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“Vale da Esperança”, até quando?

“Vale da Esperança”, até quando?

Hoje, o Vale do Jequitinhonha se tornou a “bola da vez” para a mineração, extração e beneficiamento do lítio. A corrida por esse mineral em toda região tem causado um frenesi, mas é bom relembrar o que aconteceu no passado, quando o rio Jequitinhonha quase secou. Assista vídeo abaixo

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25-08-2024 às 10h:40

Soelson Barbosa*

 Há décadas, as pessoas falam sobre as riquezas do Vale do Jequitinhonha, assim como os políticos candidatos a algum cargo eletivo afirmam em seus discursos eloquentes que “lá é mesmo o Vale da Esperança”.

Apesar da pobreza gritante há 50 anos, ouvi dos nossos artistas e poetas nascidos em meio a essa dura realidade, os versos e prosas desse sonho em forma de lamento, apesar de tão remoto como na canção Jequitivale do cantor e compositor Mark Gladston Verono de saudosa memoria: “Vale que vale viver” 

Como tantos outros jovens adolescentes, aos 15 anos de idade, 1975, sentindo a escassez de quase tudo em minha cidade e no Vale do Jequitinhonha, deixei tudo para trás, família, escola e tudo que poderia traduzir-se como possível futuro naquela terra, tamanha minha desesperança. Foi assim que tive que fazer também dentre tantos outros de minha geração.

Posso dizer, sem nenhuma dúvida, que, quando peguei uma carona num caminhão de carvão de Turmalina, direto para uma siderúrgica na cidade de Sete Lagoas, que não me lembro o nome, e depois para a Rua Guaicurus, no centro de Belo Horizonte, região onde existiam os grandes depósitos de gêneros alimentícios que abastecia todo interior de Minas Gerais, tinha um pensamento fixo de trabalhar, estudar e vencer. Anos depois fui saber que este tipo de determinação na cultura indiana se chama “Mantra” e que pode ter uma finalidade mágica ou o estabelecimento de um estado contemplativo para simbolizar ou evocar uma filosofia mística ("dársana").

Depois de quatro décadas, ocorreram mudanças socioeconômicas importantes no Vale do Jequitinhonha e o título de “Vale da Miséria” foi deixado de lado. Passou a ser possível viajar por estradas asfaltadas, ter água e esgoto tratado para uma boa parte da população, ensino superior em diversas cidades e até uma universidade pública dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, UFVJM, em Diamantina, além do que, aumentaram as perspectivas de emprego para os jovens da região e a expectativa de uma melhor qualidade de vida para o povo.

Hoje, o Vale do Jequitinhonha se tornou a “bola da vez” para a mineração, extração e beneficiamento do lítio. A corrida por esse mineral em toda região tem causado um frenesi por parte dos empresários desse segmento da economia mineira, patrocinado pelo governo Zema, que parecia não estar tão preocupado com os impactos ambientais e sociais para a população do Vale, quando lançou na bolsa de valores de New York o “Vale do Lítio”.

É bem possível que o governo de Minas não tivesse a informação de que para beneficiar uma tonelada de lítio é necessário consumir 40 mil litros de água, (e serão muitos milhões de toneladas extraídas ao longo de pelo menos 50 anos) e nem todas as mineradoras têm 500 milhões de reais para investir em um sistema moderno de beneficiamento final deste mineral, como fez a mineradora Sigma Líthium, como disse-me a CEO da empresa, Ana Cabral há dois anos.

Tudo indica que somente até o final desta década o Vale do Jequitinhonha receberá mais novos investimentos de cerca de R$ 15 bilhões, isso apenas para extração de espodumênio de onde se extrai o lítio.

As cidades do Vale do Jequitinhonha, em sua maioria, todos os anos atravessam uma crise hídrica prolongada, cada uma pior que a do ano anterior, que perdura por seis meses ou mais, exaurindo as suas principais bacias hidrográficas em até 90%, sendo elas responsáveis por nutrir o Rio Jequitinhonha.

Sabe-se que, entre o Alto Jequitinhonha (polo Diamantina), Médio Jequitinhonha (polo Araçuaí) e Baixo Jequitinhonha (polo Almenara), secaram centenas de mananciais hídricos, desde os pequenos riachos, córregos, ribeirões e até rios.

Imagina! Esses 10% que sobram é para o consumo humano, de animais e pequenos produtores da agricultura familiar.

Devido a monocultura do eucalipto, que, apesar de importante para a economia, já foi comprovado por estudos diversos o seu poder de contaminar o solo, o lençol freático e também de  secar os principais afluentes dos rios, além de contribuir para aumentar a incidência de câncer na população devido aos agrotóxicos utilizados em seus maciços.

Entristece-nos o fato de nenhuma autoridade até hoje ter se interessado em debater o assunto, não obstante os alertas estarem sendo feitos insistentemente pelo Diário de Minas.

Em razão da triste realidade, é urgente que os políticos da região e aqueles com representatividade no Vale do Jequitinhonha assumam uma postura de vanguarda para garantir que a água para o consumo humano tem que estar garantida em primeiro lugar, e que as empresas produtoras de eucalipto patrocinem um projeto de larga escala para recuperar as nascentes que secaram, porque sem elas, os rios principais do Vale desaparecerão muito antes que se imagina.

O governador Zema precisa entender que o povo do Vale do Jequitinhonha é o ator mais importante no processo de desenvolvimento socioeconômico da região, porque nossas riquezas naturais já estavam lá há séculos. E estas riquezas precisam ser voltadas para o nosso povo, esse mesmo povo que não quer mais ser herdeiro do caos socioambiental de empresas bilionárias, que enriquecem mais outros países e regiões, como ocorreu no passado com a extração de diamantes.

Os moradores do Vale desejam, ardorosamente, que o legado do advento de maior produtor de lítio do Brasil para fabricação de diversos produtos, principalmente baterias para atender as demandas da indústria automobilística, justifique a instalação de indústrias na própria região.

*Soelson Araújo é empresário, político, escritor e diretor presidente do jornal Diário de Minas.

 

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