
Jovens adolescentes dominados pelo poder da internet e dos aparelhos celulares cada dia mais modernos - créditos: Freepik
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30-03-2025 às 11h21
Rogério Reis Devisate (*)
Há muito tempo uma produção não despertava tanto interesse, causando distintas sensações nas pessoas. Falo da série Adolescência.
Para começar, parece que todos nós, adultos, pais ou não, por mais experimentados que sejamos em relação ao mundo e às pessoas, comportamo-nos como adolescentes quando o assunto é o impacto da internet e dos modernos celulares nas nossas vidas.
Ainda vemos os aparelhos como um objeto, sem compreender o impacto no cérebro e na mente dos impulsos decorrentes dessas cores e imagens de rápida visualização. Pergunte a um jovem para que detalhe coisas que ele viu ou leu no celular, durante a última hora…
Esses aparelhos são como portais para uma outra dimensão, onde tudo, absolutamente tudo, está disponível e ao alcance dos dedos e dos nossos sentidos e mentes. Como a dopamina é hormônio ligado ao prazer e à satisfação e recompensa e o celular nos faz liberar dopamina, podemos dizer que ficamos viciados.
Pelas telas acessamos um mundo tão fantasioso, colorido e estimulante que é capaz de deixar no chinelo Las Vegas e toda a sua sedutora magia.
Reflitamos… Será que deixaríamos nossos jovens com 10, 12, 15 anos soltos, à noite, em Las Vegas? Essa é uma pergunta que deve ser feita com o celular na mão, porque quase tudo o que Vegas oferece está ao alcance dos dedos…
Preocupamo-nos com os jovens adolescentes ao atravessar as ruas nas grandes cidades, mas pouco compreendemos ao que estão expostos, quando isolados ficam dentro de casa.
Protegemos as suas vidas da violência das ruas, mas não percebemos o quanto estão expostos à violência das telas. Além disso, é como se todo o conhecimento do mundo estivesse disponível em sites e no celular, mas preferíssemos os estímulos visuais e auditivos … e o acesso aos sites pornográficos e jogos e distrações.
Isolados nos seus quartos, iluminados ou não, não vemos os nossos queridos deslizar por piso escorregadio em direção às trevas, como nos mostra a série Adolescentes.
Os pais estavam certos de que tudo estava bem com o filho, até que a polícia o conduz – afinal, um garoto de 13 anos não mataria. No desenrolar, vemos uma alma ferida e que não foi cuidada, porque, em verdade, ninguém se apercebeu do seu sangrar, até que explodiu a violência, na forma de facadas.
Apesar disso, vimos a sua carência, quando indaga da psicóloga se ela gostava dele. Vimos um buraco, imenso, frio e feio e como ele não parece jamais ser preenchido por qualquer compensação.
Vemos a manipulação, a falta de empatia, a simplificação com que tudo ocorreu – tão simples que essa constatação é capaz de puxar a nossa cadeira, nos derrubando no chão.
Nas grandes cidades, longe se foi o tempo em que as crianças brincavam nas ruas, expostas aos joelhos ralados e à alegria de rir de si mesmas, nos jogos de futebol e vôlei, nas brincadeiras com bicicleta, carrinhos de rolimã, bonecas, polícia e ladrão, pipas, além dos jogos de tabuleiro, como war e banco imobiliário e xadrez, dama e dominó.
O medo da violência nas ruas fez com que poupássemos os seus joelhos para que se ferissem por dentro. Joelhos cicatrizam… Ademais, não aprenderam a ganhar ou a perder, nos jogos de dominó, gude ou cartas. Com isso, não aprenderam a dividir. E, se não dividem, não somam muito de solidariedade ou empatia em si mesmos. Distantes do mundo, expõem-se a abismos das almas.
Estão solitários e isolados e não compreendem ainda, pela natural imaturidade dos seus anos de vida, o que seria solitude. Por mais que digam que gostam de ficar sozinhos, não têm os benefícios da solitude, como oportunidade de reflexão, mergulho interior ou autoconhecimento. Veem-se, deste modo, tão isolados que se estressam quando são obrigados a conviver com outros e a conversar – além das monossilábicas palavras que, por vezes, expressam.
Um detalhe curioso, na série, é a exibição em plano-sequência, com filmagem sem cortes de longas cenas. Isso nos permite mergulhar no cenário e no roteiro e a participar de peculiar movimentação dos atores, que nem sempre estão enquadrados no padrão tradicional. Vemos suas nucas, costas… A circulação numa sala, gestos longos, mudanças de atitude, como semblantes e lábios. Isso permite que surjam detalhes incômodos e que começam a brotar aqui e ali, até nos atingir como alfinetes, cobrando a realidade diante de nós.
A propósito, essas cenas longas e a opção por essa filmagem sem cortes nos revela o quanto são bons os atores, notadamente – reconheçamos – Owen Cooper, o ator inglês de apenas 15 anos e que fez a sua estreia ao mundo nesse tão complexo papel. No 3º episódio, em que fica longo tempo em diálogo com a psicóloga, vemos a sua interpretação desse personagem difícil e que oscila entre momentos de fragilidade e infantilidade e a selvageria frenética de emocionais explosões – impactante.
Talvez tenhamos migrado do papel de pais para o de amigos – e isso é dito por um pai que não queria que o seu filho passasse pelo que ele passou. Talvez ele tenha sido condescendente, de algum modo contribuindo para que o filho fizesse as coisas que jamais faria. Mas, não sejamos tolos, na nossa tendência de querer achar um culpado para tudo, pois aquele pai e a sua família não têm culpa de nada. O ocorrido foi ato isolado e consciente, de alguém que buscou com terceiro a faca que levou para o encontro fatal. De tudo, o que assombra é a percepção de que – tirando o ato do crime em si – tudo ali gira dentro de uma normalidade absoluta. Pai que trabalha muito e mãe presente. Como lança afiada, essa percepção nos penetra a carne e a alma, despertando-nos dessa monotonia de quem acha que comanda e controla tudo.
O caos e o acaso estão presentes em nossas vidas. Do mesmo modo que uma fagulha pode causar um incêndio, para o jovem trancado no quarto e do mundo isolado pelas telas, a crueldade de signos sociais pode ser tão dura e fazer despertar impulsos incontroláveis e de consequências graves, como na série.
O caos não estava no mundo externo, no quarto arrumado do jovem ou na casa onde a família morava.
O caos estava na mente da sua personalidade em formação, pela circulação descontrolada de linguagem simbólica que os adultos desconheciam!
Pelo conteúdo de cenas e falas, mais parecia que a escola era dominada pelos alunos e que a responsável tinha uma certa e incômoda insegurança. Para o caos, contribuiu a falta de comunicação, não de fala ou conversa entre uns e outros e entre os jovens e os adultos, mas de compreensão pelos adultos do tipo de mensagem por símbolos que os jovens utilizaram. Um desprezo e despreparo que custou caro e que fomentou o caos na mente daquele jovem.
O caos estava em tantos lugares que o acaso não teve trabalho para obrar e juntar os pedaços… O caos está nos provocando. Precisamos ter respostas. Talvez só as tenhamos se e quando formularmos as perguntas certas.
(*) Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas