O território foi berço dos fenícios, cuja cultura floresceu por mais de dois mil anos. A partir de 2700 a.C, foi invadido por muitos povos, até Alexandre, o Grande, conquistá-lo
Manoel Hygino dos Santos*
O Líbano, mais uma vez, em tragédia, quando ingressou em nova guerra, prenunciada desde o ataque do Hamas, na Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023. A atitude do grupo terrorista apanhou de surpresa o vizinho Israel numa noite de festa e alegria. Desde aquele outubro, milhares de pessoas morreram no Líbano.
O território libanês tem 10.400 km quarados, e sua população é de 4,3 milhões de habitantes, dos quais apenas 80% de árabes libaneses; os demais são árabes, sírios, árabes palestinos, curdos e armênios. A língua oficial é o árabe e a religião predominante o islamismo (58%), com o cristianismo em seguida com 35%, compreendendo católicos com 27% e ortodoxos 2,8%.
O território foi berço dos fenícios, cuja cultura floresceu por mais de dois mil anos. A partir de 2700 a.C, foi invadido por muitos povos, até Alexandre, o Grande, conquistá-lo, fixando-se o domínio helênico até 63 a.C. Em 395, passa a fazer parte do Império Bizantino, para viver um período em que os árabes muçulmanos dominaram e até se tornarem província romana. Com apoio da parcela cristã maronita da população, os cruzados tomam o país no fim do século XI. As lutas pela posse e domínio não cessam. Após a derrota dos turcos na I Grande Guerra, o território correspondente à Síria e Líbano e atuais ficaram sob mandato francês. Em 1926, torna-se uma república parlamentarista patrocinada pela França.
Em 1941, a França concede independência ao Líbano, que a Síria considerava ainda fazer parte da “Grande Síria”. Nos anos seguintes, recebe 70 mil refugiados palestinos, na criação do estado de Israel (1948/1949).
A Guerra fria EUA/URSS se reflete na vida nacional. Os conflitos nunca terminam e afetam o Líbano. Em junho de 1982, com apoio de milícias cristãs, Israel invade o Líbano.
A BÉLICA HEEZBOLLAH
Em 1985, tropas israelenses se retiram para o Sul, estreita faixa de fronteira. A luta continua, contudo, há uma troca de embaixadores de Síria e Líbano. Em maio de 2008, a rede privada de comunicações do Hezbollah ganha força e assume posição bélica. O Hezbollah, que significa “Partido de Deus”, em árabe, é um grupo fundamentalista islâmico libanês do ramo xiita, vinculado à Síria e ao Islã, criado em 1982, com base no sul do Líbano e enraizado na população local.
No entanto, tornou-se o grupo uma poderosa organização militar, como demonstrado nos combates contra Israel desse 2006, semelhante ao movimento sunita palestino Hamas, com o qual admite vínculos estreitos.
2024 passa de sua metade: O Hezbollah lança salvas de foguetes contra cidades ao norte de Israel.
Após um mês de campanha agressiva de Israel, o movimento do Líbano afirma que apenas um cessar-fogo pode solucionar a questão no Oriente Médio. Enquanto isso, o Irã dispara também foguetes contra cidades no norte de Israel. 700 mil libaneses deixam suas casas para fugir aos horrores dos ataques de Israel. Quase 1.500 pessoas morreram na ofensiva israelense desde 23 de setembro. Países da União Europeia pedem que se detenha a escalada da conflagração regional. Doze mil brasileiros ainda esperavam sua vez de vir para o Brasil.
Em meados de outubro, Israel anunciou a morte do líder do Hamas em Gaza, Yahia Sinwar, durante operação militar na Faixa, ele que foi arquiteto do ataque-surpresa de 7 de outubro de 2023. Com a morte do líder, o Hamas perdeu seu principal dirigente político, chefe militar e político. Difícil a situação do Hamas em Gaza, pois o grupo sem condições de fazer um acordo de paz, tem de lutar até o último homem ou se render.
O FIM DA GUERRA?
No final do décimo mês deste 2024, o Hamas declarou recusou-se a libertar os reféns israelenses em Gaza até terminar a guerra. A morte do líder Sinwar, na faixa, embora representasse um duro golpe para o grupo, não causou nenhum sinal de rendição do movimento do estado judeu. A Turquia, a sua vez, manifestou ao Hamas condolências pela morte de Sinwar.
Os horizontes seguiram sombrios. As Forças de Defesa de Israel enviaram mais uma brigada de reservistas para lutar no Sul do Líbano contra o Hezbollah, onde já se encontravam quatro divisões do Exército, fora Força Aérea. Dos 465 mil reservistas israelenses na virada do ano,300 mil já foram convocados para o conflito desde 7 se outubro.
Assim é o Líbano, com seus naturais espalhados por muitos cantos do mundo e cuja cultura floresceu a partir de 2.000 a.C. Ligação do Oriente com o Ocidente, continua sob fogo cruzado sem perspectiva de paz em curto prazo. Neste primeiro quarto do ano 2000 de nossa era, transformou-se numa extensa ruína, sob efeito de armas poderosas que cruzam seus céus ou fazem desabar belos edifícios e destroem praças públicas em bombardeios incessantes.
E O BRASIL COMO FICA?
E o conflito não termina. Os grupos em lide não têm disposição de parar. O Líbano continua se estiolando na segunda metade de 2024. Israel intensificou seus ataques contra o país, em resposta ao lançamento de foguetes do Hezbollah, que, por sua vez, atacava o estado judeu em solidariedade aos palestinos em Gaza. Em resumo, a ofensiva deixou mais de dois mil mortos e 1,2 milhão de deslocados no Líbano. No Norte de Israel, 60 mil pessoas tiveram de sair de suas casas. Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel, declara: “Livrem seu país do Hezbollah para que esta guerra termine”.
A Força Interina das Nações Unidas no Líbano, Unifil – na sigla em inglês – também é objeto de ataques israelenses. A Unifil está posicionada entre o Rio Litani e a fronteira libanesa- israelense. Na ONU, muitos países condenaram Israel.
Cerca de 30 mil brasileiros moram em Beirute. Porta de entrada dos ocidentais, a capital se encontra em fase de aniquilamento. Aviões da FAB buscam brasileiros de volta ao Brasil. Vencendo dificuldades naturais em condições severamente adversas, mais de mil já regressaram.
Os esforços diplomáticos históricos do Brasil são no sentido de se manter distante de conflitos, amparados por estereótipos e ortodoxias cheias de contradições cristãs, pacíficas e democráticas. A maioria dos brasileiros não compreende os conflitos no Oriente Médio. Fica tudo ainda mais confuso quando se quer meter no meio o Irã que (não é árabe), desde a Grécia Antiga, vive em guerra pelo domínio do Ocidente. Naquela região sempre um quer engolir o outro. Aliás, tem razão o jornalista e professor Aylê-Salassié Filgueiras Quintão ao dizer: “O Brasil sempre se manteve equidistante de conflitos que não lhe dizem respeito, evitando meter-se em brigas alheias”.
A guerra maior, no entanto, pode estar por vir. Rodrigo Craveiro já consignou: Após o secretário-geral da ONU, advertir que os ataques de Israel aos capacetes azuis “podem constituir crimes de guerra”, o Ocidente exigiu que as agressões contra a Força Interina das Nações Unidas no Líbano “parem de uma vez por todas”. Pararão?
O Oriente Médio é o centro da produção global de petróleo e gás natural, e uma guerra generalizada teria impactos imediatos sobre o mercado de energia. O estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, poderia ser bloqueado ou se tornar um campo de batalha.
O Oriente Médio já enfrenta também algumas das maiores crises de refugiados do mundo, especialmente devido aos conflitos da Síria, Iraque e Iêmen. Uma guerra generalizada exacerbaria significativamente esses fluxos migratórios, criando milhões de novos deslocados internos e refugiados. Estudos conduzidos por Crawford et al. (2020) mostram que conflitos prolongados na região forçam populações civis a buscar refúgio em países vizinhos, sobrecarregando as economias locais e os sistemas de assistência humanitária.
Um efeito significativo de uma guerra generalizada no Oriente Médio seria o fortalecimento de grupos extremistas e a disseminação de ideologias radicais. Conflitos prolongados, especialmente aqueles envolvendo intervenções estrangeiras e bombardeios, criam e alimentam movimentos radicais.
*Manoel Hygino dos Santos é jornalista, escritor, membro da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional de Escritores