No meu caso, o que me levou a me interessar pela Coreia foram os estudos: durante minha graduação tive oportunidade de ter uma aula online ao vivo com professores sul coreanos.
12-11-2024 às 09h:25
Gustavo Lima e Santos*
Com a globalização e a cultura da internet, novas tecnologias surgiram e sociedades que antes não tinham muitas oportunidades de interagirem entre si agora foram capazes trocarem experiências. Estas novas interações apresentaram uma oportunidade de negócios única: a de transformar a cultura e a identidade de uma nação em uma “marca” e vendê-la para o resto do mundo. Tal prática não é de forma nenhuma uma novidade, e podemos perceber isto muito antes de qualquer noção de Estado moderno ou de conceito de nação como entendemos hoje, mas isto não muda o fato que a era da informação instantânea mudou completamente como este jogo é jogado, e países como a Coreia do Sul se adaptaram muito bem.
A Hallyu, ou a onda coreana, é o resultado dessa nova postura da Coreia do Sul perante a sua imagem e o mundo externo. Com a comodificação de sua cultura e a exportação desse “produto” para o resto do mundo, vivemos hoje em um mundo no qual a cultura coreana é sinônimo de “moderno”, “pop” e “futurista”, tornando-se extremamente popular internacionalmente, o que inclui o Brasil. Como consequência, temos o aumento da popularidade da cultura sul coreana, o que a torna mais desejável aos olhos dos “consumidores” estrangeiros, muitos deles brasileiros, grupo no qual eu me incluo. Isto, por sua vez, cria uma visão deturpada da realidade, enviesada pelo fornecedor e a versão curada do seu “produto”. O resultado final dessa relação seria um distanciamento de uma pessoa da própria cultura, que fica sendo comparada ao “produto”, tendo seus defeitos dolorosamente aparentes, e um desejo de aproximação com a cultura que é vendida.
No meu caso, o que me levou a me interessar pela Coreia foram os estudos: durante minha graduação tive oportunidade de ter uma aula online ao vivo com professores sul coreanos, que, coincidentemente, estavam dando aulas nas linhas de pesquisa do meu interesse. A qualidade das aulas e dos conteúdos eram excepcionais, e após muito esforço, consegui uma bolsa de mestrado na faculdade que ofertou o curso. Minha animação com esta oportunidade era imensurável, tendo efetivamente me convertido como seguidor da Hallyu neste ponto. Mudei-me para a Coreia do Sul menos de 2 meses depois da minha graduação e foi aqui que percebi que fantasia e realidade são bem diferentes.
Pois bem, devemos nos lembrar que como brasileiro, nascido e criado em Belo Horizonte, observo minha realidade como um membro do Sul Global, e não arriscaria dizer que minha experiência é minimamente universal. De qualquer forma, a xenofobia foi gritante e aparente desde o momento em que pisei no país, principalmente depois que algum coreano descobria que eu era brasileiro e tinha efetivamente me mudado para lá, não estando em condição de turista. Sim, reconheço que a xenofobia não era direcionada ao Brasil em específico, nem só ao Sul Global como um todo, apesar de ser intensificada nestes casos. A Coreia do Sul é um país asiático que tem uma história similar à chinesa e à japonesa, no sentido de que eles tiveram sua abertura para o Ocidente relativamente recente e não de uma forma muito voluntária. Como consequência, o estranhamento com o “diferente” e o “outro” ainda é fortemente vivo hoje nesses países. Além disso, temos diferenças culturais imensas, a começar pela lógica coletivista asiática e a individualista ocidental que “herdamos” dos portugueses, o que resulta em um choque cultural que, muitas vezes, leva os coreanos a nem se interessarem por tentar superar essas barreiras culturais.
Entretanto, o maior choque para mim não foi o cultural, mas o político-social.
Sendo convidado a me mudar para o país, com uma vaga de mestrado e uma bolsa integral, acreditei que a Coreia do Sul era um país aberto aos imigrantes, interessado em aumentar o tamanho da sua população de estrangeiros. Rapidamente percebi o quão enganado estava.
Inicialmente imaginei que eram só problemas burocráticos com a imigração, tentando me convencer que qualquer país tem uma máquina burocrática cheia de dificuldades e empecilhos para as pessoas. Mas com o passar do tempo fui percebendo que isto não era uma questão singular, mas de todo o aparato social. Seja na universidade, no banco, comprando um número de telefone (que é mais importante que o número da sua identidade lá), ou finalizando um contrato de aluguel. Em todas as escalas sociais existiam montanhas de contratempos e entraves que faziam da minha vida e de outros estrangeiros um verdadeiro inferno cotidiano. Parecia até… que eles não queriam a gente ali.
Encucado com isto, não querendo aceitar essa realidade, afinal, foram eles que me ofertaram a possibilidade, fui direto conversar com meu orientador, doutor em Diplomacia
Pública e especialista em “Branding” de nações. E foi aí que finalmente entendi. Por conta da abertura e da “ocidentalização” recente da Coreia, rapidamente o país percebeu a necessidade de interagir com o mundo externo, neste caso, o Ocidente. No entanto, a cultura coreana não foi capaz de se adaptar, rejeitando fortemente ainda o estrangeiro e o estranho. A consequência disso é o que vivi: um país que se diz aberto e convidativo, mas que não o verdadeiramente é. Uma das pesquisas realizadas a pedido do governo coreano concluiu que estrangeiros que visitam a Coreia do Sul a turismo, e que não ficam mais do que 6 meses, voltavam para suas terras natais com uma opinião positiva da Coreia, muitas vezes mais positiva do que antes da experiência turística. Já aqueles que ficavam mais do que 6 meses em sua maioria saiam da Coreia com uma opinião muito mais negativa do que quando chegaram lá. E comigo não foi diferente.
Dito essas questões, acho importante explicar que meu objetivo não é atacar a Coreia do Sul e sua cultura, afinal tive momentos prazerosos nos quase 3 anos que morei lá e acredito que o período da pandemia também tem uma grande parcela de culpa sobre minha experiência no país. O ponto de trazer essas críticas diz respeito principalmente a Hallyu e ao consumidor ocidental do Sul Global que consome estes “produtos” estrangeiros sem refletir criticamente antes sobre qual a mensagem neles contida. Além disso, o próprio governo coreano está ciente desta realidade cruel que os estrangeiros vivem em seu país, parecendo pelo menos interessado em entender a situação (se de fato entendem isso como um problema e pretendem fazer algo para melhorar a realidade desses estrangeiros são outros quinhentos). O importante para mim é que esta experiência sirva como uma lição para nós brasileiros que estamos no meio de uma guerra cultural que está sendo travada em todo o mundo e que estamos perdendo. Sim, existem diversos problemas no Brasil e sim, também existem diversas coisas espetaculares em outros países, mas para aqueles que consomem esses “produtos” de forma não crítica, renunciando de sua identidade nacional e buscando se “filiar” a outras culturas e nações, acreditando que serão aceitos, talvez esta história sirva de alerta.
*Gustavo Lima e Santos é mestre em International Public Relations and Public Diplomacy pela Sookmyung Women’s University (SMWU), em Seoul, na Coréia do Sul. Bacharel em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas). Membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Integra o Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares de Moura. Contato: gustavosantos0912@gmail.co