03-01-2025 às 09h09
Rogério Reis Devisate*
Tocante poesia da espanhola Elsa Moreno nos diz que os beijos são dados na boca por ser dali que brotam as palavras: “Creo que los bejos se dan en la boca porque es de donde brotan las palabras” – registra, com maestria.
Como são na boca os beijos de paixão e amor, próprios dos amantes e dos que, juntos, se entregam aos bons momentos e ao bem viver, a sensível poesia nos remete às infinitas alturas de doçura e pureza da alma e àquele local físico do corpo humano, donde saem as palavras representativas do nosso melhor – não é disso que tratam e mais querem tratar os amantes e os amores?
Pode-se enaltecer o fato de que, assim, premiam-se as palavras boas e incentiva-se que, dessas mesmas, outras sejam ditas.
Fazem positiva diferença todos os versos que nos desafiam a pensar o motivo pelo qual tanto temos tensionado a musculatura do rosto para emanar palavras ácidas, de ódio, distinção de diferenças, reclamos subjetivos e desarrazoadas críticas. O hábito de reclamar, criticar e maldizer tanto adensa o ar que nos vicia nessa vibração e torna tudo mais passível de novos ciclos iguais, dos quais cada vez mais se faz difícil sair.
Vivenciamos tempos difíceis, onde a facilitação dos mecanismos de comunicação parece menos libertar as purezas de sentimento do que as vaidades e pequenas paixões políticas, a ponto de parecer fazer menos sucesso – se é que o sucesso seja bom fator de qualificação – as palavras de harmonia, progresso comum e união do que as de rixa, cizânia, desunião e polarização.
Não se fala trata de ideologias orgânicas, como a capitalista, a socialista, a comunista, a liberal e a anarquista, na medida em que vemos muito mais vozes de grupos disformes a clamar isso ou aquilo e que, eventualmente, quando confrontados com dissonâncias nos seus discursos, não sabem sustentar os seus posicionamentos. Muitos seguem como nuvens, aderindo a essa ou àquela corrente de ar e se deixando levar.
Há certa movimentação em massas e agrupamentos que estão dizimando com a individualidade, que tem sido absorvida por esses corpos sociais maiores, abafando o senso crítico e as opiniões individuais mais solidificadas, onde parece que mais importa a marcha ritmada ao sabor dos momentos do que a razão a orientar as ações.
Ser oposição por oposição representa certo posicionamento político totalitário, no lugar da grandeza e capacidade de reconhecimento de bons resultados em certas práticas alheias. É algo como luz e escuridão, sem se admitir que haja áreas de sombra, indistinta àquelas e onde se interpenetram.
As palavras de uns e outros parecem ser menos intolerantes do que a intolerância dos que as ouvem. Qualquer palavra está sujeita a sofrer a aderência de atributos qualificadores para deturpar o sentido da sua declamação, conforme o desejo de uns e outros, fabricando a política do “cancelamento” com o rigor das censuras dos tempos menos nobres da nossa história, onde aprisionamento por crimes políticos e torturas e práticas afins reinaram e mancharam a humanidade.
Já nos esquecemos do que foi a Inquisição, a perseguição aos comunistas ou aos contrários a esse regime, conforme fossem da Itália e Alemanha fascistas ou da Rússia revolucionária?
Abismos profundos deixam feridas abissais nas mentes e corações humanos, tanto dos perseguidos, quanto nas suas famílias e pessoas próximas, em tempos onde irmãos deduravam irmãos e vizinhos patrulhavam outros. No Nazismo, visto como de extrema-direita, havia os informantes, que deduravam os que poderiam estar contra o Sistema vigente e opressor. Contudo, os informantes e dedos-duros não foram exclusividade do fascismo e do nazismo; também nos regimes socialistas e comunistas existia extensa rede de informantes e que agiam de modo semelhante. Naqueles idos, a lógica era deturpada para explicar o inexplicável, fazer o certo virar errado e o torto conceito ser acolhido como correto, do mesmo modo que a cara de indignação – ante os indignos – não encontrava eco, mais parecendo nobre valor das páginas amarelas dos classificados de outrora.
Hoje, percebemos coisas ocorrendo que incomodam nossa herança histórico-política, com o arrastamento da Guerra entre Ucrânia e Rússia, novo abalo econômico na Alemanha, a mudança no discurso na nova Era Trump e que talvez faça os EUA de fato enfrentar a forte China, inclusive com iminente aumento dos tributos de importação e mais influência no Canal do Panamá.
Não se trata de ideologias ou confronto de ideias, no geral. A questão nunca foi tão “capitalista” para onde se olhe. Aliás, como diria Delfim Netto, “hoje, esquerda e direita são sinais de trânsito”. Embora se refira ao Brasil, sua sentença se aplica ao mundo.
Um vigia o outro, enquanto é vigiado. A menor suspeita gera problemas, porque o que impera não é a lógica da lei e do Direito, mas o subjetivismo – que serve a tudo! A ausência de lógica e de estabilidade das relações jurídicas e ações concretas de todos ferem a lógica, por se basear no subjetivismo e na política do “nós contra eles”.
Como prever com clareza cada momento jurídico-político ou elaborar respostas diretas e simples sobre fatos e ocorrências contemporâneas? O contexto envolve coisas do momento e heranças de práticas vindas de outros tempos. As respostas dependem das perguntas corretas e estas, de base para ser formuladas. Estamos fadados a presenciar o encontro do passado com o presente e de ver o nosso futuro ser delineado por forças estranhas e estrangeiras, na medida em que o mundo não vai nos ajudar, mas ajudar a si próprio, valendo-se deste povo e desta terra fértil e rica – que muito lhes interessa.
Não existe piedade ou solidariedade, quando cada ator global deve satisfações aos seus nacionais. Os EUA pensam tanto nos EUA quanto os franceses, alemães e chineses pensam na França, Alemanha e China. Do mesmo modo fazem todos os países e povos. Nada mais natural.
Quanto mais instáveis estivermos, mais vulneráveis somos e seremos, aos olhos dos maiores players globais. Nós somos a parte sensível, quebradiça, manipulável, descartável e usurpável. Fraturados, ficamos mais à mercê dos seus sopros dominantes. O mercado é cada vez mais global e cada vez menos local e, com isso, os dominantes da economia mundial, as transnacionais e as multinacionais, são capazes de operar de modo distante, influindo e ocupando, direta ou sorrateiramente, os espaços que ficarem disponíveis, de sorte a direcionar vontades e ações populares e governamentais e, finalisticamente falando, manter ou corrigir resultados das urnas ou da economia local.
Estamos confusos e mal informados, observando lenha e fósforos ser reunidos próximos à fogueira. Apáticos, ficamos torcendo para não gerarem incêndio social e político que não possa ser apagado. Que as nuvens cinzentas que encobrem algumas sociedades não tragam a tempestade que a alguns pareça inevitável. Na dúvida, melhor comprar galochas e guarda-chuvas.
Por isso, passa a ser tão importante que a poesia toque as almas humanas, dos súditos aos líderes, para que palavras doces sejam ditas e não aquelas contrárias ao bem e ao ideal harmônico social. Que mais possamos, já neste 1º dia do ano de 2025, mais nos bem querer e amar e fazer disso realidade com gestos e palavras cordiais. Feliz Ano Novo!
Rogério Reis Devisate é advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.