
Liberdade de Expressão e opinião - créditos: Quizur
07-09-2025 às 09h29
Marcelo Galuppo[1]
Médicos não podem decidir com base em palpites: precisam de conhecimento técnico, atualizado e controlado para lidar com uma doença. Em meus dois textos anteriores, Opinião, cada um tem a sua I e II, afirmei que, quando há saberes técnicos envolvidos, não é qualquer opinião que vale. Já na política, qualquer cidadão, pelo menos nas sociedades democráticas, pode — e deve — opinar, influenciar, votar e participar dos processos decisórios. Acreditar que se possui a solução para todos os problemas revela certa inocência que indica antes pureza de propósito, ainda que possa ser apenas má-fé.
Platão admitia que, em certos domínios, nunca chegamos a certezas absolutas, e uma opinião verdadeira já pode ser suficiente para guiar nossas escolhas. Esse é o terreno da política, em que não temos acesso direto à realidade porque nele nos inserimos por meio da linguagem, que tanto abre quanto fecha caminhos para a verdade, possibilitando que a conheçamos mas também limitando e impondo condições para isso. Por outro lado, a pluralidade de valores, projetos e ideologias que convivem na esfera pública torna impossível escolher antes de ouvir, confrontar e, de vez em quando, engolir ideias que detestamos.
No século XIX, John Stuart Mill defendeu a liberdade de expressão no livro Sobre a Liberdade. Seu primeiro argumento, de natureza política, é chamado de instrumental: quando ouço uma ideia contrária à minha, posso corrigir meus erros ou confirmar minhas convicções. Nos dois casos, saio ganhando. O segundo, chamado de constitutivo, de natureza moral, é mais profundo: a liberdade, entendida como livre-arbítrio, é o bem fundamental da modernidade. Nada compromete mais a agência de alguém (a ligação que se pressupõe existir entre a vontade e a própria existência) do que ser silenciado apenas porque a maioria não gosta do que se pensa. Exprimir suas próprias ideias faz parte da própria agência humana e, portanto, do bem estar e da realização plena de cada pessoa, como faz parte dela que ideias e ideologias, mesmo as boas, só prosperem através de certo proselitismo.
O que eu faço de minha vida é um problema exclusivamente meu, e a única coisa que poderia limitar minha liberdade é o dano que causo a um terceiro. É quando tentam definir o que é um dano que os teóricos da liberdade de expressão começam a divergir.
Alguns pensam que o conceito de dano envolve a ofensa, porque ela corrói a autopercepção de pertencimento de alguém ao Estado e aos direitos que ele institui, enquanto outros acreditam que só constituem dano as agressões que incidem fisicamente sobre o corpo e sua extensão (a propriedade privada), ou que possam induzir realisticamente outros a fazê-lo.
Haveria temas que deveriam ser excluídos da arena pública, proibindo-se sua expressão por aqueles que compartilham de determinadas convicções, valores e ideologias? A resposta não é fácil porque, neste caso, é preciso determinar a quem compete decidir que temas podem ou não ser debatidos publicamente. O problema é saber quem decide (e quando) o que não pode ser dito.
Há várias razões pelas quais não se deveria proibir a manifestação de discursos que pensamos ser ofensivos, mas que não levam à restrição direta e evidente de direitos. Em primeiro lugar, silenciar quem possui ideias criticáveis não irá transformar essa pessoa em alguém melhor (e a vasta maioria dos exemplos na história indica o contrário). Em segundo lugar, é melhor saber onde está o inimigo do que deixá-lo escondido no escuro e, portanto, silenciá-lo não aumenta nossa segurança. Em terceiro lugar, só posso avaliar a validade do discurso depois que ele foi proferido (e algumas das ideias mais censuradas no passado, em nome das quais se calou e se matou quem as defendia, acabaram se tornando o padrão da vida moderna, porque, mesmo com a censura tentando evitar sua circulação, a verdade possui uma força de convencimento insuperável no longo prazo).
É claro que, em casos extremos, a liberdade de expressão pode levar ao risco de se corroer a liberdade individual e a democracia, mas a alternativa a isso é o rei-filósofo de Platão, que nos diz que, se não sabemos escolher o que (na opinião dele) é melhor para nós, ele o fará.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, da editora Citadel, entre outros (compre aqui). Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.