Mar avança em processo acelerado de salinização da foz do Rio Amazonas - crédito: BNC Amazonas

09-11-2025 às 11h31
João Capiberibe (*) De Macapá para Redação do DM
Aos Excelentíssimos Senhores
Presidente da República Federativa do Brasil
Governador do Estado do Amapá
Governador do Estado do Pará
Assunto: Ameaça iminente de salinização das águas na foz do Rio Amazonas
Excelentíssimos Senhores,
Nasci no rio Charapucu, na Ilha de Marajó. Meu amigo Paulo Mota Rocha nasceu na Ilha do Franco, no Arquipélago do Bailique. Somos filhos da foz do Rio Amazonas. Desde a infância convivemos com a imensidão das águas e da floresta, íntimos dos ciclos da natureza, mas também testemunhas das rápidas e profundas mudanças que vêm ocorrendo nessa região tão frágil quanto estratégica para o Brasil e para o mundo.
Em nossas últimas conversas, temos compartilhado a preocupação crescente com a intrusão de água salgada no Rio Amazonas. Esse fenômeno, intensificado pelo aquecimento global, que provocou a elevação do nível do mar, já compromete a vida de comunidades inteiras no Arquipélago do Bailique e no Marajó. Em 2018, pela primeira vez, moradores de Itamatatuba ficaram sem água doce para beber. Desde então, o avanço da salinização tem sido implacável: alcançou Jupati, Mamão, Uruá, a foz do Macacoari e segue rio acima a cada estiagem.
A pergunta que não quer calar é: quando o Golfo Macapá–Marajó se tornará mar?
Nós, moradores e observadores atentos, estimamos que, em poucos anos — cinco, seis, talvez —, esse processo se torne realidade. A ciência poderá precisar com maior rigor, mas o alerta é inequívoco: a água que abastece nossas cidades está sob grave ameaça.
Os impactos sociais e econômicos serão devastadores. Em Macapá e Santana, quase metade da população é abastecida pela rede da CSA (Companhia de Saneamento do Amapá), cuja captação é feita diretamente no rio. No Marajó, a situação é ainda mais dramática: 100% dos habitantes dependem da água doce do Amazonas. Se nada for feito, mais de um milhão de pessoas podem ficar sem acesso à água potável.
Em ilhas e comunidades ribeirinhas não há fontes alternativas próximas. Isso significará deslocamento forçado, insegurança alimentar, perda de modos de vida tradicionais e um colapso ambiental e humanitário de dimensões inéditas na Amazônia.
É preciso agir. A intrusão de água salgada na foz do Rio Amazonas não é mais previsão distante; já atinge nosso povo e, em breve, poderá atingir nossas capitais amazônicas.
Por isso, solicitamos, com urgência:
• a mobilização imediata de estudos científicos e a implantação de monitoramento permanente da salinização das águas;
• o planejamento de medidas de segurança hídrica para as populações vulneráveis, com alternativas de abastecimento de água potável;
• a articulação de uma resposta conjunta entre os governos federal, estaduais e municipais, com participação efetiva das comunidades locais, para enfrentar essa tragédia anunciada.
Nós, filhos da foz do Rio Amazonas, não pedimos favores. Pedimos ação. A Amazônia não pode mais esperar.
Respeitosamente,
João e Janete Capiberibe
Macapá – Amapá
(*) João Alberto Capiberibe foi prefeito de Macapá, governador do Amapá e Senador da República

