
22-02-2025 às 08h28
Brunello Stancioli (*)
“Espera Marido” era um termo usado sobretudo no Brasil do século XIX e início do século XX para se referir a mulheres jovens que estudavam em Escolas Normais para se tornarem professoras primárias.
O termo “espera marido” escancarava que o principal objetivo dessas mulheres era se casar, e sua educação mero pretexto para esse fim.
Algumas Escolas Normais eram instituições educacionais até boazinhas que treinavam mulheres para a profissão docente. As normalistas eram geralmente mulheres da classe média e alta (ou wannabe, com o perdão do anacronismo do termo) e eram tidas como dotadas de potencial para ser boas professoras. As escolas normais tinham horários rígidos e exigentes, e as normalistas eram esperadas para serem disciplinadas, docilizadas e bem-comportadas.
Eram sobretudo baby boomers, e ressalto aqui as nascidas na década de 1940 e que se tornaram normalistas em 1950 e 1960, mais ou menos.
Em Belo Horizonte, o curso funcionava no Instituto de Educação; prédio belíssimo e tombado.
Curiosamente, em 1948, o mesmo prédio passou a albergar o curso de letras, da futura FAFICH na UFMG
Apesar da pequena diferença de idade, poder-se-ia dizer que o conteúdo do curso, seus objetivos e sua profundidade não eram lá muito parecidos com o curso Normal. Houve uma delegação de franceses para a primeira turma de Letras, cuja estudante mais famosa foi Ângela Váz Leão. A leitura? Saussure. Estava meio longe de ser normalista. Afinal, a Escola era passatempo bonitinho até que houvesse o evento sério: casar-se com algum mancebo endinheirado ou promissor. Uma espécie de Socila acadêmica (?) onde se lia “A moreninha” e a “Pata da Gazela”.
Esse curso normal, o mais afamado espera marido tinha também seus alvos: bacharéis, engenheiros… mas o médico que jogava peteca no PIC era o padrão ouro de marido. Aliás, o Pampulha Iate clube, hoje, é a decadência por antonomásia desse tipo de microcosmo jurássico. Mas há quem viva dele até hoje.
O mais comum era a senhorita ficar na casa dos pais, sob vigilância constante do Machão Inseguro (pai ou avô) e depois era transferida em cartório e na Igreja para novo guardião.
Um machismo patológico em que o pai proibia as filhas de fazerem faculdade. A ética de Taliban era muito incentivada. Mulher que fazia faculdade era puta.
Novamente, reforço meu ponto de vista. Os gestos privados, na maioria deles aparentemente simplórios, reduzem os machões inseguros ao vexame.
Bom, primeiro que pai nenhum deve meter a fuça nisso sem ser chamado. Segundo que, felizmente, temos Malala.
Por sorte tivemos também Leila Diniz. Uma foto grávida na praia, uma revolução no Brasil. Que mulher. Que revolução nos costumes por um único ato. Que genialidade.
…algo me diz que, apesar de tudo, o “espera marido” ainda não acabou. Só está bem escondidinho assistindo a jogos de peteca.
(*) Brunello Stancioli é professor na Faculdade de Direito da UFMG