
É preciso formar profissionais capazes de defender o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social. CRÉDITOS: Divulgação
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20-03-2025 às 10h08
Raphael Silva Rodrigues*
A formação de juristas no século XXI se configura como um desafio multifacetado, tensionado entre a tradição secular do ensino jurídico e as demandas urgentes de uma sociedade em transformação. A complexidade global, a ascensão tecnológica, a crise de confiança institucional e a polarização social exigem uma profunda revisão dos modelos pedagógicos e conteúdos, preparando profissionais aptos a enfrentar dilemas éticos e práticos contemporâneos.
O ensino tradicional, focado na memorização e reprodução acrítica, precisa ser questionado. A ênfase excessiva na dogmática, embora importante, pode gerar uma visão formalista e desconectada da realidade. A formação moderna exige uma mudança de paradigma, centrada no aluno como protagonista ativo. Metodologias ativas, como estudo de casos, simulações e trabalho em grupo, desenvolvem análise crítica, argumentação, negociação e tomada de decisões. Currículos devem incorporar direitos humanos, ética, filosofia, sociologia e economia política, para uma compreensão contextualizada do direito.
A ascensão tecnológica impõe preparar juristas para lidar com questões complexas e inéditas. Inteligência artificial, blockchain e internet das coisas transformam a sociedade, gerando desafios em privacidade, proteção de dados, propriedade intelectual, responsabilidade civil e direito contratual. A formação deve incluir direito digital, análise de dados, programação e outras habilidades técnicas. É crucial uma compreensão crítica das implicações éticas e sociais das tecnologias, construindo um ambiente digital justo, seguro e inclusivo. Mais que adaptar leis, é preciso repensar os fundamentos do direito à luz da transformação digital, garantindo justiça, igualdade e liberdade.
A crise de confiança institucional e a polarização social desafiam ainda mais a formação de juristas. A erosão da legitimidade do sistema jurídico exige profissionais íntegros, éticos e comprometidos com o Estado Democrático de Direito. A polarização demanda a capacidade de diálogo, construção de pontes entre grupos e busca de soluções consensuais. Disciplinas como ética profissional, responsabilidade social e mediação de conflitos preparam para dilemas da vida profissional e para a pacificação social. É essencial desenvolver empatia, escuta ativa e respeito à diversidade, compreendendo necessidades e valores de diferentes grupos e defendendo os direitos de todos. A formação não se limita ao técnico; forma cidadãos engajados na construção de uma sociedade justa.
A formação completa transcende a informação e habilidades técnicas. Exige senso crítico, análise contextualizada, comunicação eficaz e compromisso ético com a justiça e a dignidade humana. O ensino deve abraçar a realidade social, incentivando pesquisa empírica, contato com a prática jurídica e projetos de extensão que promovam o acesso à justiça e a defesa dos direitos humanos.
A internacionalização do direito impõe novos desafios. A interdependência global e a proliferação de tratados exigem uma profunda compreensão do direito comparado, internacional e das instituições multilaterais. A atuação em um ambiente jurídico globalizado e a defesa dos interesses do país em fóruns internacionais são fundamentais. Currículos devem incluir direito internacional público e privado, direito da União Europeia e direito do comércio internacional. Intercâmbios, estágios e projetos de pesquisa com universidades estrangeiras desenvolvem uma visão intercultural do direito. A formação não se limita ao direito nacional; prepara para um mundo interconectado.
A promoção da diversidade e inclusão no ensino jurídico é crucial. A diversidade contribui para o pensamento crítico, a empatia e o diálogo. Universidades devem adotar políticas de ação afirmativa, combate ao preconceito e promoção da igualdade de oportunidades. Currículos devem abordar a diversidade e a inclusão, sensibilizando os alunos para as desigualdades e a importância da defesa dos direitos dos mais vulneráveis. A formação não se limita ao técnico; forma cidadãos engajados em uma sociedade justa e inclusiva.
A interdisciplinaridade é fundamental. O direito não é isolado, mas se relaciona com sociologia, antropologia, economia, filosofia e ciência política. A compreensão dessas relações é crucial para a atuação em um contexto complexo. Currículos devem abordar a relação entre o direito e outras áreas do conhecimento, proporcionando uma visão contextualizada. Projetos de pesquisa interdisciplinares, seminários e debates com profissionais de diferentes áreas desenvolvem uma visão integrada do direito. A formação não se limita ao direito em si; prepara para dialogar com outras áreas e compreender o mundo contemporâneo.
Por fim, a formação de juristas exige um
compromisso constante com a inovação e a experimentação. Universidades devem estar abertas a novas ideias, metodologias e tecnologias, oferecendo um ensino jurídico de qualidade e relevante. A resistência à mudança compromete a capacidade de formar profissionais aptos. A universidade deve ser um espaço de experimentação pedagógica, onde novas abordagens são testadas e avaliadas. Tecnologias digitais, como plataformas online e simuladores, tornam o aprendizado interativo e personalizado. Metodologias ativas, como design thinking, estimulam a criatividade e o empreendedorismo. Espaços de coworking e laboratórios de inovação jurídica fomentam a colaboração e o desenvolvimento de projetos inovadores.
A inovação não se limita à tecnologia. É preciso repensar os fundamentos do direito, questionar dogmas e buscar novas formas de compreensão e aplicação. A inovação exige uma postura crítica, reflexiva e aberta ao diálogo, permitindo que educadores e alunos construam juntos um novo paradigma.
Verifica-se, portanto, que a formação de juristas nos tempos modernos exige uma mudança profunda. É preciso superar a visão tradicional do direito como um conjunto de normas abstratas e adotar uma perspectiva crítica, contextualizada e engajada. É preciso valorizar o pensamento crítico, a argumentação, a criatividade, a ética e a responsabilidade social, habilidades essenciais.
A formação não pode se limitar ao técnico; forma cidadãos engajados na construção de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. É preciso formar profissionais capazes de defender o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social. A formação é uma tarefa complexa e fundamental. Exige um compromisso com a inovação e a busca por novas formas de compreender e aplicar o direito. Apenas assim será possível formar juristas capazes de enfrentar os desafios do século XXI e contribuir para um futuro mais justo e sustentável.
Para refletir: Será que as Universidades estão preparadas para um novo paradigma do ensino jurídico nos tempos modernos? Há uma efetiva mescla entre a tradição e a inovação?
* Raphael Silva Rodrigues é doutor e mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.