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07-06-2025 às 09h29
(*)Ilder Miranda Costa
O conceito de complexo de Édipo nasceu em 1896, quando Sigismund Schlomo Freud (1856-1939) descobriu em si mesmo o “fenômeno de [se] apaixonar por mamãe e ter ciúmes de papai” e passou a considerá-lo “um acontecimento universal do início da infância”[1]. Em 1900, interpretando a ligação entre Laio, Jocasta e seu filho, afirmou que “talvez estejamos todos destinados a direcionar nossos primeiros impulsos sexuais para nossas mães, e nosso primeiro ódio e desejos violentos para nossos pais”[2].
Em 1981, Lula conformou-se à universalização freudiana, desta forma: – “Quando eu começo a lembrar do sacrifício que minha mãe fazia, eu fico pensando como as mulheres de hoje são fúteis.”[3]
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Em português, ‘fútil’ significa sem importância, insignificante, vão ou superficial.
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O tempo passou, mas inconsciente não envelhece. Lula continuou edípico.
Entre 2003 e 2011, morreu de ciúmes de FHC. Em 2014, ainda pairava sobre sua alma a sombra monstruosa do ciúme. Afirmou que, no governo FHC, era “roubar por roubar e não tinha denúncia porque tinha um tapete muito grande para jogar toda sujeira para debaixo”. FHC castrou o menino, dizendo que ele promove “baixarias e falsas acusações”, é “incapaz da autocrítica” e tenta “distrair a opinião pública jogando culpa nos outros”.[4]
Agora, é a vez de Bolsonaro. A partir da hora em que foi solto, em 8-11-2019, não passa um dia sem se sentir ferido pela flecha preta do ciúme, que lhe fere justo na garganta: – “Eu nunca fui chamado de mito, na minha vida.” [5]_[6]
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O ciúme é tanto que não pode ouvir alguém falar em ‘não foi golpe’, ‘anistia’, essas coisas.
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Mas aconteceu que, em 10-2-2025, uma segunda-feira, o Ministro da Defesa compareceu ao programa Roda Viva. Referindo-se a Oito de Janeiro (2023). José Múcio Monteiro Filho disse que, “no dia, chegou um monte de ônibus e as pessoas [foram] descendo para a Praça dos Três Poderes. Não havia um chefe, não havia alguém armado, não havia alguém com quem se pudesse entender. (…) Não havia uma arma. (…) Quem vai nos esclarecer isso: foi um golpe onde os civis foram, os militares não? (…) Se não foi golpe, aquilo foi o quê?”[7].
Foi o bastante para, três dias depois, num evento de distribuição de casas, Lula começar a delirar: – “Minha mãe (…) é a coisa mais sagrada que eu tenho. Aliás, não tenho não porque ela morreu em 1980. Mas eu ainda converso com ela”. A vigilante Dona Lindu “está lá me olhando”.[8]
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Aconteceu, também, que, em 6-4-2025, um domingo, sete governadores, um terço do Senado, centenas de parlamentares federais e estaduais e inúmeros prefeitos e vice-prefeitos estiveram na Avenida Paulista. Gritou-se que não houve golpe. Falou-se em perseguição. Pugnou-se por anistia.
Foi o suficiente para, dois dias depois, Lula pirar: – “Eu estive em 25 de janeiro do ano passado, de 2023, em Orixima, estava lá visitando, eu e o presidente dos Estados Unidos, aonde jogaram a bomba…”[9]. Bem, Lula, a bomba foi lançada em Hiroshima.
Lula não parou por aí. Refém de “influências psíquicas complicadas”[10] emergindo do grotesco de seu ser, confessou que, naquele dia, na Orixima de seus sonhos, havia atacado uma “mulherzinha”[11], referindo-se a Kristalina Georgieva, diretora-geral do FMI.
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‘Mulherzinha’, em português é pejorativo; significa mulher vulgar, desprovida de valores morais.
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Quanto a o que se deu com Lula: ato falho, noção surgida em 1899, quando Freud compreendeu “o modo como um nome às vezes nos escapa e em seu lugar nos ocorre um substituto completamente errado”[12]. Orixima… Hiroshima.
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Aconteceu, ainda, que, em 14-4-2025, uma quarta-feira, o PL protocolou requerimento de urgência do projeto que concede anistia a preso por tentativa de golpe de Estado. A urgência recebeu assinaturas de parlamentares de MDB, União Brasil, PSD, PP e Republicanos, que possuíam ou possuem ministérios no governo federal.[13]
Foi o bastante para, no dia seguinte, Lula deparar-se com a volta do recalcado, na figura de Nadine Heredia, ex-primeira-dama do Peru, que obteve, segundo nota do Itamaraty, “concessão de asilo diplomático, nos termos da Convenção de Asilo Diplomático”[14]. No entanto, a Convenção, art. III, diz que “não é lícito conceder asilo a pessoas (…) que tenham sido condenadas por [crimes comuns] por [tribunais ordinários competentes], sem terem cumprido as respectivas penas”. Ora, Lula, Nadine foi condenada a quinze anos de prisão por lavagem de dinheiro porque recebeu US$ 3 mi da Odebrecht para financiar campanhas presidenciais de seu marido.
Segundo Veja, em 16-5-2025, “o passado bateu à porta de Lula”[15]. Aliás, Freud dizia que “o passado, o presente e o futuro são entrelaçadas pelo fio do desejo que os une”[16].
Segundo Crusoé, em 16-4-2025, “Nadine Heredia é o espelho de Lula”[17]. Reviver Lava Jato, triplex, sítio, juiz natural etc., logo agora, Lula? Como não diagnosticar um alto grau de narcisismo nisso tudo?
Nadine Heredia, simboliza a repetição, na vida de Lula, de comportamentos que se insurgem contra ele mesmo.
Desde o ABC, Lula premedita fracasso profissional, um atrás do outro. Desde a Constituinte boicota seu sucesso público. Desde 1989, movimenta-se à procura de dor e sofrimento; repete erro em cima de erro, em ciclo doentio.
É um sujeito em permanente atentado contra si mesmo.
Na prisão, Lula conscientizou-se de que sua ânsia por autodestruição total jamais atingirá realização plena. Foi aí que se rendeu à ideia de ser aquele que se corrompe para viver do que sobra de si.
No minuto seguinte ao da vitória na eleição/2022, sucumbiu ao poder de sua velha conhecida, a angústia, que, feito assombração e desde 2003, lhe esvazia o desejo.
No governo em curso, deixou de lado o eterno apostar em tudo e admitiu a companhia do medo da perda, assombrado que está com a morte do desejo.
Segundo o Estado de Minas, em 17-4-2025, “Lula atravessou os Andes para escorregar numa casca de banana em Lima”. Por puro prazer.
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A noção de princípio de prazer é de 1911, quando Freud o contrapôs ao princípio de realidade.
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Pois bem, no dia 10 de maio de 2025, Janja desembarcou em Pequim.
Na capital chinesa, Janja ajudou Lula, que, hoje, precisa dela em tudo, por tudo e para tudo, oferecendo-lhe apoio emocional, nas noites que antecederam ao encerramento do Seminário Brasil-China (12-5) e à abertura do 4º Fórum Celac-China (13-5). É que, na intimidade, Lula mostra-se, cada vez mais, inseguro, apresentando grave dificuldade de expressar sentimento em razão de sua decepção com aquilo que, na política, ele considerava ser seu porto seguro, a popularidade.
Com isso, Janja vai vivendo a vida, dando opinião e mantendo o marido longe da arena política. Em setembro de 2024, falou que “tinha abrido um caminho”; em outubro, fez “importantes chamados aos cidadões globais”; em novembro, afirmou que “a gente acaba sendo inresponsável com isso de colocar [o presidente da República] dentro de uma aeronave com esse tanto de poblema”; nesse mesmo mês, foi a vez de “fuck you, Elon Musk”.
Agora, na China, pediu uma “salma de palmas” para Dilma.
Independente disso, vai receber das mãos do marido a medalha da Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural, a mais alta condecoração da cultura brasileira, em razão de “relevantes contribuições prestadas à cultura do país”[18].
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Ainda na China e namorando a morte, Lula disse que sua mulher “não é cidadã de segunda classe”.
Lula não sabe de que diz, quando fala sobre classe de cidadania. Na China, “cidadão de segunda classe” refere-se a trabalhador rural que migra para a cidade, mas não tem registro de residência urbana (hukou) e só consegue emprego de baixa remuneração. Lula ouviu a expressão, gostou de sua sonoridade e usou-a para homenagear a esposa.
Em seguida, atormentado pelo engano de sua alma, balbuciou, num sopro sem força: “foi só isso”.[19]
[1] FREUD, Sigmund; MASSON, J. Moussaieff; Fliess, Wilhelm (1985). The complete letters of Sigmund Freud to Wilhelm Fliess, 1887-1904. Cambridge, Mass: Belknap Press of Harvard University Press. p. 272.
[2] FREUD, Sigmund. The interpretation of dreams Chapter V “The material and sources of dreams”, p. 223.
[3] MOREL, Mário. Lula, o metalúrgico: anatomia de uma liderança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 28.
[4] https://historia.diariodonoroeste.com.br/lula-diz-que-no-tempo-de-fhc-era-roubar-por-roubar-sem-denuncias/
[5] https://www.youtube.com/watch?v=0ivdSwdyZmg
[6] A metáfora do ciúme é de Caetano Veloso, em O ciúme.
[7] RODA VIVA. JOSÉ MÚCIO MONTEIRO | 10/02/2025. https://www.youtube.com/watch?v=-RU8n2_V0sI, de 15’25” a 17’58”.
[8] ALENCAR, Davi. MAIA, Mateus. Ainda converso com a minha mãe em “outro mundo”, diz Lula: segundo o presidente, a “mãe é a coisa mais sagrada que tem”; Dona Lindu morreu em maio de 1980 em São Bernardo do Campo. Poder 360, 13.fev.2025. https://www.poder360.com.br/poder-governo/ainda-converso-com-a-minha-mae-em-outro-mundo-diz-lula/
[9] https://www.facebook.com/watch/?v=1042944857654222
[10] (p. 40)
[11] https://www.facebook.com/watch/?v=1042944857654222
[12] FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. VI. Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901). In: Rio de Janeiro: IMAGO, 1950, p. 5.
[13] V. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/04/14/pl-apresenta-pedido-de-urgencia-do-projeto-da-anistia.htm?cmpid=copiaecola
[14] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/o-que-e-asilo-diplomatico-solicitado-por-nadine-heredia/
[15] https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/o-passado-bateu-a-porta-de-lula-nadine-a-refugiada-peruana/
[16] FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio. (1907), E.S.B.-1976, v. IX, p. 153.
[17] https://crusoe.com.br/diario/nadine-heredia-e-o-espelho-de-lula/
[18] https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/lula-concede-a-janja-a-maior-condecoracao-por-merito-cultural-do-brasil/
[19] https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/108495/lula-reage-a-vazamento-e-diz-que-janja-nao-e-cidada-de-segunda-classe
(*) Ilder Miranda Costa é professor da Faculdade de Direito da UFMG
“A opinião de nossos colunista, cronista e comentaristas, não expressa, necessariamente, a opinião do jornal Diário de Minas”