
A questão em jogo é como ainda se frauda o INSS, mesmo após os escândalos de 1992 CRÉDITOS. Divulgação
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25-04-2025 às 09h44
Rogério Reis Devisate*
Até mil, todos sabemos contar. Até um milhão, poucos saberão. Se 1 bilhão é conta para poucos, o que dirá de 6 bilhões e 300 milhões de reais.
Nós, os normais, o povão, não conseguimos exatamente compreender o que significam 6 bilhões e 300 milhões de reais, valor que se divulga ter sido desviado do INSS.
Para se ter uma ideia, a Mega da Virada de 2025, o maior valor da história, foi de 650 milhões de reais, ou seja, o equivalente a 10% dessa quantia. O montante corresponde a mais que o dobro do valor do orçamento previsto para investimentos e gastos com a COP 2025 (cerca de 2,7 bilhões) ou cerca de metade do lucro da Caixa Econômica Federal em todo o ano de 2024 (cerca de 14 bilhões).
É muito dinheiro, sob qualquer padrão comparativo.
A questão em jogo é como ainda se frauda o INSS, mesmo após os escândalos de 1992, quando se estimava desvios da ordem de 2 bilhões de reais. Até o momento, os valores envolvidos nesta fraude, recém divulgada, supera aquela em 3 vezes. Como isso ocorre, hoje, com a experiência que o país adquiriu naquela época e com os mecanismos de controle desenvolvidos?
Observemos que as notícias falam em ocorrências em 13 estados, o que faz concluir que não houve apenas um fato isolado, praticado por uma determinada pessoa.
Assim, o povo é mais uma vez lesado por essa quase milagrosa ação que conseguir desviar recursos e deslizar pelos mecanismos de fiscalização e controle para sangrar dinheiro do INSS – que é fruto da contribuição de patrões e empregados, sendo dinheiro das viúvas, dependentes, pensionistas e aposentados. Os seis bilhões e trezentos milhões de reais é o resultado da soma de valores que já se diz que foram retirados do bolso dos aposentados. Foram lesadas milhões de pessoas. Talvez por isso se diga que o governo vai repor o valor ao INSS e aos prejudicados, ou seja, aos aposentados.
Numa metáfora, é como querer levantar o balde estando dentro. Isso é impossível, a não ser que haja um ponto de apoio externo, que permita que se possa fazer de alavanca. A alavancagem, nessa metáfora, em se tratando de rolagem de dívidas ou rombos, significa aporte de dinheiro do tesouro, ou seja, dos contribuintes.
Isso significa que o Tesouro vai destinar recursos… Ora, se o dinheiro do Tesouro é formado pelo que é arrecadado, isso significa que, de qualquer modo, os contribuintes que destinam dinheiro aos cofres públicos serão os responsáveis por essa reposição do que foi desviado. Em última análise, pagaremos essa conta.
Agora, consideremos duas constatações:
(1) temos experiência com escândalos, dentre os quais: 1 – Anões do Orçamento (cerca de 800 milhões de reais); 2 – Obras do Tribunal Regional do Trabalho, de São Paulo (aproximadamente 2 bilhões de reais); 3 – INSS, em 1991-1992 (cerca de 2 bilhões de reais); 4 – Fundos de Pensão (2015), envolvendo Banco do Brasil, Previ, Vale e outros (aproximadamente 3 bilhões de reais); 5 – Banco Marka (cerca de 3,7 bilhões de reais); 6 – Banestado (cerca de 30 bilhões); 7 – Lava-Jato (cerca de 42 bilhões de reais).
(2) curioso que, volta e meia, se fale em necessidade de reforma da previdência, assim como, vez ou outra, escândalos assim vêm à tona. Fechar essas torneiras já é altamente significativo na economia de valores e na destinação dos recursos a quem precisa. É como ter um cano furado ou uma descarga com vazamento; podemos colocar água na caixa d`água mas essa nunca ficará cheia.
Independentemente da responsabilidade penal, civil ou administrativa, sobre as quais a competência e atribuição para apuração e julgamento cabe às respectivas instâncias e Poderes da República, é crível que, a exemplo dos outros graves casos, a situação em apuração deverá ensejar a instauração de CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, no Congresso Nacional, tal como ocorreu, por exemplo, com a CPI do Banestado, que foi instaurada por requerimento encabeçado pela Senadora Ideli Salvati, do PT de Santa Catarina (Senado Notícias, 18.6.2003).
Menos do que instrumento do jogo de poder, as Comissões Parlamentares de Inquérito estão inseridas no sistema de “Freios e Contrapesos”, originário do “checks and balances” imanente à Separação de Poderes, abordada por Locke, Rousseau, Montesquieu, Aristóteles e Maquiavel e tão importante no contexto da Revolução Francesa. Aliás, por falar naquela revolução, o artigo 15º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), assim diz: “Artigo 15º- A sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração.” E quem representa a sociedade, senão o Poder Legislativo?
Através dos freios e contrapesos, os Três Poderes atuam com atividades de controle, como se a Hidra de 3 cabeças não deixasse que nenhuma delas agisse absolutamente independente das demais. Pelas CPIs, o Poder Legislativo fiscaliza o Poder Executivo. Nada, portanto, mais natural, na regra constitucional vigente, numa República democrática.
Por fim, quando invocamos as bases filosóficas da tripartição de poderes e mencionamos a Revolução Francesa, somos obrigados a enaltecer o imenso valor que, com a queda do Antigo Regime absolutista, ganhou o Poder Legislativo.
Não sem motivos, o historiador francês Albert Mathiez, na sua obra As origens dos cultos revolucionários, referiu-se aos legisladores como os “sacerdotes da felicidade social”.
Ainda a propósito daquele marcante evento, Georges Lefebvre, também historiador francês, disse que havia “bastante tempo que o bom senso aconselhava a colocar em ordens as finanças do Rei” e que “era necessário encontrar dinheiro para fazer face às despesas públicas”, que “cresciam sem cessar”. Advertiu que o Rei Luís XVI poderia ter evitado o seu trágico fim, na guilhotina, se tivesse feito, há tempo, as economias necessárias. Por fim e apenas por se argumentar, a Revolução Francesa inaugurou novo tempo e Napoleão, o “seu soldado”, cuidou de enterrar o Antigo Regime e as coroas imperiais em vários países da sua época.
A partir daí e como dito acima, o Legislativo ganhou cada vez mais interdependência e o status de Poder para fazer as leis, derrubar vetos, tratar do orçamento público e controlar os gastos e as contas do Executivo. Que o Legislativo, neste episódio da fraude nova no INSS, represente os aposentados e pensionistas – o povo – e, assim agindo, obre para fiscalizar o contexto, via CPI.
*Rogério Reis Devisate é Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.