
Benedito escapou do envenenamento e de um assassinato - Parque municipal de Belo Horizonte - créditos: pmb
14-09-2025 às 08h48
Rufino Fialho Filho
1.
Um ano depois e o Caso do Parque sem solução. Um homem assassinado no Parque Municipal Américo Renée Giannetti, em Belo Horizonte. Uma única pista: o assassino falava espanhol, seria um argentino. A motivação teria sido ciúmes. Nada além disso, enquanto a imprensa cobrava, a polícia se via perdida.
2.
Na Polícia Militar de Minas Gerais, o capitão Altino Machado, era apontado como um delegado eficiente e que não permitia papéis parados. Nem crimes sem solução. Esta já era a sua principal qualidade comprovada em todas as delegacias do interior sob a sua chefia, numa época em que os policiais militares acumulavam a função de delegados de polícia.
3.
A diferença entre ele e os outros policiais civis e militares era a sua relação com o governador do Estado, Benedito Valadares. Já estávamos na década de 40 do século XX. No final dos anos 20 e início dos anos 30, marcados pela Revolução de 1930, Benedito Valadares fora preso várias vezes por um único policial: o tenente Altino Machado, agora capitão.
4.
O país estava dividido entre as forças federais e os Estados. “Quem mandava prender Benedito Valadares era o secretário de Estado do Interior e Justiça do Estado de Minas Gerais , Zezinho Bonifácio, que procurava conter a índole baderneira do advogado e dentista Benedito Valadares”.
O tenente Altino Machado era chamado porque era “forte, treinador de lutas marciais e instrutor da polícia e jamais ultrapassava a sua função, não cometendo nenhuma violência contra os presos políticos ou não”.
“Ele não admitia policial torturador”.
Assim, o autor das prisões de Benedito Valadares, que se tornara governador do estado de Minas Gerais, o tenente Altino Machado jamais fora promovido. Sua promoção a capitão levou 12 anos.
5.
O governador Benedito Valadares queria esclarecer a tentativa de assassinato de que fora vítima em sua própria casa, em Pará de Minas. Era mais um caso policial misterioso e sem solução. Nenhum responsável fora identificado pelo envenenamento. Como o Caso do Parque há mais de um ano parado.
Só que a tentativa de assassinato do governador não se tornara público e nenhum jornal tivera acesso aos fatos. A censura era rigorosa e a ditadura de Vargas vivia seu ponto mais alto.
6.
O comando da PM aconselhava o governador a entregar este “crime delicado”, por envolver familiares do chefe de Estado, ao capitão Altino.
7.
“Se este capitão é competente mesmo entregue, primeiro a ele, o Caso do Parque. Depois que o criminoso, o argentino, for preso, chamem o Altino para conversar comigo”.
Os coronéis ponderaram. “Governador, o suspeito é argentino. Não está no Brasil. Não está na Argentina. A informação é de que talvez esteja em Punta del Este, no Uruguai’.
Benedito não recuou.
– Antes da minha conversa com o capitão que ele solucione, primeiro, o Caso do Parque.
Silêncio.
– Como este capitão teria mais competência para solucionar meu caso se já estiveram em Pará de Minas os cinco melhores coronéis da nossa Polícia Militar, com todas as condições materiais e de pessoal?
– Agora, se o capitão prender o assassino do parque, ele investigará Pará de Minas
8.
Todas as informações até, então, apuradas sobre o Caso do Parque, foram passadas ao capitão e, em seguida, obteve permissão para voar ao Uruguai em seu próprio avião.
“Tudo pronto, combustível liberado, avião checado, fui para o Aeroporto da Pampulha. Das mais de 20 descrições do argentino consegui compor um perfil físico aproximado e, não tinha nem 15 dias para ler o inquérito. No caminho do aeroporto, passei por um homem que poderia ser o argentino. Pura intuição. Voltei e o acompanhei até um bar. Eram grandes as possibilidades de ser a mesma pessoa. Estabeleci uma conversa paralela que ele pudesse ouvir. Disse que seguiria para a Argentina naquela tarde. Falei das escalas que faria no Brasil e no Uruguai. Percebi ele atento. Expliquei detalhadamente os negócios que esperava fechar em Maldonado antes de Buenos Aires. Ele não falava nada. Bebia apenas. Quando levantei para sair, ele me acompanhou e falou. Falou em espanhol e perguntou se eu poderia levá-lo comigo. Eu disse que voaria sozinho e que uma companhia seria uma boa. Ele disse que precisava ir com urgência a Punta del Este, viera de Maldonado, de onde chegara há menos de um mês. Sim, sim. Seria bom, não gosto de pilotar sozinho. Disse. Fomos ao hotel. Ele pegou a sua bagagem. Antes, expliquei, passaria no comando da polícia para pegar a liberação do voo. Ele poderia me esperar no hotel. Preferiu não perder tempo e me acompanhar, tínhamos que levantar voo a tempo de chegar em São Paulo onde faríamos a primeira escala e pernoitaríamos.
Também não assustou e nem demonstrou nenhuma surpresa quando, diante do coronel comandante, recebeu a voz de prisão.
O susto maior foi do coronel. Maior ainda quando sem nenhuma dificuldade revelaria a motivação do crime, traído por seu amante homossexual.
O coronel comandante não acreditava no desfecho sem que fosse necessária a viagem. Nem com a solução rápida de um crime de 18 meses atrás.
– Inacreditável, capitão.
O coronel recuou a cadeira para falar alto e que todos os oficiais que estavam na sala ouvissem:
“Agora, o governador Benedito Valadares não poderá recuar. O desafio é recente e continha um compromisso. Não há que mudar nada. Vamos ao Palácio da Liberdade”.
9.
O Almoço Maldito. No Palácio da Liberdade, o capitão Altino tomou conhecimento de que assumiria as investigações do crime de Pará de Minas. As pastas traziam na capa o título “O Almoço Maldito”. Mais de 10 pastas contendo depoimentos, relatórios, perícias.
10.
O Almoço Maldito havia sido a tentativa de assassinato por envenenamento do governador Benedito Valadares, em sua cidade, Pará de Minas, onde fora prefeito, durante um almoço. Seu irmão, atual prefeito sobreviveu depois de vários internamentos em hospitais de Belo Horizonte. Ninguém morreu, muitos tiveram intoxicação leve. Só um hospitalizado em estado mais grave.
Não havia suspeitos. A segurança do governador foi eficiente e conseguiu impedir uma tragédia na família.
– Capitão Altino Machado, o senhor terá todas as condições para o seu trabalho, terá tudo o que os outros tiveram: recursos, condições materiais e o pessoal que precisar. Amanhã, o Minas Gerais publicará sua designação para Pará de Minas. Já reservamos a condução e que vá imediatamente.
O capitão ponderou que não havia necessidade da publicação imediata, precisava estudar o inquérito, ouvir os outros investigadores e os coronéis que estiveram em Pará de Minas. Pediu um prazo de duas semanas e que não fosse publicado o ato da designação antes.
O governador concordou.
11.
Do Palácio da Liberdade ao alfaiate. Mandou fazer um terno de linho. Agendou os contatos e as entrevistas com os coronéis. Depois, então, seguiu, discretamente, vestido o seu terno de linho para Pitangui. Reserva no Grande Hotel, da dona Marta, uma das que prestaram depoimento. Ela é amante do irmão de Benedito e fora amante de Benedito, quando prefeito.
“É a preferência dela, o poder municipal”.
O capitão chegou a tempo do jantar no hotel onde se reuniam os viajantes. Todos vão para o hotel de Dona Marta. A qualquer tempo, no almoço e no jantar, comida quente e farta. Com o salão do restaurante do hotel mais vazio, chamou dona Marta.
– Vamos tomar um café?
Como tirar dela o que não teria sido revelado no depoimento sem demonstrar, imediatamente, seu interesse, sem revelar sua patente e nem seu verdadeiro trabalho ali.
Não era viajante. Não era vendedor.
Ao ouvir um viajante perguntar se ele, que ia para Pará de Minas, e observar que corria risco de envenenar almoçando lá, ele retomou a fala do viajante, querendo saber dela o que significava aquele “risco”.
Ela recusou continuar aquele assunto. “É uma bobagem”.
– Pelo menos aqui, em Pitangui, temos uma comida quente, muito boa, sem veneno. Parece que não é a mesma coisa em Pará de Minas.
Ele não chegara num carro da polícia e nem o precedera a publicação no Minas Gerais. Ganhara um bom tempo, podia ficar dois dias em Pitangui.
Iria a Pará de Minas tratar de uma demanda da Construtora Alvarenga com a prefeitura.
– É lá e cá, coisa rápida. Devo encontrar direto com o prefeito.
– Ele está de licença médica – disse dona Marta.
– O que houve?
– Parece que uma intoxicação violenta, já trata há bem tempo. Dizem que retoma o cargo esta semana.
12.
A partir daí, ela disse que falaria o que o povo sabe e comenta. Pediu reservas. Falou que o prefeito foi envenenado ou sofrera uma intoxicação violenta. Não sabiam ainda o que de fato acontecera. Ela já conversara com vários oficiais que passaram por Pitangui. Para o povo houve o envenenamento, muita gente passou mal. Diziam que o veneno fora colocado por uma mulher. Outras cinco pessoas estariam envolvidas.
– Quem era a mulher?
Naquela madrugada, ele conseguiu o nome da mulher. Era a mulher do prefeito.
O delegado municipal de Pará de Minas, o sargento Moacir Perdigão, parente do governador, é quem foi ouvir a mulher suspeita.
Na fazenda dela, a mulher reagiu. Muito valente, protegida pelo pai e por dois capangas, ela desafiou o delegado e três policiais militares.
Levaram a mulher e o pai para a cidade. Todos os foram identificados e prestaram depoimentos.
Ao se inteirar de tudo, o capitão mandou uma comunicação para o Palácio da Liberdade. O “Almoço maldito” estava resolvido.
O governador Benedito Valadares, em Pará de Minas, queria que todos os presentes no Almoço Maldito estivessem presentes.
Quem colocou o veneno no prato do governador foi o seu afilhado, filho do prefeito que, ao trocar os pratos, comeu a comida envenenada.
O afilhado de Benedito se lançou de joelhos diante dele e pediu desculpas.
O governador afastou-se e mijou na cara do rapaz. Depois teve que ser contido pois o agredia com socos e pontapés.
Voltou-se para o capitão:
– Leve-o e desapareça com ele. Mate. Esta praga não deve viver.
– Governador, apurei o crime. O senhor sabia que eu apuraria. Esta outra missão já não é mais comigo
– Capitão, esta é uma ordem. Mate este desgraçado
– Governador, não sou assassino. Comunico ao senhor que a prisão já foi autorizada pelo juiz. E eu sou responsável pela integridade física do prisioneiro.
– Pode deixá-lo aqui com o nosso delegado de Pará de Minas.
O governador insistia e o capitão ponderou:
– Governador, a execução do prisioneiro cairá no seu colo. Não apenas como mandante também como cúmplice de um homicídio
– Eu sou o governador.
– E eu serei a testemunha de um crime. Não serei cúmplice. Isto é um crime anunciado. Voltarei hoje para a capital e o prisioneiro seguirá comigo.
– Tudo o que quero é evitar um escândalo envolvendo a minha família
– …
– … Até hoje a imprensa não tomou conhecimento do que aconteceu aqui.
– É um caso em segredo de justiça e quem terá autoridade sobre isto será o juiz, disse o capitão Altino.
– Então, leve o prisioneiro com o senhor para Figueira do Rio Doce.
O capitão voltou para Belo Horizonte e naquele dia nasceu sua primeira filha com Dona Aurita Machado, Julieta Machado.
Com o capitão Altino Machado, o sobrinho do governador foi para Figueira do Rio Doce, hoje Governador Valadares, onde viveu até morrer aos 90 anos.
Ele nunca foi condenado.
E não teve julgamento.
Três anos depois, em 1945, com o fim da ditadura acabaram os governos de
Getúlio Vargas e Benedito Valadares