fellini, em “Amarcord”.

 Crianças são crianças em todos os cantos do planeta. Embora iguais, infelizmente, há diferenças de ordens política e socioeconômica, pois uma criança europeia não se compara a uma criança de certas regiões da “Brasáfrica”.

Na Europa, que neste instante antropológico vive as consequências de uma guerra de Rússia contra a Ucrânia, crianças têm padrão de vida digno, enquanto na “Brasáfrica”, em muitas regiões, as crianças vivem na miséria.

Em 22 de abril de 1987, ao autografar-me a 2ª edição do seu livro intitulado “Aos trancos e barrancos – como o Brasil deu no que deu”, Darcy Ribeiro escreveu, com caneta tinteiro, a seguinte dedicatória: “(...) Escrevi este livro para abrir os olhos da sua geração sobre o fracasso da minha”.

Confesso-me: fiquei ter ficado estupefato com tamanha seriedade e importância da dedicatória. Pensei e ainda penso nisso até este momento em que trepido nas teclas do notebook. “Se a geração dele não conseguiu, será que a minha conseguirá?”

Peço emprestado de Hugo Werneck, o papa do ambientalismo mineiro, um dos precursores do ambientalismo nacional, a frase: “É preciso plantar jequitibá”. Para quem não sabe, Jequitibá é uma árvore que se torna adulta depois dos 60 anos.

Nós até nem vamos pegar as boas transformações que um dia se darão a partir do investimento feito em nossas crianças, às quais, de antemão, transfiro a responsabilidade de tornar este Brasil brasileiro um país digno.

Assim como, em 1987, Darcy Ribeiro confessou o fracasso da geração dele, de antemão confesso o fracasso da minha, diante dessa política cheia de vícios e impregnada de corrupção.

Mas, apesar disso, sobrevive a certeza: um dia as crianças haverão de vencer.

Imagem da Galeria É muito bom ver a alegria das crianças quando estão a brincar
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