
cinco regiões que deviam ser objeto de estudos para a nova capital: CRÉDITROS: Freepik
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24-02-2025 às 10h38
Wilson Cid*
Um capítulo do passado, que fica a exigir maior atenção dos historiadores, é o papel das lideranças regionais da Zona da Mata e Vertentes, quando se incendiou o debate em torno da escolha do local onde seria instalada a nova capital de Minas; assunto, aliás, discutido, pelo menos cinco vezes, já nos tempos da Inconfidência de Tiradentes e seus companheiros.
Interessante observar que, a não ser por discussões isoladas ou oficiosas, o tema não motivou a cidade, mesmo que Juiz de Fora figurasse entre os cinco pontos referenciais para substituir a velha e exaurida Ouro Preto. Em muitos outros pontos do Estado os debates andaram acalorados.
No dia 28 de outubro de 1891, o Congresso Mineiro, reunido em Barbacena, estabeleceu cinco regiões que deviam ser objeto de estudos para a nova capital: a região do Curral del Rey; Paraúna, próximo a Curvelo, centro geodésico de Minas; Barbacena; Várzea de Marçal, próximo a São João del-Rei, e Juiz de Fora.
Quanto a esta cidade pesavam, favoravelmente, boas condições sanitárias, prédios apropriados e capacidade para 200 mil habitantes.
Fator mais desfavorável naquela disputa, e de todo fundado, é que a cidade se encontra muito próxima do Rio de Janeiro, mais distante do resto de Minas. E uma capital, tanto quanto possível, deve sempre estar mais no centro, capaz de melhor irradiar suas decisões em todas as direções.
A comissão presidida pelo engenheiro Aarão Reis, formada para estudar detalhadamente essas opções, acabou por reduzir a lista a três regiões: primeiro, Várzea do Marçal, depois Juiz de Fora e Curral Del Rey, que, afinal seria Belo Horizonte.
João Pinheiro, cujo prestígio pessoal era inegável, antes mesmo de examinar as conclusões da Comissão Reis, tornou-se defensor da instalação da capital no lugar onde ela acabou ficando.
Coincidiram com ele outras opiniões bem sustentadas, e que acabariam também aceitas por difícil maioria no Congresso Mineiro em 13 de dezembro de 1893. Votação: 30 votos para o grande espaço do Curral Del Rey, 28 para Juiz de Fora e Várzea do Marçal.
Detalhe interessante é que o mesmo Congresso determinava que, qualquer que fosse a capital escolhida, ela devia chamar-se Minas; e foi com esse nome que Bias Fortes a inaugurou. Só que, quatro anos depois, Silviano Brandão mandou que se tomasse o nome de Belo Horizonte, de geral preferência.
Em relação à transferência, seria pertinente alguma informação sobre as antipatias despertadas pelos habitantes de Ouro Preto daquela época, talvez porque era antiga e constante a lembrança de que Juiz de Fora poderia se tornar a nova sede da administração estadual. Em 1888, Tomas Cameron, do jornal “O Pharol”, já defendia essa ideia. Muito depois dele, o grande químico Moura Brasil estranhava o fato de não ser ali a capital de Minas.
Prosperavam as hostilidades. Estudante gaúcho em visita a Ouro Preto, confundido com repórter de Juiz de Fora, foi severamente espancado. Um padre de lá, Camilo Veloso, escreveu: “Juiz de Fora é um lupanar de vícios”, e convocava os ouro-pretanos a derramar o sangue no seu ódio àquela cidade. “Não bebam mais a cerveja de lá”, sentenciava.
Raríssimos são os registros a respeito desse tempo de desentendimentos, quando o clima se agravava nas retaliações. Na Rua Halfeld, dizia-se que Ouro Preto era uma espécie de dente cariado, imprestável. De lá vinha a resposta: Juiz de Fora, cidade de rudes fazendeiros e operários.
Depois, quando aquele centro da Zona da Mata foi rifado da corrida para sede da capital, o ódio, como as epidemias, desapareceu, sem que alguém para isso houvesse se esforçado. Aí os ouro-pretanos se voltaram contra Belo Horizonte, que apelidavam de “cretinópolis”.
Mas, afora ofensas jogadas ao vento, fato é que as animosidades acabaram por causar problemas sociais, políticos e econômicos. E, quanto a estes, mais que os xingamentos, caberiam melhores estudos.
(Escolhida a nova capital, as lideranças locais e da Mata, sobretudo políticas e empresariais, cometeram o grave equívoco de virar as costas para a realidade, preferindo continuar olhando para a Corte dos tempos do Império, geograficamente tão próxima. Como se Minas não existisse. O resultado, com consequências que de algum modo persistem, foi um processo de isolamento, agravado quando, na década de 60, o poder do Rio de Janeiro deslocou-se para Brasília).
*Wilson Cid é jornalista