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14-03-2025 às 10h00
Rodrigo Marzano Antunes Miranda*
O destino, pelas generosas mãos do Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), Durval Ângelo, reservou-me a elevada e desafiadora missão de assumir a direção da Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo. Este espaço, um verdadeiro belvedere privilegiado, nos permite contemplar, com um olhar que une passado e futuro, as fontes de inspiração para a ação reformista e transformadora que se espera do Estado no alvorecer do século XXI. Em um momento em que a ousadia aventureira parece pregar, com certa ligeireza, não mais o fim da História, mas a substituição do real pelo virtual, é crucial lembrar a sábia lição hegeliana: “só o real é racional, e só o racional é real”. Esse pensamento serve como um alerta contra a desconexão com a realidade, reafirmando a importância de bases sólidas e racionais para a construção de um futuro verdadeiramente democrático e ético.
Frente a esse novo desafio, nesta coluna, traços algumas reflexões sobre a intrínseca relação entre a formação em Ciências do Estado, curso ofertado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e os Tribunais de Contas, dialogando com a publicação do artigo seminal do Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado na Revista do TCEMG, intitulado O Estado Ético e o Estado Poiético. Esta obra, que já completou 25 anos de publicação, destaca-se como o artigo mais influente e disseminado da história da Revista, marcando um momento crucial na reflexão sobre Teoria e Filosofia do Estado. O Prof. Dr. Salgado (1998), então assessor jurídico da presidência da Corte de Contas mineira, a partir de uma perspectiva hegeliana, projeta a concepção do Estado Ético Racional, Constitucional e Democrático como o efetivo caminhar do absoluto na história. Cabe enfatizar que a escrita e publicação desse artigo ocorre em um contexto de um violento sentimento de “estatofobia”, que inundava a década de 1990 e todo o século XX, cujas repercussões vivemos ainda hoje na contemporaneidade.
Ao endossar a publicação dessa obra, o TCEMG não apenas efetuou um ato editorial, mas declara, com coragem institucional e cívica, um posicionamento institucional que reforça o seu compromisso com o Estado brasileiro. Nesse sentido, como integrante do Sistema de Tribunais de Contas do Brasil, o TCEMG mostrou que não se furta ao seu dever de defesa do Estado Ético, Racional, Constitucional e Democrático, reforçando seu comprometimento com a declaração e a realização dos direitos fundamentais, de maneira que reafirma sua condição de guardião da moralidade, sem a qual não há como falar-se em Estado Democrático de Direito.
O debate inaugurado pela publicação do artigo do Prof. Dr. Salgado (1998) influenciou profundamente o universo acadêmico, uma vez que o jusfilósofo mineiro ocupou, na sequência, a prestigiosa direção da vetusta Casa de Afonso Pena, a Faculdade de Direito da UFMG. No contexto em que ocupou essa posição de destaque, e com a coragem cívica que lhe é peculiar, o professor não hesitou em aproveitar a oportunidade oferecida pelo programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) para criar o curso de Ciências do Estado. Essa iniciativa resgatou a histórica vocação daquela ilustre Instituição de formar estadistas para Minas Gerais e para o Brasil, ao mesmo tempo em que estabeleceu uma base teórica robusta para enfrentar os desafios contemporâneos da administração pública.
A criação do curso, em um período de forte ceticismo em relação ao papel do Estado, demonstra a visão prospectiva do Prof. Dr. Salgado, que levou à transformação da Faculdade de Direito em Faculdade de Direito e Ciências do Estado. A emergência do profissional de Ciências do Estado é pertinente diante dos variados e complexos desafios que a gestão pública enfrenta hoje. Esse movimento acadêmico encontra eco nas práticas inovadoras implementadas pelo Sistema de Tribunais de Contas através do Instituto Rui Barbosa, a casa do conhecimento dos Tribunais de Contas. O Instituto, por meio de um conjunto de índices de mensuração da qualidade das políticas públicas, caminha célere para o resgate da imprescindível cultura de planejamento, destacando que não é suficiente apenas uma avaliação quantitativa e formal.
Diante desse quadro, gostaria de destacar a relevância da implementação de mecanismos de avaliação qualitativa das políticas públicas para avançar no processo de controle de contas, garantindo a efetividade, eficácia e eficiência das ações estatais. A formação de cientistas do Estado converge com a necessidade de especialistas que reúnem a qualificação para atuar no controle estratégico de contas. Nesse sentido, é ainda importante mencionar que a formação desse profissional abrange competências em planejamento estratégico e avaliação de riscos, respondendo à crescente demanda por profissionais qualificados para atuar no controle interno da administração pública em todos os níveis da federação.
A publicação do artigo O Estado Ético e o Estado Poiético marcou o início de um movimento que hoje culmina na necessidade de profissionais de Ciências do Estado, capazes de atuar no complexo cenário da administração pública. Esses especialistas são peças-chave para garantir a eficiência do Estado na realização dos direitos fundamentais e na promoção do bem-estar social. O conceito de Estado Ético, inspirado em Hegel e desenvolvido pelo Prof. Dr. Salgado, defende um Estado que realiza a liberdade concreta dos indivíduos por meio de uma ordem jurídica. Nesse contexto, o profissional de Ciências do Estado surge como o “operário” essencial para efetivar esse ideal, mediando a tensão entre o ético e o poiético (técnico-burocrático). Isso porque esses profissionais atuam como mediadores entre o público e o privado, integrando conhecimento técnico e visão política para promover o bem comum. Destaco ainda que sua formação abrange planejamento estratégico e avaliação de riscos, habilidades cruciais para o controle interno da administração pública nos três níveis federativos.
Considerando a necessidade da formação de quadros capazes de trabalhar com instrumentos de planejamento estratégico e avaliação de riscos, o desafio de qualificar e aperfeiçoar o cientista do Estado em controle estratégico de contas significa apostar na qualificação de profissionais aptos a responder à demanda urgente do controle interno da administração pública. Essa iniciativa representa o encontro entre a tão necessária formação técnica e a indispensável politicidade na gestão pública profissionalizada. Esse se constitui no mais estimulante desafio à missão constitucional pedagógica do Sistema Tribunais de Contas.
Por fim, enfatizo que a formação de profissionais com perfil de atender as necessidades do controle estratégico de contas constitui-se como missão pedagógica do Sistema de Tribunais de Contas, que deve não apenas fiscalizar, mas também capacitar gestores públicos. A atuação desses profissionais é fundamental para evitar que o Estado se torne um mero aparato burocrático, garantindo que o aparato estatal seja um organismo responsivo às necessidades da sociedade. Em um momento de desafios complexos na gestão pública, ainda gostaria de destacar que a valorização e a formação de cientistas do Estado são essenciais para a construção de um Estado verdadeiramente ético, eficiente e alinhado aos ideais democráticos.
Para saber mais:
• SALGADO, Joaquim Carlos. O Estado Ético e o Estado Poiético. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, [S. l.], v. 26, n. 1, p. 1-12, 1998.
*Rodrigo Marzano Antunes Miranda é doutorando do Programa de pós-graduação em Cidadania, Direitos Humanos, Ética e Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de Barcelona. Diretor da Escola de Contas Professor Mauricio Aleixo do TCEMG. Integrante do grupo de pesquisa em Estudos Estratégicos Raul Soares de Moura da UFMG.