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Ao apagar das luzes

Ao apagar das luzes

Ouvido nenhum suporta tanto barulho. Chega um momento, a barulheira influi até no estado de humor das pessoas. Nunca se pôde ver tanta gente nervosa e apressada nas ruas

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12-09-2024 às 09h:44

Alberto Sena*

O som de martelete é o mais ouvido nesses dias que antecedem as eleições para vereadores e prefeito.

Fisicamente, a cidade parece mergulhada em acelerada fase de mutação, como se vida própria tivesse para se renovar como uma cobra troca de pele.

Casas antigas dão lugar a novas construções surgidas quase da noite para o dia. Edifícios novos, mais parecidos com penteadeiras de mulher dama, tanto espelho cima abaixo, refletem a luz do sol e aumentam a bolha de calor.

Quem no dia a dia se fecha dentro de um carro com ar-condicionado e vidros escuros não ouve o ruído irritante e intermitente do martelete.

O som do martelete se junta ao ronco dos motores dos veículos nas entupidas e obsoletas vias da cidade e se mistura ao som alto instalado no bagageiro do carro, mais o barulho do helicóptero parado no ar feito colibri.

Pior do que se fechar dentro de um carro para não ouvir tanto barulho é dizer já ter se acostumado com ele. Quem se acostumou não suporta ficar no mato onde se ouvem os ruídos naturais, este não precisará duvidar, está com algum problema. Senão vários.

Ouvido nenhum suporta tanto barulho. Chega um momento, a barulheira influi até no estado de humor das pessoas. Nunca se pôde ver tanta gente nervosa e apressada nas ruas como acontece nesses dias. Se antes era perigoso viver numa cidade como a nossa, agora a situação deteriorou de vez.

Os belo-horizontinos nascidos ou adotados precisam se juntar para discutir a cidade. Imaginemos BH dos anos 2030. Até lá os barulhos diminuirão? As pessoas parecem ter perdido a noção de civilidade e de bom senso. Fazer barulho tornou-se sinal de poder.

Há quem gaste dinheiro sem poder para adaptar no bagageiro do carro potente som só para demonstrar o tamanho do mau gosto musical. E ninguém pode fazer nada além de tapar os ouvidos. As instituições governamentais se mostram impotentes para impedir as frequentes festas barulhentas nas madrugadas adentro.

Quem achar este monólogo exagerado, saia do conforto e vivencie a pé um dia ou uma manhã nesta metrópole outrora “cidade jardim”, que precisa de uma administração pública eficiente. São dez os candidatos e cada um promete tudo. Todo cuidado é pouco, diz o velho deitado na esquina.

Para não se enlouquecer com tanto ruído, o remédio é aplicar bem os ouvidos no canto dos passarinhos fugidios do ninho queimado pelo fogo campesino a arder nos parques.

Em qual cidade queremos viver? Qual cidade nós deixaremos para a nossa descendência? As perguntas ficam, por enquanto, sem respostas porque na velocidade vivida vidente nenhum seria capaz de prever os próximos acontecimentos num horizonte de cinco anos.

A azáfama é voraz. Precisamos frear isto. Alguém aí já se fez a pergunta: “Tenho alegria de viver?”. Se a resposta for afirmativa, parabéns. Se for negativa, evoque a percepção: o problema não está fora, mas dentro de cada um de nós. E as soluções também.

Os barulhos do dia a dia acontecem fora de nós, mas a causa está dentro de quem preza ou não os ouvidos de escutar. Quem ouve o outro e enquanto ouve pensa no que deve responder não escuta.

Neste momento, ao som de um zunido alto de motor de caminhão de lixo em pleno desempenho da tarefa noturna e soturna de mastigar o que não queremos saber nem ver, se pode chegar à seguinte conclusão: ou calemos o barulho vindo de dentro nós ou não teremos mais tímpanos sequer para ouvir o estalido proveniente do toque de dedo do último belo-horizontino no interruptor ao apagar as luzes.

*Editor Geral do DM

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