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A autoridade climática não manda no clima

A autoridade climática não manda no clima

Fator a nos fazer refletir é o fato de que há cerca de 2 anos se debate a figura da autoridade climática e, aí, surge a pergunta: será que, se já existisse por esse tempo, teriam sido evitados aqueles eventos extremos

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14-09-2024 às 09h:09

Rogério Reis Devisate*

Certo domador de circo ingressou na jaula dos leões e fez todas aquelas cenas com o chicote, estalando-o ruidosamente e encurralando as feras.

Em determinado momento um dos leões atacou o domador.

Tentaram explicar o episódio, justificando o fato com a criação de inúmeros argumentos, mas a explicação era mais simples do que desejavam: esqueceram de “combinar com o leão” como tudo deveria funcionar.

A lição metafórica pode ser aplicada à autoridade climática que se está a projetar, visto que não tem o poder de mandar no clima.

Antes de avançar, é importante considerar que haja um órgão de controle das ações extremas que as mudanças climáticas têm provocado, como os incontáveis focos de incêndio, a seca dos rios, o regime de chuvas e a alteração em microclimas, sem contar a imensa nuvem de fumaça que cobre grande parte do País. Por exemplo, há a autoridade monetária, que é um órgão controlador, sendo responsável pelo controle do quantitativo de moeda em circulação, cuidando dos meios de pagamento, financiamento e crédito. No mesmo rumo, o Conselho Monetário Nacional cuida da formulação da política de crédito e da moeda, em prol da sua estabilidade e do progresso econômico e social.

Decerto, apesar de fatores vários, sejam os correntes ou os extraordinários como as guerras e os cataclismas, a chamada autoridade monetária tem maior possibilidade de controle sobre o que lhe cabe do que a autoridade climática teria sobre o efetivo controle do clima.

Fator a nos fazer refletir é o fato de que há cerca de 2 anos se debate a figura da autoridade climática e, aí, surge a pergunta: será que, se já existisse por esse tempo, teriam sido evitados aqueles eventos extremos no Brasil, como a sensível seca de rios amazônicos, os milhares de focos de incêndio que vemos e as fortes e terríveis chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul?

Se a resposta a essa pergunta revelar alguma hesitação, parece que a figura que se pretende criar estaria fadada ao descrédito da população e à não solução dos motivos que ensejariam a sua criação.

Portanto, a instituição de autarquia em torno da autoridade climática não teria o poder de solucionar o problema, sendo crível que a cura para a doença não está no tratamento de sintomas, quando podemos já categorizar as mudanças climáticas como “doenças progressivas” e que não têm cura, no sentido pleno da palavra, apenas podendo ser adotados tratamentos para a amenização ou o retardamento das consequências e sequelas produzidas.

Isso envolve as políticas públicas e a conscientização da população, com a criação de um discurso legítimo e que a todos mobilize para a mitigação dos efeitos já sentidos e a adoção de novas ações proativas no futuro.

Percebamos, contudo, que tal contexto não é suficiente para corrigir os rumos da imensa força natural dos ventos e das ondas, da mudança nos regimes de chuva, no aquecimento dos oceanos, nas oscilações de temperatura e nas alterações da micro vida dos solos e das águas.

A grandiosidade desses eventos e o imenso poder da natureza estão muito além da capacidade humana de agir para modificar o quadro que se observa, mundialmente e, de fato, não estaríamos nos importando com nada disso, se a solução passasse pela simples criação de uma autoridade climática, aqui ou acolá.

Sedimentado em nossa história política, temos o Ministério do Meio Ambiente, que há tempos se chama “Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima”. Em “dados abertos”, página do Governo Federal, lemos que, em resumo, lhe cabe a promoção dos princípios e estratégias para a proteção e recuperação do meio ambiente, o uso sustentável dos recursos naturais e a implementação de políticas pública embasadas no desenvolvimento sustentável, já que, nas atribuições da prestigiosa Pasta, estão a política nacional do meio ambiente e sobre a mudança do clima, a política de preservação e conservação dos ecossistemas, a gestão de florestas públicas, as estratégias regulatórias e de integração da proteção ao meio ambiente com a proteção econômica, a integração da política ambiental e energética, as políticas de proteção da vegetação nativa e das ações e programas para a Amazônia e outros biomas nacionais.

Com tudo isso, aparentemente a novel Autarquia. ligada à Autoridade Climática, herdaria ações daquelas cometidas ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Se não fosse assim, teríamos a sobreposição de atribuições entre dois órgãos federais.

Além disso, parece ser evidente que o Ministério do Meio Ambiente e de Mudança do Clima já tem autoridade e legitimidade suficientes para a realização das atividades ligadas ao “compliance” e à aplicação da força sancionadora aos causadores dos danos ao meio ambiente, além da elaboração e fomento das políticas públicas sobre esse fundamental contexto.

Isso é o bastante para concluirmos que precisamos de políticas públicas efetivas, urgentes e reais, tanto para atacar os mais evidentes sintomas em curso quanto para prevenir a repetição de padrões climáticos danosos e a modificar contextos, para que o futuro nos propicie cenários diferentes e melhores do que aqueles que têm sido vaticinados por alguns pensadores.

Por fim, imaginemos como reagiria a sociedade se, após o clima de pomposo lançamento institucional da autoridade climática, tivermos eventos tão perturbadores quanto aqueles que, por chuvosos meses deste ano, atingiram milhares de pessoas e, também, o comércio, a indústria e as cadeias produtivas do agronegócio, no Rio Grande do Sul e, no mesmo sentido, mas com distintas proporções, em regiões que têm sido castigadas pela seca, por incêndios e pela drástica diminuição do nível de rios. Isso deve nos fazer refletir.

Essa é a realidade que as palavras não podem modificar, como aliás registrou o grande pesquisador e historiador Moniz Bandeira, dizendo que “não há ideais, mas somente fatos, nem verdades, mas somente fatos, não há razão nem honestidade, nem equidade etc., mas somente fatos”, para concluir que, ”palavras não mudam a realidade dos fatos”.

Por fim, voltando à metáfora do leão e do domador, fica a ideia de que, sem combinar com a natureza, discursos e ações não modificarão o contexto e nem melhorarão as expectativas de futuro.

* Rogério Reis Devisate é advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ.  Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária Experiências Regionais, publicada pelo Senado Federal.

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Mais um excelente artigo reflexão do Rogério Devisate e mais uma vez PARABÉNS!

 

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