
Revoluções, dentre muitas, a de 1930 - créditos: Quizur
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13-04-2025 às 08h48
Wilson Cid (*)
É indispensável que se observe o que muitos historiadores contemporâneos desejam, isto é, uma perfeita compreensão do significado de Revolução, esse tipo de movimento social ou militar ou cultural, ou um pouco de cada um desses ingredientes, capaz de promover profundas mudanças no curso da história de uma Nação. De tal forma, que suas razões inspiradoras provoquem nítida cisão no processo em que incide: antes e após a Revolução, que no caso assume papel absolutamente divisor. Como foi a soviética, como foi a chinesa, como foi a cubana, como foram outras e que, sendo vitoriosas, como ensina o professor José Honório Rodrigues, levaram a “profunda eficácia histórica”.
Nesse quadro, e com tal exatidão, seriam poucos os movimentos competentemente definidos como Revolução.
Outubro de 1930 seria então, a grosso modo, algo semelhante a uma troca de guarda, porque o que se viu foram os homens do poder oligárquico substituídos por outros homens da oligarquia; no máximo, o que alguns chamam de “surto de movimento reformista”, como também pensa o professor Rodrigues, com quem, aliás, concorda a professora Aspásia Camargo, igualmente estudiosa da matéria.
Mas os carlistas, assim chamados os seguidores da cartilha política de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, o principal mineiro de 30, recusam a redução de importância no movimento, para considerá-lo essencialmente reformista. Citam, em defesa de seus argumentos, o fim da política café com leite do Tratado de Ouro Fino de 1913, que alternava mineiros e paulistas na Presidência da República. Seria grande a contribuição da Aliança Liberal, da qual resultaria o Outubro de 30. Citam também que no ideário de Antônio Carlos vinham propostas inovadoras, como a experiência do voto secreto, do voto feminino, e, ainda, a proposta de ampla reforma do ensino.
Mas, para se aceitar a expressão Revolução, o que houve, efetivamente, ainda era muito pouco.
A tendência é admitir que, não fosse a insistência de Washington Luiz em manter o poder central em São Paulo, pela via da eleição de Júlio Prestes, o mesmo sistema de alternância de poder continuaria por mais algum tempo dividido entre mineiros e paulistas, ao menos na gestão de Antônio Carlos na Presidência, porque ninguém guarda dúvida de que, cumprido o café com leite, seria ele o presidente, sem maiores contestações, nem mesmo de adversários.
Washington Luiz, sob o pretexto de que era preciso manter as linhas de conduta da política econômica (70% na dependência do café), queria impor não apenas um paulista no poder, mas um paulista de sua escolha pessoal.
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Ainda como preliminar e apenas para situar o real objetivo desta reflexão, que é Juiz de Fora na década de 30, recorda-se que, em junho de 29, as forças políticas locais estavam suficientemente unidas para fazer Antônio Carlos chegar à Presidência. Ele convocava e comandava reuniões de altos dirigentes, criava e recriava partidos políticos. Fora vereador aqui e Agente Executivo, o que hoje corresponde ao cargo de prefeito. Enfim, o mais influente de sua época.
Interrompida a sistemática da sucessão, o que fez Antônio Carlos, sabendo que naquela hora podia ser decisivo o apoio do Rio Grande do Sul? Fato consumado, despertou nos gaúchos a oportunidade de indicar o Presidente, que a Aliança Liberal foi insinuar em Getúlio Vargas, que havia sido ministro da Fazenda de Washington Luiz. E o apoiou, sem embargo da suspeita de Flores da Cunha de que se tratava apenas de uma manobra bem mineira…
Vieram as denúncias da fraude na eleição que beneficiara a situação com Júlio Prestes. E – o que faltava – um cadáver, com a morte de João Pessoa, assassinado por razões que nada tinham a ver com o quadro político do momento. Mas foi o mote para uma grande reação, até porque, em 30, a capacidade da população de conhecer a realidade dos fatos era muito reduzida.
Interessante situar que João Pessoa era totalmente avesso a qualquer tipo de violência. Já havia se manifestado contra a reação militar que se esboçava a partir de Minas.
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Ainda para entrar nos fatos diretamente ligados ao episódio, é oportuno lembrar que, naquele tempo, o Brasil enfrentava reflexos da Grande Depressão de 29, que abalou os Estados Unidos, com consequências em todo o mundo ocidental. (Devíamos muito em libras esterlinas à Inglaterra, mas nosso comércio com os americanos já era bem intenso).
Há que considerar outros fatores que contribuíram para o clima emocional. Guilhermino César, também estudioso da matéria, colocaria como pano de fundo para os acontecimentos de 30, a partir da Aliança Liberal, o desgaste das instituições e o cansaço de todos em face de uma Federação nominal, a oposição perseguida, o voto resultante de fraudes e de burla.
Mas ele também concordava em que o melhor foi que se acenderam esperanças na modernização do País; esperanças há muito adormecidas. A rebeldia de 30, por isso, estaria encampando propostas da Aliança Liberal, como o voto secreto, voto feminino, criação de novos ministérios, preocupação com as secas do Nordeste, imposto progressivo sobre propriedades improdutivas. Ainda assim parece que, frente à realidade, os revolucionários sabiam mais o que não queriam do que propriamente o que queriam…
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Quando Antônio Carlos publicou a mais célebre de suas frases de efeito – “façamos a revolução antes que o povo a faça” – deixou explícito que o atendimento a reivindicações populares, com a realização de reformas substanciais, não era preocupação maior da Aliança Liberal, diz o professor José Honório Rodrigues, para quem, com apoio de outros historiadores, insiste em que 30 foi apenas uma reação ao círculo de ferro que dava a São Paulo e Minas, alternadamente, o comando da política nacional. “Não havia aliança e muito menos ela era liberal”, diz ele, que parece identificar, acima de tudo, um toque personalista em Antônio Carlos, que perdeu a vez de ser presidente, quando Washington Luiz decidiu que seu sucessor seria também um paulista.
De qualquer forma, é preciso considerar – e isto a história não nega – que o presidente de Minas foi o pioneiro do voto secreto, o mesmo que Lindolfo Collor já desejara. Ele o introduziu numa experiência em Belo Horizonte, e foi certamente um renovador da educação no Brasil.
A eclosão do movimento armado que apeou Washington Luiz do poder permitiu que a aristocracia mineira ferida coincidisse com fatores coadjuvantes, mas importantes, como a crise do café na quebra de 29, a fermentação operária nos grandes centros e o tenentismo. Ainda assim, o professor Rodrigues e o estudioso americano Thomas Skidmore insistem em colocar os acontecimentos de 30 como “revolução”, entre aspas. Skidmore vai além para afirmar que o que aconteceu em Juiz de Fora naquele ano foi uma reação de elite.
Os fatos em torno de Antônio Carlos seriam então modestamente reformistas. Não pretenderam uma ruptura com o passado, não estabeleciam novas relações entre as classes.
Certo, contudo, que algumas das decisões mais importantes desse movimento, em que os estudiosos negam conteúdo liberal e liberalizante, mas vendo nele uma reação entre grupos na disputa do poder, foram decisões tomadas a partir de Juiz de Fora. Antônio Carlos, como presidente do Estado, principal responsável pelas articulações, tinha aqui sua sede política; Odilon Braga, secretário de Segurança, juntamente com Djalma Pinheiro Chagas, elaborou a tática de ação; Pedro Marques, ex-prefeito, era o vice de Olegário Maciel, que consumaria a sublevação. Mas, antes disso, já funcionava a Legião Liberal Mineira, em cujo conselho supremo estava José Carlos Morais Sarmento.
É uma maternidade que não pode ser negada: Antônio Carlos elaborou os esquemas políticos; Arthur Bernardes os consolidou; Olegário Maciel consumou a revolta; Odilon Braga montou os primeiros esquemas da ação militar; José Bonifácio transitou para contatos políticos. Todos mineiros, lembra Paulo Pinheiro Chagas em suas memórias.
No dia 3 de outubro, quando começou efetivamente o movimento, Antônio Carlos estava na Fazenda da Floresta, da família Assis. Foi dali que saiu, às 16 horas, rumo a Barbacena, cidade onde se concentravam forças rebeldes, e de onde pressionavam as forças legalistas sediadas em Juiz de Fora. Partiu uma hora antes de ser preso pelo general Azevedo Alves.
Detalhe a considerar é que Minas financiou sozinha as despesas da mobilização. “O dinheiro veio de um adiantamento de 3 mil contos de réis de um contrato da Light com Minas”, afirma o professor Vanniren Chacon.
De volta aos fatos que tiveram o envolvimento direto de Juiz de Fora. Em conferência que pronunciou no Instituto Cultural Santo Tomás de Aquino, em sessão destinada a marcar os 60 anos da chamada Revolução de 30, o professor Wilson de Lima Bastos enalteceu fatos históricos que vinculavam a cidade àquele movimento. Algumas dessas referências estão em um capítulo de seu livro “Ao Troar dos Canhões”. Para ele, o espírito liberal da cidade se acentuaria a partir de 14 de janeiro de 1930, quando ali esteve João Pessoa – “o bravo filho do sertão” –, que pronunciou discurso na praça do Cinema Central; praça que acabou recebendo o seu nome. Quanto ao calor popular com que se recepcionou o candidato a vice na chapa de Getúlio Vargas, garante o escritor que “nunca havia visto coisa igual”.
Lima Bastos refere-se também à Fazenda da Floresta como sede das últimas articulações de Antônio Carlos para a deposição de Washington Luiz, presidente que esteve na cidade em 25 de agosto de 1928, aclamado em carro aberto na Avenida Rio Branco, hospedado na mansão de João Penido, onde Antônio Carlos ficou sabendo das intenções do presidente de romper o acordo café com leite. Uma “traição” a Minas, pois, em 30, seria a vez de um mineiro subir ao poder. Quando Washington Luiz virou as costas e partiu, deixou aberto o campo para a revolta que depois o remeteria a um longo exílio. O movimento evoluiu, mas sem prejuízo das atividades de Antônio Carlos em Juiz de Fora. O escritor cita, por exemplo, que em 14 de agosto, dois meses antes de o motim explodir, ele foi visitar a Escola Normal, onde havia sido professor, como se nada mais o preocupasse.
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A Fazenda da Floresta é hoje, em Juiz de Fora, o único centro de referência da conspiração política dos anos 30 que sobreviveu ao tempo. Na Rua do Espírito Santo, a velha casa em que Antônio Carlos se hospedava foi derrubada para dar lugar a um prédio de apartamentos, que cuidou apenas de lhe preservar o nome; e o palacete da família Assis, na Avenida Rio Branco, que mais tarde se tornou sede da Cúria Metropolitana, também foi ao chão por obra e graça de um arcebispo, chamado Juvenal Roriz.
A Floresta cedeu seus largos salões a uma série de reuniões políticas nas quais Antônio Carlos dialogou com Odilon Braga, Djalma Pinheiro Chagas, Wenceslau Braz, Arthur Bernardes e Olegário Maciel, entre os mais frequentes. E foi dali que ele saiu, dia 3 de outubro, para se concentrar em Barbacena.
Mas o palacete não foi menos significativo na crônica de 30. Foi ali que se realizou, no dia 25 de agosto de 1928, o encontro do presidente de Minas com Washington Luiz. Também ali ficaram os primeiros sinais de que o acordo café com leite seria traído por Washington, que, como já se disse, queria para sucedê-lo mais um paulista, Júlio Prestes. Não resta dúvida, e por isso repetimos o que ficou dito: quando o presidente da República ultrapassou a soleira da casa de João Penido, começou a cair do poder.
João Penido, ligado à família Assis, antes mesmo de a revolução se tornar uma efetiva conspiração em Minas, já fazia daquela casa centro de encontros do Partido Republicano.
Diz Paulino de Oliveira em suas “Efemérides” que a importante reunião do Partido Republicano Mineiro que engajou a sigla nos preparativos do levante foi no dia 27 de maio, na casa da Espírito Santo; casa que na verdade pertencia a Francisco Sales de Oliveira, seu cunhado. Lá estavam Wenceslau Braz, José Bonifácio, Mário Brant, Bueno Brandão, Arthur Bernardes, João Pio, Ribeiro Junqueira e Afonso Pena Júnior. “Foram tomadas medidas de transcendental importância”, informa Paulino. Vale dizer: preparou-se a ação contra Washington Luiz.
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Sobre a censura. Ela veio sobre os jornais e prevaleceu nos dias decisivos da revolta. Para muitos, uma antecipação do que viria com o Estado Novo de Vargas: a imprensa nada podia publicar, e o único acesso aos acontecimentos era através dos comunicados oficiais, certamente dando ao leitor uma visão distorcida ou limitada do que efetivamente acontecia.
Em Juiz de Fora, o rigor da censura se fez sentir de forma ainda mais intensa, porque o principal jornal da cidade, “Diário Mercantil”, havia sido fundado por Antônio Carlos e João Penido. O primeiro, sobretudo, sob graves suspeitas, pois era o líder da Aliança Liberal. Assim, a primeira vez que o jornal pôde divulgar o acontecimento, sem a mão do censor, foi em 24 de outubro, para anunciar que Washington Luiz havia sido deportado.
Ninguém ignorava a extensão da informalidade institucional, noticiada em pequenas doses, como, por exemplo, no decreto que estabelecia feriado nacional de 15 dias. A agência do Banco do Brasil, em aviso colocado na Rua Halfeld, à porta da velha Charutaria Campos, já havia anunciado a suspensão de todas as suas atividades, “até segunda ordem”. O “Mercantil” dedicou, durante toda a mobilização da força revolucionária, apenas uma coluna de sua primeira página sobre os comunicados oficiais. A coluna tinha modestamente o título “O Momento”.
No dia D. Dia 3 de outubro de 1930. Tomo o depoimento de um repórter da época, o amigo Paulino de Oliveira:
“No dia 3, à tarde, começaram a circular na cidade insistentes boatos de que havia começado um grande movimento revolucionário em diversos pontos do País, chefiado pelos Partidos Liberais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Às 4 da tarde, então, fui à Fazenda da Floresta falar com o senhor Antônio Carlos sobre o que constava estar acontecendo no País. Quando voltei, o senhor Antônio Carlos seguiu, em automóvel, para Barbacena. Supondo-o ainda presente no dia 5 na Fazenda da Floresta, foi ordenada pelas autoridades federais de Juiz de Fora a ida de diversos oficiais àquela fazenda, com o fim de deter o ex-presidente mineiro”.
Ainda com base no mesmo repórter, informa-se que o 2º Batalhão da Força Pública abandonou a cidade na madrugada do dia 4. O chefe das forças federais recebeu um radiograma, do Rio, às 20 horas, comunicando o levante, tendo sido ordenada a prontidão das praças, sendo mandada a mesma ordem para a Remonta.
Continuo nas pegadas do repórter Paulino. Durante a noite foi enorme o movimento de automóveis, havendo grande número de desastres, em vista da falta de fiscalização das ruas. Por volta de 1 hora da madrugada do dia 4, um sargento do Exército, que saíra de automóvel do quartel general, foi à Estação da Central, e afixou ali um aviso que mandava suspender o tráfego ferroviário.
“O general Azevedo Costa, comandante da Quarta Região, fez, nesse mesmo dia, diversas requisições de gasolina, autos e caminhões. Ordenou aos chauffeurs que transportassem para o QG, por sua conta, todos os oficiais que se achassem fora do mesmo. Notava-se uma grande movimentação na Repartição Policial, principalmente de automóveis. Esse movimento durou até 3 horas da madrugada. Às 4 horas, depois de tomar diversas providências, partiu, logo após a força da polícia mineira, o doutor Menelick de Carvalho, acompanhado de diversos delegados. O senhor Pedro Mendes, delegado de polícia, requisitou na noite do dia 3 grande quantidade de armas e munições das casas comerciais, levando tudo para o 2º Batalhão.
Veio do Rio um batalhão “patriótico” chamado “Pátria Amada”, composto pelos elementos mais desordeiros da favela, chefiado pelo conhecido bandido “Bexiguinha”. Esse batalhão foi enviado pelo ex-governador federal, a fim de ajudar a defesa da cidade. Entretanto, só praticou depredações, que culminaram na noite do dia 9, entre 9 e 11 horas, obrigando o general Azevedo Costa a dissolver tão irrisório batalhão.”
Com o fechamento de diversas fábricas, os operários dispersados ficaram numa situação verdadeiramente angustiosa. Sem trabalho e sem salários, sofreriam o martírio da fome se não fora a caridade de diversas senhoras da sociedade juiz-forana, que cuidaram de minorar os males dos pobres operários. Houve também grande número de prisões.
O Quartel General mandou afixar diversos editais, convocando os reservistas, não sendo, entretanto, designado o prazo para apresentação e nem foram tomadas medidas de coação pessoal.
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Um herói fugaz. O nome do juiz-forano Sinval Americano não entra na história da Revolução de 30. Não figura em nenhuma crônica, não é citado pelos documentos. Mas, nem por isso, ele deixou de ter uma participação pitoresca nos acontecimentos que definiram a posição do Rio de Janeiro a favor do movimento que pretendia, e que efetivamente conseguiu, a deposição de Washington Luiz.
Sinval Americano tinha 60 anos de idade. Morava no Rio, em uma pensão de Botafogo. Quando percebeu que estavam ocorrendo os primeiros movimentos da rebeldia no 3º Regimento na Praia Vermelha, ele não se conteve e também foi para as ruas, apesar de alguns de seus amigos tentarem demovê-lo desse projeto, porque a previsão de reação dos legalistas levava a admitir derramamento de sangue.
Ocorreu que Sinval, possesso contra o golpe que o governo federal havia aplicado contra os interesses de Minas, sacou de um revólver e colocou-se à frente do Regimento. Soldados e oficiais menores, segundo revelou matéria do “Diário Mercantil” da época, pensaram tratar-se de um oficial superior à paisana, e obedeceram ao “comandante”, que se portava “de modo tão desassombroso, que deixava pasmos os militares” …
O fato é que o regimento foi comandado em algum tempo por um juiz-forano nessa “ação destemida”. A sua valentia pessoal não deixou de dar um toque inusitado a um dos momentos mais graves da vida nacional.
(*) Wilson Cid é jornalista