
No radar das empresas estão a inclusão de resíduos sólidos urbanos (RSU) na contratação de energia nova - créditos: Orizon
06-09-2025 às 09h39
Sebastião Carlos Martins*
O Brasil vem se posicionando cada vez mais como protagonista na corrida global pela transição energética. Apostando em fontes renováveis e biocombustíveis, o país demonstra capacidade não apenas de atender sua própria demanda, mas também de se tornar um fornecedor estratégico para o mundo. Tecnologias como biodiesel, etanol de segunda geração (2G), SAF (combustível sustentável de aviação) e hidrogênio verde estão no centro dessa transformação, apoiadas em estudos de viabilidade robustos e modelagens probabilísticas capazes de oferecer segurança a investidores e financiadores.
Para a efetiva viabilização destes projeto, conforme demonstramos, há, entretanto, a necessidade de que lhes sejam concedidos isenções de alguns impostos e incentivo de complemento de receitas para seus produtos mais relevantes, biodiesel, etanol de segunda geração (2G) e SAF, assim como ocorreu nos prenuncios dos projetos de fotovoltaicas e eólicas. Tais isenções e incentivos são práticas correntes nos países extrangeiros, e, no Brasil não poderia ser diferente.
A principal questão refere-se ao período de vigência das isenções e incentivos, uma vez que dependem de concessão dos entes tributários e podem ser revogados por decisões políticas, o que gera insegurança aos investidores. Por essa razão, é fundamental que tais benefícios sejam estabelecidos por leis específicas com prazos pré-definidos. Sempre que possível, recomenda-se incluir os projetos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), no caso de tributos de natureza federal. Já o ICMS permanece sujeito às decisões estaduais, enquanto o ISS é de competência municipal. Dessa forma, busca-se reduzir significativamente os riscos associados a esses empreendimentos.
Biodiesel: energia limpa e impacto social
Um dos destaques é a análise de uma Unidade de Recuperação de Energia (URE) de 2.300 toneladas/dia de resíduos sólidos urbanos (RSU), de Investimento estimado em US$ 171,93 milhões, projetada para produzir biodiesel, eletricidade e alimentos. Os números impressionam: TIR superior a 28% e payback em pouco mais de seis anos. Mas não é só a rentabilidade que chama atenção — o impacto social é significativo, com geração de empregos, redução de aterros e inclusão de catadores em cadeias produtivas.
Etanol 2G: lições do passado
Outro capítulo analisa a produção de etanol celulósico a partir de 500 toneladas/dia de biomassa de cana, de investimento estimado de R$ 500,00 milhões. A sensibilidade da TIR a variáveis como preço do etanol e produtividade da biomassa deixa claro o peso da gestão de riscos. O estudo também revisita o fracasso da Raízen (vídeo) em suas apostas em escala, que, sem a devida análise probabilística — como a Simulação de Monte Carlo — acabaram por subestimar riscos críticos de preço, CAPEX e logística. O resultado foi a inviabilidade de projetos que pareciam promissores.
SAF: combustível estratégico da aviação
Na aviação, o SAF desponta como solução ambiental e econômica. O estudo analisa plantas de 500 toneladas/dia de RSU, de investimento estimado de R$ 1,00 bilhão, com Taxa Interna de Retorno (TIR) da ordem de 22%, ressaltando não apenas sua atratividade financeira, mas também sua viabilidade comprovada mesmo em cenários conservadores. A proposta é descentralizar unidades próximas a aeroportos, reduzindo custos logísticos e emissões. A análise também chama atenção para o colapso da Fulcrum BioEnergy nos EUA, evidenciando os riscos de projetos mal planejados e a importância da modelagem adequada.
Hidrogênio verde: a nova fronteira
Considerado vetor essencial para descarbonizar setores industriais e de transporte pesado, o hidrogênio verde surge como pilar estratégico. Produzido a partir de 200 ton/dia de RSU por eletrólise da água, tecnologia já dominada, com investimento estimado em R$ 100,00 milhões, apresenta riscos reduzidos de implementação. O Brasil tem vantagens competitivas únicas: uma matriz elétrica limpa e abundância de recursos renováveis, permitindo custos projetados entre US$ 1,50 e 2,00/kg. A atratividade financeira é clara, com TIR entre 15% e 22% e payback de até nove anos, posicionando o país como potencial exportador global em cadeias de amônia verde e combustíveis sintéticos.
Fertilizantes organominerais: independência e rentabilidade
Outro ponto estratégico é a produção de 63 ton/dia de fertilizantes organominerais a partir da combinação de 120 ton/dia de resíduos urbanos (RSU, podas e outros), dejetos de bovinos, suínos e outros e minerais carbonosos, resultando num investimento da ordem de R$ 70,00 milhões. Com ROI acima de 20% e TIR superior a 45%, o modelo reduz drasticamente a dependência brasileira de fertilizantes importados, fortalecendo o agronegócio e trazendo retorno em prazos curtos.
Energia elétrica a partir de RSU
As soluções WTE (Waste-to-Energy) também mostram sua força. Um projeto de 180 toneladas/dia de RSU com investimento da ordem de R$ 75,00 milhões, voltado à geração elétrica, alcançou TIR próxima de 50% e payback em apenas três anos. Além da viabilidade econômica, destaca-se a redução de aterros e a geração de energia limpa.
Síntese e visão estratégica
O fechamento do estudo reforça a importância da Simulação de Monte Carlo como ferramenta indispensável para avaliar riscos, validar rentabilidade e atrair investidores. Os projetos analisados demonstram não apenas elevada atratividade financeira, mas também relevância estratégica para a transição energética, redução de emissões, fortalecimento da soberania nacional e promoção de justiça ambiental.
O papel das políticas fiscais e incentivos
Com este livro, o autor deixa claro a necessidade de concessão de isenções, incentivos e regulamentações adequadas como fator decisivo para viabilizar empreendimentos de energia limpa. A experiência internacional e nacional demonstra que tais medidas não são custos, mas investimentos em um futuro sustentável, com geração de empregos e desenvolvimento econômico-social justo.
A Curva de Laffer ilustra bem esse raciocínio: aumentar impostos não significa necessariamente arrecadar mais. Após certo ponto, a elevação da carga tributária gera desestímulo à produção, retração de investimentos e fuga de capitais. O resultado é menor crescimento, mais desemprego e perda de dinamismo econômico.
Os efeitos negativos da busca por arrecadação via aumento de alíquotas são conhecidos:
• Redução de investimentos produtivos;
• Migração de capitais para aplicações financeiras de curto prazo;
• Crescimento da evasão fiscal e da informalidade;
• Aumento do desemprego estrutural.
Em contrapartida, a redução equilibrada das alíquotas estimula a atividade econômica, amplia a base tributária e cria um ambiente mais favorável ao desenvolvimento sustentável.
No setor de energias renováveis, os exemplos são claros. A fase embrionária das fontes fotovoltaica e eólica só ganhou força graças a políticas de isenção e incentivos fiscais, que reduziram o CAPEX, estimularam a inovação tecnológica e tornaram essas fontes competitivas frente aos fósseis.
Para que esse ciclo virtuoso se mantenha, é preciso uma política fiscal ajustada ao ciclo de vida dos empreendimentos, com incentivos mantidos até a maturidade e retirados de forma gradual. Também é indispensável adotar procedimentos regulatórios previsíveis e menos burocráticos, de modo a acelerar licenciamentos e reduzir entraves administrativos.
Por fim, o texto lança um chamado à classe política: é hora de superar interesses partidários e agir em benefício do país. Políticas públicas devem estar orientadas ao desenvolvimento social, à criação de empregos e à melhoria da renda. Só assim será possível consolidar o Brasil como líder global na transição energética, unindo crescimento econômico, preservação ambiental e inclusão social.
*Sebastião Carlos Martins é engenheiro scm.sistemas@gmail.com