
(Como fui feliz todo o tempo que pudemos estar juntos - quanto fui feliz!) - créditos: Freepik
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Tempo de condenar sem dó nem piedade (1)
30-03-2025 às 09h09
Rufino Fialho Filho (*)
1.
Não considere isto como dito por um pai (*). Até porque como pai registrei muitos fracassos e uma boa coleção de derrotas. Um pai sem qualidade (não é rico). Um pai sem futuro (se esforça pouco, trabalha pouco, trabalha e não recebe, trabalha de graça).
Enfim, cara amiga (amiga?), um pai desajeitado. Um pai estabanado. Pior, debochado, segundo quem ataca, e irônico, para quem compartilha e entende o valor e a importância da ironia.
2.
Não considere isto como esforços desajeitados de um amigo para reconquistar uma amiga. Enfim, que amigo é este que sempre (?) está ausente?
Mais grave ainda, quando se precisa dele (do seu serviço) ninguém consegue localizá-lo.
Um amigo teria que ter atributos valiosos, como ser uma pessoa exemplar, um ser diferente em que a diferença estaria no desprendimento, em estar sempre disposto a ouvir, a servir e a estar junto, capaz de entender pelas palavras, pelos gestos, pelos olhares e pela, inimaginável, paciência (**) todo o querer do ser amigo e amado.
3.
Não considere isto como explosão de um apaixonado por você, porque o sou. É também um defeito. Defeito meu. Diferente de muitos não sou um apaixonado pela sua beleza (clara beleza). De fato, concreto e real, sou apaixonado por sua importância e valor. Tudo o mais que você significa para mim.
(Como fui feliz todo o tempo que pudemos estar juntos – quanto fui feliz! Só eu sei e este tempo eu o recolho como a minha eternidade benfazeja.)
4.
Considere isto como uma reação verdadeira de um ser… (ia acrescentar humano, dizer ser humano, frente a dúvida ontológica, valorizo o ser). O humano como adjetivo qualificativo seria agressivo, pretensioso ou debochado demais. Além da conta de que um debochado mordaz seria capaz.
5.
Ah! Minha paixão, minha amiga, minha filha, considere isto como a manifestação de um ser mineral, de uma pedra.
Uma pedra é uma imagem, um símbolo, muito importante para todos os homens. É até mesmo, hoje e sempre, desde o pequeno Davi, um símbolo de resistência como nesta atual guerra que a televisão nos mostra, entre árabes, palestinos e judeus: de um lado, um povo armado com pedras e o próprio corpo, de outro um povo armado com todas as armas e tecnologias do mundo-moderno-insensível-e-desumano.
Considere esta manifestação, em busca de esclarecer fatos e aproximar-se da verdade como a manifestação não de um ser humano, mas de um ser íntegro na busca da verdade.
A manifestação também de uma pedra.
6.
As principais questões do diálogo de ontem, 17 de abril, sábado, foram sobre valores entre o Edberto Soares e a filha Patrícia Soares:
– Você é ladrão!
(Não, não, não, não é exclamação. É afirmativa categórica, olho no olho)
– Você é ladrão.
Mais brando ou até mesmo mais cruel na tentativa de explicar e não de justificar:
– Você rouba para os outros!
(Isto é, você é um ladrão, mas o produto do furto não te pertence. Um ladrão incompetente. Babaca).
Incapaz de roubar para si mesmo e mais grave ainda: burro.
– Você só quis comprar casas…….
(Casas? Casas roubadas? Por que quis comprar? Uma decisão baseada em que argumentos… Só quis comprar casas, incompetente…)
Nestas afirmativas, independente de suas verdades, há embutido um juízo de valor que condena o ladrão, o roubo, o furto.
Edberto Soares reflete:
“A condenação pura, verdadeira, do furto é um posicionamento de valor em relação a uma atitude socialmente condenável: a sociedade, a reunião de pessoas, considera não apenas um crime, cujos códigos registram modalidades e penalidades correspondentes, como um ato moral condenável e que significa, em termos de personalidade a condenação de uma pessoa a carregar consigo, em si, um estigma, uma marca, uma personalidade, enfim, um caráter: o ser ladrão.”
“O ladrão, o homem que furta, rouba (***) ou que comete um latrocínio, isto é, mata para roubar, este personagem, muito presente na história do homem, carrega consigo a marca de uma violação elementar: a desonestidade?”
Edberto Soares contra reflete:
“Nem sempre, nem sempre, nem sempre, é sempre bom lembrar e aí teremos Ali Babá e suas fantásticas aventuras, Robin Hood, tirando dos ricos para distribuir aos pobres. Ou revolucionando o mundo, como o bom Lenine, que via nos banqueiros a essência verdadeira dos ladrões (perguntava o homem dos sovietes: O que é um assalto a um banco diante de um banqueiro?).”
“Antes de Lenine, Karl Marx, o jovem mouro, estudante ainda, eternamente estudante, descobrindo em suas reportagens sobre o furto de madeiras nas florestas da sua Renânia, que aqueles homens furtavam porque eles não podiam permitir que os donos das florestas roubassem deles a vida e a possibilidade de viver.”
“Um outro camarada, o bom e doce poeta Stalin com suas ações armadas e assaltos (expropriações) reuniu condições financeiras para se implantar no mundo a transformação mais radical da sociedade, em milhares de anos, dando início a uma das experiências mais fantásticas dos últimos 200 anos na organização social e econômica da sociedade dos homens.”
Tempos de prisão. Memórias de Edberto Soares:
Na Penitenciária, onde só existiam homens presos já condenados. Quase mil homens ali cumpriam penas.
Ali, havia uma mulher que fazia a distinção entre os homens presos.
Ela os separava em duas categorias, os ladrões e os assassinos.
Dos ladrões, ela gostava, ela os protegia e os tratava de maneira totalmente diferente. Mais respeito, mais dignidade com quem rouba do que com quem mata.
Ela tinha suas razões fundamentadas.
Ignorava os assassinos e os odiava. Com eles mantinha verdadeiras e loucas discussões. Esta mulher não tinha medo da morte e nem dos assassinos. Ela os desafiava.
O primeiro argumento:
Ninguém, segundo ela, tinha o direito de tirar (roubar) a vida de ninguém.
Ela, esta mulher, era uma freira.
Argumentava, segundo argumento: a vida era um bem divino, um dom de deus (e ela acreditava nisto).
Ninguém tinha o direito de tirar a vida de ninguém, um bem que deus deu ao homem.
Ela era dura com os assassinos.
Éramos, ali, todos criminosos, todos ladrões, pois até mesmo os assassinos eram ladrões de vida, tiravam do outro, da sua vítima, o bem mais precioso, por irrecuperável, a vida.
Ela insistia em que todos os seres dotados de vida eram seres criados, filhos de deus.
Esta mulher, uma freira, com mais de 60 anos. Fisicamente fraca, corpo dobrado para a frente. Caminhar lento.
De repente, você se encontrava diante dos seus olhos. Explodia diante de si um rosto maravilhoso, cheio de vida, de coragem e de força.
Uma mulher pronta para a briga, pronta para o sorriso e a imensa alegria de viver. Estávamos diante da irmã Maria, da minha Julieta Bártolo que morava no Hospital da Baleia, de onde saia às 6h30 de todas as manhãs para o seu trabalho na Penitenciária Agrícola e Neves, em Ribeirão das Neves.