O advogado José de Oliveira Fagundes se dispôs a defender sozinho e o fez, com inteligência, competência e combatividade, a vida e ações dos acusados da conjuração.
Em 19 de agosto deste 2024, o Instituto dos Advogados de Minas Gerais tomou uma decisão valiosa e indispensável, com relação a uma das personalidades esquecidas da história brasileira. Criou a Medalha do Mérito José de Oliveira Fagundes, o advogado dos Inconfidentes, portanto também, de Tiradentes.
Após cinco anos de pesquisas em arquivos portugueses e brasileiros, o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, promotor de Justiça, grande estudioso de fatos e vultos notáveis da nação, reconstituiu a biografia de José de Oliveira Fagundes, o único advogado a defender essa causa magna de nosso passado.
Segundo Marcos Paulo, Oliveira Fagundes, com escritório na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, se dispôs, no final do século XVIII, a defender sozinho e o fez, com inteligência, competência e combatividade, a vida e ações dos acusados da conjuração. Assim, prestou-se justo reconhecimento ao dr. José de Oliveira Fagundes, um honrado advogado cuja biografia está vinculada a uma das mais importantes páginas da história do país, a “Inconfidência Mineira”, no dizer de Marcos Paulo.
Anteriormente, houve a publicação de “Pela Liberdade ainda que tardia”, em 2017, em Belém do Pará, de autoria de Agildo Monteiro Cavalcante, advogado, escritor, pesquisador, residente na capital do grande estado do Norte. Ele estudou o tema “vencendo todo tipo de obstáculos e dificuldades”, segundo o jurista paraense Zeno Veloso.
UNIÃO DE FORÇAS
Enquanto se articulava a rebelião no extenso território de Minas, estudantes brasileiros na Europa uniam esforços para propagar a ideia de emancipação nacional, com importantes conversas que se faziam, contando com a colaboração de norte-americanos. Esforços se multiplicavam, pois, visando ao projeto de interesse dos nascidos ou estabelecidos no Brasil.
Mas o ouro chegado a Portugal diminuía: Contrabando? A produção declinava?
Quem estaria tirando proveito e lucros com a manobra? Era preciso apurar. D. Maria, a rainha Louca, queria rigor, para o que nomeou o Visconde de Barbacena para governador e capitão-geral das Minas Gerais, a 11 de agosto de 1786, já formado em Direito em Coimbra em 1778. Ele teria de estabelecer-se em Ouro Preto.
Em verdade, pretendia-se não somente eximir-se de enviar tanto ouro para Portugal. Seria, sim, a ocasião para libertar o Brasil do domínio lusitano. Tanto ouro já fora levado para a metrópole, que até hoje se procura conhecer o volume exato do quanto fora remetido a Lisboa, segundo o advogado Agildo Monteiro Cavalcante.
O levante pretendido tampouco se restringia a Minas, mas também a outras áreas da colônia, como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará e Mato Grosso, por exemplo. De outras regiões iam arrobas do precioso metal, para sustentação da máquina administrativa, o luxo e a luxúria da metrópole.
Esclarece a escritora Stael Gontijo que os mineiros tinham de contribuir periodicamente com envio da carga preciosa para Portugal. “Como o metal era facilmente escondido graças ao seu alto valor em pequenos volumes, criou-se a finta – um pagamento anual fixo de 30 arrobas, cerca de 450 quilos de ouro, que era o quinto e deveria necessariamente atingir, sob pena de decretação da derrama: Isto é, o confisco de bens do devedor para que a soma de 1.500 quilos fosse completada.
Cada vez que se decretava uma derrama, a Capitania entrava em “polvorosa”.
O vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza morava no Rio de Janeiro, sede da Comarca, e, por sinal, era tio do governador de Minas, o Visconde de Barbacena, que decretara uma primeira devassa, por Portaria de 7 de maio de 1789, para esclarecer quem lutava pelo movimento rebelde. O Visconde não desejava estar em segundo plano e abriu uma segunda devassa, em 12 de junho, para opor-se ao “temerário e abominável, projeto contra a Majestade e legítima Soberania da Rainha Nossa Senhora, que Deus, guarde”.
Finalizadas as denúncias, surgiram duas devassas. Produziu-se, assim, o conflito de jurisdição, aberração jurídica. Lisboa despachou para o Brasil um Tribunal de Alçada, avocando todo o procedimento judicial. Denominou-se Autos Crimes, com subtítulo de “Juízo da Comissão Contra os Réus da Conjuração de Minas Gerais”, já com o Brasil sob outro vice-rei, o Conde de Rezende, tendo o Chanceler da Alçada recebido todos os autos em seu poder.
SÓ TRINTA MINUTOS
Os conjurados foram presos e transferidos para a Fortaleza de São José da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, trancafiados em péssimas condições de salubridade e alimentação, durante três anos.
Espoliados de todos os bens e sem ninguém para defendê-los, a Santa Casa do Rio de Janeiro contratou o advogado José de Oliveira Fagundes, com honorários de 200 mil reis, importância paga somente um ano após a execução de Tiradentes, o único condenado à morte e esquartejado. A sentença foi dada em Lisboa por D. Maria, a Louca, que tinha obsessão em ver Tiradentes na forca. Era uma importância pouco significativa, considerando os altos preços de tudo em Ouro Preto Se o advogado de Tiradentes tivesse hábito de alimentar-se convenientemente só poderia comprar – com os honorários recebidos – cinquenta galinhas ou um boi e um pouco mais da metade de uma seguida rês.
Quem se der ao cuidado de ler o próximo livro do brilhante advogado Marcos Paulo só tem a ganhar, pois encontrará em José de Oliveira Fagundes um protótipo de profissional de escol, com diploma conquistado em Coimbra, que pôs a vida em risco na defesa dos inconfidentes.
Negados os primeiros embargos condenatórios de Joaquim José e demais conjurados, o advogado Oliveira Fagundes fez uma última tentativa em segundos de tempo. O chanceler imediatamente lavrou o seguinte despacho: “Dê-se-lhe meia hora. Rio, 29 de abril e 1792”.
Comentou-se: a um advogado foram dados 30 minutos para fazer um apelo pela conversão de vidas humanas, o dr. Oliveira Fagundes elaborara o recurso na própria sala da cadeia. As sentenças de morte foram comutadas em degredo perpétuo, apenas um morreria na forca, para exemplo. No dia seguinte, Tiradentes, impávido e com olhos voltados para a multidão, desfilou pelas ruas da cidade rumo à forca, armada no Campo de São Domingos.
Beijou ainda o crucifixo da Irmandade da Misericórdia, conduzido pelo Frei Raimundo Penaporte.
*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional dos Escritores.