A questão é como acessar a tudo isso que nos impõe o mundo contemporâneo tão avesso à dor e ao sofrimento e não se calar, guardando para si o que se passa em sua mente
24-01-2025 às 08h32
Lisley Cristina*
O que fazer com as dores nossas de cada dia em um mundo tão exigente, inclinado à felicidade, com dicas fáceis e rápidas adquiridas em doze, sete ou três passos fáceis e mágicos que você só não dá se não quiser, no simples e rápido clique do seu indicador no seu próprio celular? Você certamente já se deparou com essas oportunidades, tentações, conselhos ou sugestões de profissionais e pessoas “bem sucedidas” e “bem intencionadas” acrescidas de: “abrace suas vulnerabilidades, reconheça e nomeie seus sentimentos, valide suas emoções!” A questão é como acessar a tudo isso que nos impõe o mundo contemporâneo tão avesso à dor e ao sofrimento e não se calar, guardando para si o que se passa em sua mente? Ela não suporta todo o imaginário sem convocar o corpo, afinal, somos um. Você pode não perceber ou se fazer de desentendido, mas você mesmo se avisa! O que está doído, pesado, encrustado, impensável, inadmissível, manifesta-se na pele, poros, órgãos, ossos, cabelos, unhas e articulações. É todo um organismo se reorganizando para lidar com o que parece insustentável – as dores sofridas e armazenadas de forma cumulativa que acabam por se tornarem transtornos, vícios, acidentes, doenças, crônicas, autoimunes ou das mais variadas espécies. Não quer dizer que toda doença tem sua origem aí! A vida é contingente, então, muito cuidado com interpretações selvagens de folhetins virtuais! Estar atento ao que nos acomete também exige discernimento. A genética se impõe muitas vezes, além das intempéries do curso da vida. Curso da vida, aliás, é uma boa expressão para do que dela se trata. Aprender! Aprender o que é singular! Aprender durante todo o seu curso, com importantes e cruciais aulas experimentais, como atrever-se. É certo que necessita atenção e também cognição emocional para ligar fatos e dados, simbolizando o que dantes na imaginação se encontrava. Não é tarefa fácil! Necessita veementemente de se implicar no que importuna. E, avançando no curso da vida, com atenção e implicação, haverá chance de desprover- se de uma provável armadura e diversos arsenais que falsamente protegem. Muito embora, para isso, talvez seja necessário um aliado. Um aliado que já lutou batalhas para atravessar seus desertos, e é capaz de identificar sede, fome, sono e sonhos únicos. Talvez seja mesmo um especialista em pesadelos – aquilo que nos atormenta dormindo e ao acordarmos, não conseguimos nomear com exatidão, a avalanche de sentimentos e emoções perturba dores. É que o aliado escuta e valida a narrativa, o discurso, o repertório e recursos – linguísticos, inclusive – e ele sabe que a linha de chegada não é uma questão de glória ou heroísmo, muito menos para competidores, já que não há disputa ou vence dores. A linha de chegada é para sofre dores incomodados com a trajetória e o aliado sabe que o próximo trajeto pode ser longo ainda, e mais difícil, porém, compensa dor. Ele sabe também, que ao final dessa travessia há, no mínimo, a transformação da dor dilacerante em um certo sofrimento pacífico com uma dose de isenção de culpas, ressentimentos problemas, conferindo ao discurso emotivo e original um certo teor poético.
*Lisley Cristina é Psicanalista, Psicóloga com Especialização em Psicologia Hospitalar, Pós-Graduação Gestão Estratégica em Marketing e Psicopedagogia Clínica.