Um trabalho digno é mecanismo de proteção social e, para isto, é necessário: justa remuneração, ambiente de trabalho decente, seguro, sem assédios ou riscos à sua saúde física ou mental.
14-11-2024 às 07h:40
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Este texto não pretende defender que trabalhar é ruim, ao contrário, pode ser objeto de grande prazer e satisfação e é que ocorre com esta colunista neste momento.
Fazer o que se gosta é um privilégio!
Um trabalho desenvolvido em condições de decência permite a construção da identidade do sujeito, o trabalho que se integra à vida do ser humano e lhe agrega valor é subsídio para o desenvolvimento de uma vida plena, realizada e feliz.
Quando a relação produtiva não é de exploração do trabalho alheio, quando o labor se desponta como algo que se desenvolve num contexto de uma relação que não coloca em xeque a condição humana e fragiliza o trabalhador, quando este deixa de ser mero instrumento, mas se realiza com o que faz, quando recebe remuneração justa, o trabalho passa a ser mecanismo para a realização pessoal e social.
Quando os contornos do trabalho exercido levam à construção do trabalhador enquanto sujeito e lhe propiciam uma identidade social, ética e humana, o significado principal do trabalho é alcançado.
Um trabalho digno é mecanismo de proteção social e, para isto, é necessário: justa remuneração, ambiente de trabalho decente, seguro, sem assédios ou riscos a sua saúde física ou mental. Quando alcançadas estas condições o trabalhador deixa de ser apenas e tão somente sujeito de direitos à sobrevivência biológica, mas, para além, se integra a uma vida decente em sociedade, tem tempo de lazer, de ócio criativo e não criativo, de descanso. Possui tempo para pensar, meditar, contemplar.
Direito social a um trabalho digno pressupõe condições de consumir não apenas o básico, mas de se integrar à sociedade. Possui tempo de lazer e tempo livre. Tempo de liberdade para construir pensamentos, reflexões e a sua identidade. Tempo para cuidar da saúde física, mental e espiritual. Superar a si mesmo enquanto fim e transbordar de possibilidades, sendo quiçá, instrumento voltado ao outro, podendo, caso queira, atuar em algum serviço social ou prática humanitária.
É preciso superar a mera falácia que: “mente vazia é oficina do diabo”. Pode ser e pode não ser. Pode ser uma mente vazia voltada à meditação, ao descanso. É preciso uma releitura sobre o tempo na sociedade capitalista. É indispensável tempo para reflexão, estudo, descanso, meditação e trabalho. Não apenas trabalho.
O homem, enquanto sujeito, concretiza a sua identidade social ao ter possibilidade de socialização plena, ao ter tempo livre para dedicar-se ao que julgar adequado, que possa ter tempo livre como condição de possibilidade para uma vida mais reflexiva, se integrar a um trabalho comunitário, um ócio contemplativo da natureza, viajar a lazer, usufruir de uma caminhada ao ar livre, ter meios para consumir supérfluos e não apenas o básico. Ter uma vida de possibilidades e recursos múltiplos.
Trabalho digno não pode ser mero palavrório bonito que não reflete a realidade no mundo dos fatos. Trabalho decente pressupõe inclusão social, pois trabalhar não pode ser mecanismo de sujeição, mas sim, instrumento capaz de propiciar o gozo de direitos.
Como diria Bertrand Russell, em sua obra: “Elogio ao Ócio”, o trabalhador deve ter assegurado o direito de satisfazer suas necessidades básicas, usufruir de confortos e que depois sobre tempo para usar como lhe aprouver.
O direito à vida e à subsistência devem ser condição básica.
Que o trabalho seja elemento de integração social e de construção e uma identidade, que o sujeito se realize ao executar seu labor.
É indispensável proteger o trabalho e o “não trabalho”. Que o cidadão que trabalha oito horas diárias, possa, num futuro próximo, laborar menos e que seja possível com a remuneração auferida pagar pela sua alimentação, moradia e financiar seu lazer: viajar, sonhar, concretizar planos e um projeto de futuro.
Só para citar algumas obras que tratam do Direito ao “não trabalho”, tem-se: “O Direito à Preguiça” do Paul Lafargue, “O Elogio ao Ócio” do Bertrand Russell e o “O Ócio Criativo” do Domenico De Masi.
Até na Bíblia, após o trabalho, descansa-se. Trabalho não pode causar, dor, miséria, ao contrário, deve proporcionar prazer, contentamento, orgulho. Propiciar ganho financeiro real por parte do trabalhador. Quem vende sua força de trabalho, vende a si mesmo enquanto mercadoria para perceber um valor e com este suprir suas próprias necessidades e dos seus. Trabalho deve ser oportunidade para melhorar de vida. Não suplício.
Para se ter mais postos de trabalho que se reduzam as jornadas. Mais dedicação nas horas trabalhadas e menos horas de trabalho. Pois o desgaste incapacita, leva o sujeito ao esgotamento. É preciso potencializar a ideia de caminho do meio, da ponderação,
trabalhar sim, um pouco, não até o esgotamento completo do trabalhador. O ócio como complemento ao trabalho. Direito ao Trabalho e ao Ócio.
A sociedade hodierna deve se orientar por valores outros que não apenas o lucro, valorizando o relaxamento, a meditação, o lazer.
Que o trabalho lucrativo se faça também para o trabalhador, com possibilidade de consumo para além do imprescindível à subsistência. Desta feita, seja possível com a remuneração auferida pelo trabalho encontrar a alegria do lazer.
Para além, deve haver tempo livre de todos para que possam se dedicar à leitura, sendo-lhes incentivado o ócio reflexivo. Também, tempo para que desenvolvam o senso estético que passa pela possibilidade da observação, da visitação a museus, exposições de arte.
É lugar comum, se associar o ócio a vícios e trabalho à virtude. Mas horas de descanso são necessárias. Que se tenha tempo de qualidade para lazer, leitura, contemplação. Confortos devem ser usufruídos por todos.
Não se pretende com este artigo negar a realidade. Trabalhar é preciso, a vida se faz também na práxis, na prática, no terreno da objetividade, somos preparados para trabalhar, o que se propõe é não se negligenciar o tempo livre, o lazer, ter tempo de qualidade. O trabalho enquanto complemento da vida e não enquanto único objetivo.
A Sabedoria Zen, diz que quanto menos houver a sensação de separação entre trabalho e recreação, entre mente e corpo e quando tudo for executado com excelência sem uma distinção entre trabalho e lazer a vida se realiza de modo mais pleno e integrado.
Tempo livre tem a ver com viagens, cultura, estética, repouso, esporte, ginástica, meditação, reflexão, oração, balançar-se numa rede, fazer compras que lhe façam sentido, ir à praia, estar com quem se ama. Ter tempo de qualidade para as atividades rotineiras ou não. Não estar alienado, correndo feito maluco, atordoado. Ter tempo para a reflexão, a contemplação, os estudos, a arte. É trabalhar e brincar, se formar e recriar.
Por fim, que trabalhem todos, trabalhem menos e se divirtam também! Cultura e lazer para todos. Um brinde ao trabalho e ao “não trabalho”, pois a revolução se faz pelo equilíbrio. Nem tanto lá, nem tanto cá. Eis o tempo de pensar. Boa leitura, Boa reflexão!
(Doutora, Mestra e Especialista pela UFMG. Atualmente, realiza Estudos Pós-Doutorais pela também UFMG, com financiamento público da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Professora convidada no PPGD-UFMG (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais). Pesquisadora com ênfase nos estudos sobre o Direito do Trabalho, Filosofia do Direito e Linguagem)