A cidade, já em chamas, sofria com o aumento dos ataques. Israel aproveitava as últimas horas da guerra para atingir o maior número possível de alvos.
04-12-2024 às 09h41
Ariel Seleme de Beirute para o Diário de Minas
O dia 26 de outubro começou de forma diferente. Todos aguardavam o anúncio, a declaração, a aceitação de Israel ao plano de cessar-fogo.
O descrédito faz parte da vida no Líbano, e muitos amigos vinham até mim em busca de confirmação: “É verdade? Vai acontecer?”. E aconteceu. Mas o dia seria longo.
Uma nuvem de drones sobrevoava Beirute. A cidade, já em chamas, sofria com o aumento dos ataques. Israel aproveitava as últimas horas da guerra para atingir o maior número possível de alvos.
Quando a noite chegou, um círculo de fogo envolveu Beirute. Foram dez bombardeios por hora.
Caminhei para casa sentindo as explosões – no chão que tremia e no ar impregnado com o cheiro de pólvora.
O anúncio do cessar-fogo veio acompanhado de uma tenebrosa informação: aquela seria a noite do acerto de contas. Nenhum bairro de Beirute seria poupado.
O cessar-fogo estava programado para as 4 da manhã, mas até lá, tínhamos mais oito horas de guerra.
Logo, um enorme engarrafamento se formou. Mais uma vez, Beirute estava em fuga. As pessoas deixavam a cidade para aguardar e retornar às suas casas somente com o início do cessar-fogo.
Os que não conseguiram sair estacionaram seus carros próximos ao meu prédio e ao prédio do Primeiro-Ministro, considerado um local relativamente seguro.
Quando cheguei em casa, deparei-me com uma grande quantidade de carros cheios de famílias que esperavam a noite passar.
Na pracinha em frente ao meu prédio, presenciei uma cena emocionante: alheias às bombas e à guerra, crianças brincavam.
Elas riam, corriam, pulavam corda, jogavam “amarelinha”, tudo ao som das explosões e sob as luzes do círculo de fogo.
Os adultos esperavam. O Líbano esperava. O mundo esperava. E o tempo passava, lento, como um inimigo da paz.
Às 3h40 da manhã, uma enorme explosão ecoou, seguida por silêncio. E o silêncio durou cinco, dez, vinte minutos.
Olhei o relógio: 4h da manhã. O cessar-fogo começou.
Da minha varanda, vi os carros e suas famílias partindo em silêncio, humildemente, passivamente, resilientes. Mais uma guerra chegou ao fim, e mais uma vez era hora de reconstruir.
O Líbano sai desta guerra procurando o seu futuro. Muito precisa mudar. E, se a paz chegar definitivamente, o futuro encontrará um país desenvolvido, fraterno e justo, porque o Líbano tem a semente para isso: sua gente.
Na manhã seguinte, não encontrei pessoas jubilosas, alegres, comemorando. Encontrei pessoas indagando: “Por quê? Qual o sentido? O que ganhamos com esta guerra?”
No caminho de volta para casa, encontrei Ziza, um amigo.
Perguntei:
– Ziza, esta paz vai durar?
Sua resposta resumiu a vida libanesa:
– Ariel, vai durar até a próxima guerra.
*Ariel Seleme, escritor e Oficial de Chancelaria da Embaixada Brasileira em Beirute