Jânio Quadros tinha política oposta às de Vargas e Jango, sofreu com isso também. É muito interessante estudar o caso da Hanna Minning Company e os históricos interesses em torno do minério de ferro
17-01-2025 às 08h00
Rogério Reis Devisate*
Getúlio Vargas elegeu-se presidente no democrático pleito de 1950, iniciando novo mandato presidencial em 1951, que duraria 5 anos e terminaria em 1955. Surpreendentemente, suicidou-se em agosto de 1954 com um tiro no coração.
Falava-se que, apesar de eleito democraticamente, Vargas teria alma de ditador, por ter assim governado o país, da Revolução de 1930 até 1945. Se fosse o ditador absoluto que se dizia, o desfecho para a crise de 1954 seria outro e os golpistas teriam sido presos.
O suicídio encerrou dramaticamente os acontecimentos que corriam soltos, por sua própria determinação, pois quis que tudo fosse apurado sobre o Atentado da Rua Tonelero, que vitimou o Major Rubem Vaz, um dos militares que se ofereceram para, fora do expediente, acompanhar o governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Esse episódio foi um dos mais interessantes da nossa história. Se fosse encenado como ópera, não seria bufa e sim daquelas bem dramáticas, que arrancam suspiros e lágrimas e que a plateia assiste em silêncio majestoso, entrecortado por suspiros. O drama até hoje cativa o nosso interesse e ainda emociona.
Tudo começou quando, sem sucesso, quiseram impugnar a candidatura de Vargas, nas eleições de 1950. Vargas venceu, derrotando Eduardo Gomes e Cristiano Machado.
Carlos Lacerda, integrante da oposição, chegou a dizer que Vargas não deveria ser candidato e que, se fosse, não deveria ser eleito, dizendo, ainda, que se fosse vitorioso não deveria tomar posse e que, se fosse empossado, uma revolução deveria impedir que governasse. Esse era o pesado tom daquele momento
Carlos Lacerda, integrante da oposição, chegou a dizer que Vargas não deveria ser candidato e que, se fosse, não deveria ser eleito, dizendo, ainda, que se fosse vitorioso não deveria tomar posse e que, se fosse empossado, uma revolução deveria impedir que governasse. Esse era o pesado tom daquele momento.
Mesmo assim, Vargas assumiu o mandato presidencial e passou por fortes pressões, notadamente aquelas decorrentes do mencionado Atentado da Rua Tonelero, em que, como Lacerda narra (obra Depoimento, p. 128), foi morto um dos militares da Aeronáutica que decidiram “lhe fazer companhia” e “dar cobertura à sua ação”. Falava-se, ainda, que o governo estaria num mar de lama, quando isso só estava na narrativa de matérias veiculadas na imprensa – que não sofria censura ou cancelamento” e tinha liberdade para publicar o que quisesse.
Muito já se disse e escreveu a respeito, sendo importante registrar, aqui, que o inquérito deveria ser do tipo comum e não um inquérito policial militar, como ocorreu – por pressão da UDN e do candidato derrotado, Brigadeiro Eduardo Gomes e, também, porque Vargas deixou tudo correr sem pressões do governo. Fizeram o inquérito policial militar por ser a vítima “um oficial da Aeronáutica e a arma utilizada ser um revólver de calibre 45, de uso privativo das Forças Armadas” – agiam como se “o crime estivesse revestido das características de um delito militar” (registra Hélio Silva, na obra 1954: um tiro no coração, p. 227).
No desenrolar dos acontecimentos, Getúlio Vargas não mudou a decisão de dar ampla liberdade para a apuração dos fatos. A pressão política aumentou e se pediu a sua renúncia.
Sublevaram-se oficiais da Aeronáutica e, na reunião ministerial de 23 de agosto de 1954 – aliás, a única que fizera com todos os seus auxiliares, pois Vargas preferia os receber em audiências – o Ministro da Guerra dissera que, dos 80 generais, 35 já haviam assinado manifesto em apoio aos Brigadeiros. Passou-se a falar em renúncia ou licença da Presidência da República. O clima pesava e Alzira Vargas, filha do Presidente Vargas, assumiu a palavra e pediu providências para proteger a Democracia, ante o golpe iminente. Vargas, como esfinge dos Pampas, encerrou a reunião, retirando-se. No amanhecer, suicidou-se com um tiro no coração, após ser informado de que a cogitada licença seria tida como definitiva, equivalendo à sua deposição.
Falamos nisso, neste brevíssimo resumo, apenas para considerar que Vargas não quis forçar a mão e agir como ditador. Se quisesse, poderia ter determinado o uso da força aos militares fiéis e levado o país ao extremo, neutralizando os golpistas.
Fato semelhante ocorreu dez anos depois, com o Presidente João Goulart, que também não quis ordenar resistência ante os movimentos que levaram à sua deposição e exílio em 1964, conduzindo o país à eleição de Castello Branco e aos anos de regime militar.
Aquelas circunstâncias são únicas e exclusivas e, por isso, distintas no tempo e na categorização peculiar que possuem. Tais contextos já foram para os arquivos da história e muitos dos personagens envolvidos estão anistiados, como resultado da ampla Lei da Anistia, que cobriu os anos de 1961 a 1979.
Focando em Vargas, este impediu não apenas a detenção e prisão dos golpistas envolvidos e dos que buscaram a sua renúncia e o seu afastamento, conspirando, assinando manifestos e agindo.
Vargas não quis dividir o país e sabia que os cordões eram manipulados de longe. Para enfrentar todo o vigor do que percebia ocorrer, somente a forte repercussão da sua morte por suicídio poderia levar o povo às ruas e frear o que sabia que ocorria. A Carta Testamento aborda o contexto, ao dizer que chefiou a Revolução de 1930 contra “decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais” e falando na “pressão sobre a nossa economia”.
Jânio Quadros, que tinha política oposta às de Vargas e Jango, também sofreu com isso. É muito interessante estudar o caso da Hanna Minning Company e os históricos interesses em torno do imenso depósito de ferro brasileiro, fato que liga os 3 presidentes. Vargas cassou a sua concessão de exploração em 1954 e, após suicidar-se, Café-Filho assumiu a presidência e restabeleceu a concessão. Anos depois, Jânio Quadros também “estava lutando contra os interesses americanos” e investigava como a “Hanna Minning obtivera o controle da mineração de ferro em Minas Gerais” (Colby, Gerard. Thy will be done, p. 408), para renunciar aos 7 meses do seu mandato presidencial, dizendo que “forças terríveis” se levantavam contra a sua presidência. A concessão da Hanna foi, depois, novamente cassada em 1963 por João Goulart, tendo sido logo restabelecida por Castello Branco, após o Golpe de 1964.
Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais e apoiador do golpe contra João Goulart, por carta endereçada ao Presidente Castello Branco, reclamou que grupo estrangeiro se apropriou, de graça, das riquezas minerais brasileiras, no que foi ladeado por Carlos Lacerda, outro apoiador do mesmo Golpe de 1964, que disse que não fizeram “a Revolução para o sr. Roberto Campos entregar a indústria nacional a grupos estrangeiros” (como registra Lira Neto, na obra Castello A Marcha para a Ditadura, p. 318).
Sobre essas coisas pouco se fala, em parte porque temos sido levados a ter pensamentos binários, de ser simplesmente a favor ou contra alguma coisa, sem muito nos explicar os contextos dos acontecimentos e desprezando o imenso valor das entrelinhas, dos motivos determinantes para a prática de certos atos e das políticas costuradas em áreas de sombra, fora dos holofotes, da imprensa e do povo.
Vargas poderia ter usado o documento assinado pelos militares como prova para processá-los como golpistas e fazer desencadear outras medidas contra as forças de oposição, civis e militares. Contudo, resistiu às pressões e olhou adiante – e por tantos feitos é lembrado, enquanto outros são e foram esquecidos
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.