
Influência da cultura italiana em Juiz de Fora - créditos: Casa D'Italia
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06-02-2025 às 09h49
Wilson Cid*
Vamos a dois casos históricos e ilustrativos; nada além de dois, suficientes para mostrar o temperamento indomado e de certo modo revolucionário que aqueles primeiros imigrantes trouxeram na bagagem. Trata-se de uma curiosa capacidade de explodir, para logo depois retomar a docilidade.
O primeiro caso vem de 1913, e vai nos remeter a italianos em flagrante desacordo com os padres da Glória, que dirigiam a paróquia de São Roque. Fizeram protestos e comícios acalorados que avançavam pela Andradas, indo até a funilaria de Seu Padovani e a loja Turola. Desafiadores, culminaram por convidar a pregar em Juiz de Fora o padre Manoel Carlos Correa, fundador da Igreja Católica Brasileira, francamente hostil a Roma e seus representantes eclesiásticos. Ele não pôde vir, mas mandou em seu lugar, para pregar, um italiano ainda mais bravo e destemperado, o padre Francesco Frederico Arditi; tão desabusado, que já sairia da cidade excomungando pelo bisco Dom Silvério.
Pois bem. Arditi, também falando, ao que parece, sobre valores espirituais da etnia quando postos a serviço de Deus, procurou animar os compatriotas inflamados, e, suprema audácia, proclamou-se no Largo São Roque primeiro patriarca da Igreja Católica Brasileira.

Uma loucura, ao lado de três propostas mais que graves, como informa Rolando Azzi em seu “Sob o Báculo Episcopal”: fim do celibato dos sacerdotes, a negação da hierarquia católica e o banimento do latim nas celebrações. Naquela época, vejam só! É fácil compreender a rebordosa e as tensões. Até há alguns anos eram conhecidas testemunhas oculares. Foi assim mesmo que aconteceu.
Eram nossos imigrantes e descendentes aplaudindo tudo que Roma odiava. Mas, logo depois, o sangue esfriou nas veias dos revolucionários da véspera, passou a raiva, coisa que sua índole não sabe guardar, e lá estavam eles sujeitando-se de novo às obediências romanas.
Sossegadas as paixões, a Glória pacificada voltou ao clima daquele trágico 1895, quando italianos choravam no ombro redentorista para lamentar a morte de Dom Lasagna, bispo patrício que morreu em acidente ferroviário em Mariano Procópio. Italianamente compungidos.
Rebeldes de anteontem, nunca mais deixariam de seguir, com fervor, o catolicismo romano, rezando na língua pátria, invocando San Genaro. E San Francesco. Assis ou Paola? Os dois. Uma religiosidade de missas e comunhões dominicais, tudo primando por um profundo e severo recato, intolerante com os faltosos e com os viúvos que não podiam sair sem o plastron e o fumo preto na gola do paletó, pública mostra da dor do luto. As mulheres, se órfãs dos maridos, escondidas em vestidos pretos, fechadas em recordações lacrimogêneas, diferentemente daquela brasileiríssima Ana Flora, da Rua Direita, que Pedro Nava vestia de roxo, romântico e sonhador.
Rezava-se à Virgem Santíssima, como se lê numa efígie de 1902, que a família Scanapieco conserva até hoje: “Stendete si di me II manto dela vostra protezione, arricchitemi delle vostre grazie, e fate che io viva dela vostra vita, e muoia della vostra morte. Cosi sai”.
Wilson Cid é jornalista, ex-rádio “Itatiaia” e “Sociedade”. Em Juiz de Fora trabalhou no “Diário Mercantil” e no Diário da Tarde”; trabalhou no “Hoje em Dia” e correspondente de “O Globo”, no “Diário Regional”, “Panorama” e “JF Hoje”; participou da “TV Mariano Procópio” e do jornal “TER Notícias”