Dom Pedro II - créditos: divulgação
16-11-2025 às 10h25
Priscila da Costa Pinheiro Boscato*
A morte do “velho monarca”
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga tornou-se o segundo imperador do Brasil com apenas cinco anos de idade, após a abdicação do trono brasileiro por seu pai, d. Pedro I, ocorrida em 1831. Com a antecipação de sua maioridade, d. Pedro II governou o país de 1840 até 15 de novembro de 1889, quando a república foi instaurada no Brasil e a família imperial exilada na Europa.
Lá, o imperador destituído se identificava como d. Pedro de Alcântara. Sua nova rotina envolvia leitura e escrita, visita a instituições diversas – como academias, museus e bibliotecas, encontros com amigos e intelectuais. Banido do território brasileiro, faleceu no Hotel Bedford, em Paris, na madrugada do dia 05 de dezembro de 1891, em decorrência de uma pneumonia aguda no pulmão esquerdo.
A ata que atesta o recebimento dos sacramentos da Igreja e o óbito do segundo imperador do Brasil foi lavrada pelo conde d’Aljezur, gentil-homem da Imperial Câmara, e assinada por membros da família imperial e por brasileiros que acompanharam o ex-soberano no exílio. Nela encontramos as assinaturas da princesa Isabel e do seu marido, Gastão de Orléans, de d. Pedro Augusto, neto mais velho de Pedro II, e de personalidades próximas à família imperial: visconde de Cavalcanti, visconde da Penha, José da Silva Costa, barão de Penedo, barão de Muritiba, barão de Estrela, barão de Albuquerque, barão de São Joaquim, Sebastião Guimarães, Eduardo da Silva Prado, Alfredo Augusto da Rocha, Calógeras e conde da Mota Maia, médico da Casa Imperial.

Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio. Reprodução: Gil Velloso.
A morte do ex-imperador teve grande repercussão no Brasil e no mundo: milhares de telegramas e centenas de coroas de flores foram enviados ao hotel. A imprensa estrangeira publicou artigos elogiosos à sua figura. No Brasil, apesar do silêncio do regime republicano, casas comerciais fecharam as portas, sinos anunciaram seu passamento, tarjas pretas se fizeram presentes nas roupas, bandeiras foram hasteadas a meio pau, missas realizadas e necrológios publicados. Os funerais, que aconteceram em Paris e Lisboa, após o embalsamento do corpo, foram minuciosamente acompanhados pela imprensa nacional.
Os funerais do imperador destituído
O Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio possui alguns exemplares do convite para as exéquias de d. Pedro que aconteceram na igreja de Madeleine, em Paris, no dia 09 de dezembro de 1891. O convite, escrito em francês, possui as armas imperiais e uma margem preta, em referência ao luto. Impresso pela “Maison Henri de Borniol”, casa funerária ativa ainda hoje, apresenta d. Pedro como “Sua Majestade O Imperador do Brasil” – não obstante a extinção do império brasileiro em 1889, após a proclamação da república no país. No canto inferior esquerdo, consta a informação por onde os convidados deveriam entrar para tomar seus lugares. No canto inferior direito, o nome de quem convidava, conde de Aljezur, camareiro da Corte Imperial.

Carlos Mendonça
A distribuição dos convites obedeceu a um rigoroso protocolo, que levou em consideração o status do convidado. Conhecidos em diferentes cores, as quais indicavam o lugar do indivíduo na igreja, estes foram enviados às personalidades arroladas pelo Serviço de Protocolo do governo francês em acordo com a princesa Isabel. Tais convites são raros, pois poucos exemplares foram conservados.


Reprodução: Carlos Mendonça.
A cerimônia fúnebre mobilizou grande parte da realeza europeia e representantes de diversas nações. Além disso, contou com a presença de intelectuais e acadêmicos. A França, símbolo da república, homenageou o ex-imperador americano concedendo-lhe um funeral pomposo – digno, inclusive, de um chefe de Estado: como titular da Grã-Cruz da Legião de Honra, a mais alta condecoração da ordem francesa, d. Pedro recebeu tratamento e honras militares.
As exéquias em Paris foram acompanhadas por uma multidão que ocupou a “Place de la Madeleine”, bem como as ruas e avenidas adjacentes, apesar da chuva e do vento frio. Dali partiu grande cortejo que, ao som da “Marcha Fúnebre” de Chopin, acompanhou o féretro até a estação de Austerlitz. Os restos mortais seguiram de trem até Portugal.
O bilhete para o trem fúnebre, também impresso pela “Maison Henri de Borniol”, segue o padrão do convite para as exéquias: encimadopelas armas imperiais e tarjado de luto, refere-se ao monarca destituído como “Sua Majestade O Imperador do Brasil Dom Pedro II”.

O monarca exilado foi vestido, velado e enterrado como imperador brasileiro. Adornado com os símbolos pátrios – as insígnias da Ordem da Rosa e da Ordem do Cruzeiro do Sul, duas bandeiras brasileiras e um pacote com terra do Brasil –, foi consagrado na morte. Suas falhas foram esquecidas; suas qualidades, exaltadas. Nessa ocasião, segundo Lilia Schwarcz, “morre o homem e nasce o mito”.
A conciliação da República com o passado monárquico
Os despojos mortais dos ex-imperadores d. Pedro II e d. Teresa Cristina permaneceram no jazigo da família Bragança, em Portugal, até 1921, quando foram transladados para o Brasil, no contexto das comemorações do centenário da independência, que ocorreria no ano seguinte. Esse momento foi caracterizado pela criação de um novo “panteão de heróis”, composto por monarquistas e republicanos. Sob tais circunstâncias, o herói popular d. Pedro II se transfigura num herói nacional. A imagem de um monarca enfraquecido, difundida nos últimos anos do império, foi deixada de lado. Em seu lugar, surge a imagem de um grande brasileiro, que muito contribuiu com o país.
Em 1939, com a presença do presidente Getúlio Vargas, os restos mortais dos antigos monarcas brasileiros foram transferidos para o mausoléu da Catedral São Pedro de Alcântara, localizada em Petrópolis. Esse evento, que representou o desfecho de um processo de conciliação entre o passado monárquico e a república brasileira, também é narrado pelo acervo documental do Museu Mariano Procópio.
Durante uma visita à instituição, ocorrida em 20 de dezembro de 1939, d. Pedro de Orléans e Bragança, neto de Pedro II, ofereceu a Alfredo Lage, fundador do museu, um cartão produzido para a inauguração do mausoléu imperial. Nele consta um trecho do soneto “Terra do Brasil”. Os versos ali impressos foram escritos por seu avô que, no exílio, registrara:
Qual infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
Ó doce Pátria sonharei contigo!
E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!

Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio. Reprodução: Gil Velloso
O Museu Mariano Procópio e a memória imperial
Membro de uma família da elite oitocentista que mantinha estreitas relações com a família imperial, mesmo depois da instauração do regime republicano, Alfredo Ferreira Lage selecionou e adquiriu, através de compras em leilões e do recebimento de doações, um número significativo de objetos relativos ao período imperial.
Informações sobre essas práticas podem ser extraídas da documentação institucional. Em janeiro de 1929, a baronesa de Muritiba registra em um cartão enviado a Alfredo: “Revendo papéis antigos encontrei estas lembranças que certamente lhe farão prazer para o seu museu, pois bem sei o grande apreço que lhe merece tudo quanto se refere aos nossos saudosos imperantes”. Em resposta, Alfredo escreve: “Devolvido a Juiz de Fora acabo de receber o muito apreciado cartão de V. Exa. acompanhando preciosos documentos relativos aos funerais dos nossos magnânimos Imperador e Princesa Redentora. Essas preciosidades que grandemente aprecio serão em nosso museu guardados com especial carinho […]”.
Não é possível saber, com exatidão, a quais documentos o fundador do museu se refere – tendo em vista a existência de outros itens documentais relacionados aos funerais de Pedro II no Arquivo Histórico do museu. Todavia, o fato é que ao longo de sua trajetória, Alfredo Lage atuou como um “guardião” das memórias da monarquia brasileira e foi reconhecido como tal por seus “pares”.
Foi essa atuação, fundamentada em um projeto de memória familiar e monárquica, que deu origem à coleção de objetos do império brasileiro no Museu Mariano Procópio: coleção bastante significativa, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Decorre daí, também, a reunião dos mais diversificados itens que contemplam as diferentes etapas da vida de d. Pedro II – da infância ao exílio.
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Os documentos referentes ao falecimento do segundo imperador brasileiro, pertencentes ao Museu Mariano Procópio, proporcionam reflexões sobre a história do Brasil no final do século XIX e início do XX. Oportunizam, ainda, reflexões sobre a memória imperial difundida pelo museu no decorrer de sua trajetória centenária. Ademais, a investigação de quando e como esses itens documentais chegaram à instituição, dos usos que deles foram feitos e das funções que assumiram nas narrativas veiculadas pelo museu contribuem, dentre outros, para a compreensão da própria memória institucional, tão necessária ao pleno cumprimento das funções sociais de uma instituição museal.
Saiba mais!
BESOUCHET, Lídia. Pedro II e o século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FAGUNDES, Luciana Pessanha. Nos funerais de D. Pedro II: batalhas e incertezas na escrita da memória e da história da monarquia. In: Anais do XIV Encontro Regional da Anpuh-Rio, jul. 2010.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
* Priscila da Costa Pinheiro Boscato é graduada e mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Cultura e História dos Povos Indígenas pela mesma universidade. É professora de História da Secretaria de Educação de Juiz de Fora e atua como historiadora na Fundação Museu Mariano Procópio, dedicando-se ao processamento técnico dos acervos bibliográfico e documental, bem como à preservação, pesquisa histórica e difusão cultural do acervo da instituição.

