Sacudiu as asas, como fazem os pássaros e… pulou no vazio. Alçou voo. Não como o mitológico Ícaro. Plainou como uma águia até o mais alto do seu ser, convicto da origem celestial de suas asas
24-11-2024 às 16h46
Anes Otrebla*
O camarada acordou cedo.
Sentia os lados dos ombros, bem naquele lugar onde se toma injeção muscular.
De repente, percebeu brotar dos seus lados algo como quando a semente de feijão morre para dar à luz a planta.
Assustado, achava estar a sonhar.
O camarada olhava ora para a direita ora para a esquerda.
Exercitava mesmo o pescoço porque não queria perder um segundo sequer do fenômeno.
Ele não sentia dor alguma.
Não havia sangue a escorrer.
Mas os músculos, tanto de um lado como do outro, se abriam.
Mostravam o vermelho da carne e o vermelho esbranquiçado dos nervos.
Exalava dali perfume cósmico, não se podia comparar o aroma a nenhum outro conhecido na Terra.
O coração dele batia acelerado porque jamais imaginara o que acontecia com ele.
Encabulado com o fenômeno, o camarada até pensou chamar alguém, mas logo desistiu da ideia. Podia ser que se alguém viesse interrompesse o fenômeno e ele queria saber onde aquilo tudo ia chegar.
Procurou se acalmar e passou a sentir uma sensação misteriosa, um êxtase nunca sentido, nem naqueles dias de menino levado a correr por todos os cantos, em alta velocidade, ao ponto de entrar, talvez, numa outra dimensão.
Aos poucos foram brotando dos lados dos ombros dele algo branco parecido com penas.
Já não entendia nada e passou a entender menos ainda o que se passava, mas, já acalmado pela sensação de êxtase, o camarada continuou a exercitar o pescoço para um lado e para o outro,
Com a evolução do fenômeno, ele viu sair-lhe uma pena branca de um lado e outra do outro lado. Veio mais uma. Veio outra e várias surgiram em alta velocidade.
Ganharam forma de asas.
Sim, eram autênticas asas! Ele ficou a pensar, abestado com tudo aquilo.
Ao se conscientizar de que, sem explicação nenhuma, lhe surgiu um par de asas, ele simplesmente sacudiu-as como fazem os pássaros.
Sentiu o vento gostoso provocado pelo bater de asas.
E sem ser visto por ninguém, pois àquela altura, se alguém o visse não iria entender nada, tomou o elevador e subiu até o último andar.
Pé ante pé, venceu os degraus de acesso a área de lazer.
Contemplou a vista da cidade dali de cima.
Subiu na mureta de proteção e ficou em pé nela.
Olhou para um lado e para o outro.
Sacudiu as asas, como fazem os pássaros e… pulou no vazio. Alçou voo. Não como o mitológico Ícaro.
Plainou como uma águia plaina até o mais alto do seu ser, convicto da origem celestial de suas asas
*O autor é escritor e aprendiz da vida