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Platão em sua academia ensinando aos seus discípulos - créditos: divulgação
23-02-2025 às 09h09
Marcelo Galuppo[1]
Não vou dizer que todos conheçam o afresco A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, não porque acredite que todos o conheçam, mas porque acredite que não precisamos todos conhecer as mesmas coisas (o mundo é muito vasto, e os objetos da cultura também). Mas se você não o conhece, procure-o com seu celular, basta escrever Escola de Atenas que o buscador vai indicar centenas de sites que o reproduzem. Abra uma das imagens, e busque pelo nicho à direita, no qual está a deusa Atena, segurando uma lança na mão direita e um escudo na esquerda. Sob seu pé direito, um rapaz, com uma perna cruzada sobre a outra, escreve em um livro, apoiado em sua coxa. À sua esquerda, um homem inclina-se para ver seu trabalho. Este grupo é chamado de O Mestre e o Discípulo (e se você pensa já ter visto essa imagem em outro lugar, provavelmente está certo: procure pela capa do álbum Use Your Illusion, da Guns and Roses).
Eles representam o ensino da Filosofia, que não é apenas uma disciplina, mas uma jornada compartilhada em busca da verdade. No livro VII da República, Platão diz que “os pesquisadores precisam de um mestre, sem o qual não farão nenhuma descoberta”.
É difícil estudar a Filosofia sozinho, em primeiro lugar porque estudá-la é mais do que conhecer suas escolas: é aplicar de modo rigoroso as teorias à realidade em que se vive, o que exige treinamento. Em segundo lugar, porque sem um mestre é impossível escolher, na profusão de obras filosóficas, aquelas que podem nos formar, não pelo acúmulo de ideias, mas pelo esforço da mente em compreendê-las. Em terceiro lugar, porque a compreensão de muitas obras depende de um saber que não está contido nelas.
Isso não quer dizer que você deva desistir de estudá-la, se não tem tempo para matricular-se em um curso regular. Se estiver disposto a iniciar-se por conta própria nessa busca, a porta de entrada é sempre Platão (Whitehead dizia que toda a história da filosofia é uma série de notas de rodapé a ele). A obra fundamental é A República, uma síntese de vários aspectos de seu pensamento. Depois, Aristóteles, autor bem mais difícil (dentre outras razões porque seus livros são notas de aula, e não textos para o grande público), mas também incontornável. Seria necessário ler a Ética a Nicômaco, que investiga como deliberamos sobre o que é o correto em nossa ação (idealmente deveria se ler também a Metafísica, mas é uma obra bem difícil para quem o faz desacompanhado).
Prossiga com Descartes, outro autor que escreve bem, como Platão, sendo fundamentais as Meditações, e Spinoza, com sua Ética, obra difícil, mas belíssima em sua concepção. As Investigações sobre o entendimento humano, de Hume (se não tiver tempo para ler seu Tratado da Natureza Humana) vêm na sequência. Esses cinco autores representam posições muito diferentes na história da disciplina, e dão uma boa visão de conjunto de pouco mais de 2.000 anos de pensamento.
Continue com Kant, mas saiba que suas obras mais importantes, a Crítica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática, são difíceis para quem as lê sozinho. Felizmente elas podem ser substituídas por duas outras (um pouco menos difíceis), os Prolegômenos a toda metafísica futura que queira se apresentar como ciência e a Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Nos últimos duzentos anos, as coisas se complicam (leia minha coluna de 29/09/2024). Eu saltaria Hegel (e sua Fenomenologia do Espírito) e partiria para Friedrich Nietzsche (nunca o Zaratustra, dificílimo, apesar de parecer o contrário, mas provavelmente o Crepúsculo dos Ídolos) e Sigmund Freud (as Conferências Sobre a Psicanálise, para os fundamentos, e depois o Mal estar na civilização, para aplicação do método à análise da cultura) e, para conhecer a filosofia de língua inglesa contemporânea, O Utilitarismo, de John Stuart Mill, e os Principia Ethica, de George E. Moore (Ludwig Wittgenstein e John Austin são bem mais importantes no campo da chamada Filosofia Analítica, mas você provavelmente achará o livro de Moore mais interessante). E, para a filosofia francesa, As palavras e as coisas, de Foucault.
Haverá quem reclame da ausência de obras importantes (a começar pelas de Hegel, e também de Ser e Tempo, de Martin Heidegger, mas trata-se de obras muito difíceis: costumo dizer que se o autor for alemão, e seu sobrenome se iniciar pela letra H, trata-se de autor obscuro, quase hermético). Toda lista é potencialmente infinita, e apenas indiquei obras que possam ser compreendidas por quem quer conhecer sozinho a Filosofia Ocidental. Esse último adjetivo marca um limite da lista, mas isso é outra história.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, pela Editora Citadel, dentre outros. Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.