Gerações nas Sombras
Mas, em todo este tempo, inda que pareça arcaico, minha geração se projetou e se fez presente.
08-09-2024 às 09h:00
Jose Altino Machado*
Minha geração chegou quando o mundo ardia em chamas por conta de uma guerra que acontecia levada a extremos. Europeus e tantos povos não dormiam com barulhos de canhões e bombardeios. Coisa braba.
Um período em dias de hoje, visto como atrasado. As comunicações, então, mais que precárias... O melhor que a nós havia era um fio solteiro ligando cidades a cidades pelo telégrafo, com o melhor dos inventos, o código Morse. O que tornava o telegrama rapidão, embora mais caro. Se cartas, além de ter que se lamber as costas dos selos para ativar a famosa goma arábica, a missiva levava de quinze a vinte dias.
Menino na rua, só depois da escola. Transporte, patins ou para alguns o luxo da bicicleta, mas a maioria era mesmo no sapato, e bão era o Clark. Na escola, professores, recebidos de pé, não só ensinavam como também educavam e para apreensão maior sempre presente e à vista uma palmatória.
Telefone então, só rodando a manivela; e nas boas cidades. Televisão? Quando chegou, há tempos, só víamos imagens em filmes de cowboys. E tome Rock Lane, Roy Rogers com seu cavalo Trigger, e os embriões de seriados como a Deusa de Joba. Noutros filmes, o Monstro da Lagoa Negra, Quo Vadis etc. etc. Beijões e sacanagens nem pensar. Demorou bastante a que Marlon Brando e Maria Schneider ao dançarem um último tango em Paris, encontrassem outro uso mais palatável para a manteiga.
Mas, em todo este tempo, inda que pareça arcaico, minha geração se projetou e se fez presente.
A juventude de nossa gênese foi algo notável, por sua presença e participação política na sociedade. Não só éramos ouvidos como até temidos. Como dirigente estudantil, no pequeno Espírito Santo, montamos e executamos uma operação K (de carestia) e simplesmente destruímos todos os ônibus da então pequena Vitória, que aumentara tarifas contrariando entendimentos feitos aos estudantes. Só sobraram os da Viação Jucutuquara que manteve preços dos acordos firmados. Alguns “buzus” se transformaram em moradia de peixes, ao serem lançados ao mar. Éramos bravateiros destemidos.
Congresso estudantil ao fim dos 50, na Áustria, com boa turma e colegas do agito, acabamos presos na conservadora Viena. Dando muito trabalho a pai me buscar.
E tal período não foi privilégio apenas nosso. Assim eram os jovens à época. E assim eram todos estudantes na história universal, de mestres como Sócrates, Aristóteles e tantos outros. Sempre mudaram o mundo para que a serenidade e moderação dos mais velhos fizessem a ele reparos necessários e melhores.
Sempre discuti muito com meu conservadoríssimo pai que, por Minas, surrou bem os paulistas na batalha do túnel, na dita revolução constitucionalista deles. Ele não aceitava muito minhas agitações. Nunca, entretanto, deixava de ouvir-me dizer, nunca aceitar que atuais estudantes, nunca mostrassem descontentamentos, rebeldias, ou vibrações em discussões políticas. Principalmente aqueles mansos que jamais quebraram uma mínima cadeira na escola.
Erramos muitos, talvez demais, mas os melhores conhecimentos encontramos em erros, com convicção, que fáceis acertos sempre acomodavam a mente e afetavam a inteligência.
A desdita atravessada por nossa geração aconteceu mesmo única e totalmente no setor político gerencial da Nação. Quanto a mim nem quinze anos completos, fui selecionado com colegas a receber um herdeiro Rockfeller. A cada um, uma pergunta. Perguntei então ao rico empresário, embora herdeiro, que conselho daria a jovens como nós para os caminhos da vida.
Resposta filha da puta... apenas disse:
“Entre na política, América Latina e principalmente neste país é através da política que crescem os homens”.
Bem ao contrário, em nossa passagem de tempo por aqui, como sempre diz o Lula, a política nos fudeu ...
Não fomos do Império, mas nascemos sob uma imperativa ditadura gaúcha. Nem falávamos direito, e só bem mais tarde soubemos então, que foram cassados poderes e constituições dos Estados. Seus governadores, substitutos dos anteriores revolucionários, não mais eleitos, foram sendo nomeados pelo homem que amarrara seu cavalo em um Obelisco do Rio de Janeiro.
E na ocasião, todos, calados e permissivos assistiram findar também um bom exemplo mundial de organização geopolítica, os Estados Unidos do Brasil, tornado uma estranha República Federativa.
No ano em que faria seu “debut”, acaba-se a ditadura. Assumiram então, os políticos talvez referidos pelo norte-americano. Encantados com o máximo poder ofertado pela centralização herdada do totalitarismo, ignorando costumes e culturas dos estados federados, adoraram manter na nova Constituição (1946) da Nação que se reiniciava, tais comandos ultra centralizadores. Porém, maior questão os diferenciava dos dias atuais, mantiveram intocáveis os sentimentos pessoais de respeito e vergonha.
Para nós todos que passávamos a entender de muita coisa, esse espaço temporal, nada durou. 1964, outro regime, não ditatorial, mas de exceção. Assim digo, porque a ser totalmente excepcional, não deveríamos ter a concordância de um Congresso legislativo que funcionava. E com maioria deles, os altos comandos do país chegaram a criar o maior partido de “vontades políticas” e com sugestivo nome, ARENA.
A administração deles, reputo, se não ótima, mas boa a atender os interesses nacionais. Por outro lado, repetindo o Lula, fuderam a política nacional e como resultado junto a fudança, lá se foi o melhor futuro possível à organização administrativa do Estado.
Na litigância em busca do poder e ajustes à sociedade, destruíram a União Nacional dos Estudantes e com ela as dependentes estaduais.
Inocentes e pouco observadores da história de tantos e até da nossa, não se aperceberam que bloquearam de maneira danosa a usina fabril de líderes e futuros condutores das grandes metas nacionais.
Ao proibir políticas em educandários, em um país magnifico e promissor como o nosso, acabaram por jogá-lo por mais de uma geração, em braços sem competências e até também de inocentes sem formação e pouco preparados para sua condução.
Em meio aquela confusa orquestração, opositores, bastante letrados intelectuais, tentaram uma novidade. Criaram uma onda política ao abrigo do nome de trabalhadores. O que na ocasião, abrangeria muita gente país afora, não só àqueles que dela se apropriaram.
Uma só liderança, à época existindo, a ela acorreram, acreditando que a grande maioria nacional mais se parecia a ela. E é verdade, se parece sim, porém o grande erro é não reconhecerem que a Nação sempre foi e ainda é maior que todos, tenham estes todos, exercícios e vontades contraditórias.
E toda esta verdade aí está escancarada. Sem a participação dos que são bons e aptos, junto a muda e indolente inércia provocada no seguimento estudantil, falta-nos hoje nesta Nação gigante, sabedorias, conhecimentos, cultura e educação em todos os níveis e a uma boa maioria: o velho banco de escola.
E sem se deixar macular por ingênuas ou interesseiras artes políticas, lá vai o Brasil crescendo e se obrigando a um amadurecimento político, para deter levianos e intolerantes comportamentos divisionários.
Objetivando o assunto, bom recordar que, para a criação das bases políticas e outros desígnios à formação da Nação, e consolidações dos interesses nacionais, berçários, ideários, e acalantos, aconteceram em uma faculdade pernambucana, outra de São Paulo e numa pioneira na América Latina, Ouro Preto - Minas Gerais.
Perdemos por ignorar históricos exemplos, possíveis, promessas de útil participação na vida nacional, por castrarem e silenciarem suas ações, brasileiros bem-preparados. Prejuízo bem maior, que simplesmente deixá-los às sombras.
Perante tudo isso, fica muito difícil se acreditar que haverá rumo melhor, que sustentar esperanças quanto a mitos imaginários ou operários profissionais de mãos delicadamente lisas.
Belo Horizonte
*Jose Altino Machado é jornalista
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Artigo muito verdadeiro resgatando aspectos culturais de nossa história contemporânea. Parabéns!