01-12-2024 às 13h13
Marcelo Galuppo
Estamos de volta às Saturnais, momento do ano em que se estreitam laços de amizade, aparam-se diferenças sociais, trocam-se presentes e deseja-se felicidade a amigos e inimigos. É assim que me sinto no início de novembro, quando começo a ouvir os doces sons do Natal. E, como muitos, tenho a impressão de que os ouço mais precocemente a cada ano. As Saturnais, misto de festival religioso, reunião familiar e orgia desenfreada, eram celebradas em Roma por volta do dia 17 de dezembro, em homenagem a Saturno, e também Sêneca reclamava que lhe parecia que a festa era antecipada a cada ano (“Dezembro já foi um mês, agora é o ano inteiro”). Já em sua época, parecia que ninguém mais se lembrava do deus durante as festas.
Muito do sentido cristão do Natal também se perdeu. Não creio que ele tenha nada de soturno (apesar de, em minha casa, a Árvore de Natal ser decorada com um cravo – o prego, não a especiaria -, para nos lembrar de que se trata apenas do início de uma história que, afinal de contas, termina numa cruz), mas nada de solene lhe restou: virou uma festa comercial.
Liturgicamente, o período do Natal vai do entardecer do dia 24 de dezembro até o entardecer do dia 05 de janeiro, que precede a Epifania, o Dia de Reis (daí os Doze Dias do Natal, da canção vitoriana e da peça de Shakespeare, Twelfth Night – traduzida entre nós como Noite de Reis). O período anterior é o Advento. Os calendários de advento (que escondem, sob cada dia, um pequeno chocolate) indicam que ele dura 24 dias, mas, na verdade, ele começa quatro domingos antes do Natal (coincidentemente, cai no primeiro dia de dezembro em 2024).
Antigamente, era comum que o dia 24 fosse dedicado à reflexão e ao jejum, que só era quebrado depois da Missa do Galo, em farta ceia familiar. Protestantes históricos, menos afeitos ao jejum, costumavam realizar essa refeição em família na manhã do dia 25, com exceção dos Puritanos, que afirmavam que “There is only one holy day” (um jogo de palavras: “só há um dia sagrado” – o domingo – um trocadilho com Holiday – feriado), e por isso não celebravam o Natal. Estou deixando de lado os Ortodoxos, que não adotam o Calendário Gregoriano (instituído em 1582, depois do Cisma do Oriente), mas o Juliano, celebrando o Natal dia 07 de janeiro.
Questão controversa é quando decorar as casas para o Natal. Ouvi de alunos que seria logo após o dia de Finados (mas creio que não haja base religiosa para isso, só o desejo de antecipar a ostentação e o consumo desenfreados). Antigamente, o Advento era quando Católicos e Protestantes decoravam suas casas. Entre Luteranos, a Árvore de Natal era montada apenas ao entardecer do dia 24. Uma história diz que Lutero, voltando de um culto na noite do dia 24, viu a luz de estrelas brilhando através dos galhos de um pinheiro, cortou-o e levou-o para dentro de casa, enfeitando-o com velas (não sei se é verdade: muito antes do Cristianismo, ramos de coníferas – evergreen – eram trazidos pelos bárbaros para seus lares para tentar preservar a vida das plantas durante o inverno). Herdamos dos Luteranos essa Árvore, graças ao príncipe alemão Albert, casado com a rainha Vitória. Em 1848, a revista Illustrated London News publicou uma gravura da família real reunida em torno de uma Árvore decorada, sendo rapidamente imitada por todos na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Para desmontar a decoração, a tradição indica o dia de Epifania ou a festa da Candelária (dia 02 de fevereiro, 40 dias após o Natal, data litúrgica da apresentação do menino Jesus no Templo de Jerusalém). Hoje, não se sabe mais em que dia devemos decorar nossas casas, muito menos quando desmontar a decoração (parece ser quando o tédio se instala, depois dos excessos das festas). Eu me inclino para o Advento e a Epifania como marcos inicial e final, e desconfio que meus vizinhos me achem muito estranho por decorar minha casa quase um mês depois deles.
Somente uma coisa é certa: Jesus não nasceu dia 25. Ele não nasceu sequer em dezembro (o Evangelho de São Lucas diz que os pastores estavam no campo, com suas ovelhas, o que não ocorria durante o inverno). Foi na época de Constantino que a Igreja mudou a data para dezembro, na tentativa de fazer o povo se esquecer das superstições das Saturnais e de sua euforia comercial. Aparentemente, não foi bem sucedida.
Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, pela Editora Citadel, dentre outros. Ele escreve aos domingos no Diário de Minas.