Entre as escritoras que Belo Horizonte então conheceu, estavam as de Patrícia Galvão, Clarice Lispector, Cristina Maria de Jesus, Adélia Prado, Zélia Gattai e Ana Cristina César.
29-11-2024 às 08h:35
Manoel Hygino dos Santos*
A ideia de que mulher não tem vez em literatura vai ficando para trás. Não tenho estatísticas, mas a julgar pelo noticiário dos veículos de comunicação, o sexo feminino parece levar vantagem numericamente sobre o masculino. Recentemente a Academia Mineira de Letras organizou e apresentou a mostra “A presença feminina na literatura brasileira”, com a qual descreveu que a mulher está muito viva e atuante em nosso meio literário. Apresentaram-se, então, edições até raras, somando 70 obras dos séculos 18, 19, 20 e 21. Muita gente interessada visitou o sodalício da rua da Bahia, conhecendo a pesquisa de Constância Lima, professora-doutora da Faculdade de letras da UFMG.
Na exposição de que falo, houve uma vitrine para que se vissem obras das 11 escritoras que pertenceram ou pertence à Academia, como Alaíde Lisboa, Ana Cecília Carvalho, Carmen Schneider Guimarães, Conceição Evaristo, Elizabeth Rennó, Henriqueta Lisboa, Lacy Schettino, Maria Antonieta Antunes Cunha, Maria Esther Maciel, Maria José de Queirós e Yeda Prates Bernis.
A coletânea exposta pertence ao casal de bibliófilos Rômulo Pinheiro e Patrícia Peck, fundadores do Instituto Peck, que se devota à preservação da memória da literatura brasileira e tem mais de 25 mil títulos, dos quais autores cá da terra, com edições raras e primeiras tiragens.
Atente-se. Na exposição de outubro/novembro, iniciam-se “Máximas de virtudes e formosura”, de Tereza Margarida da Silva e Orta, primeiro romance de uma autora brasileira; os poemas de Maria Firmina dos Reis, a escritora negra brasileira; o raríssimo “Espectros”, de Cecília Meireles. Também as primeiras publicações de Henriqueta e Lygia Fagundes Teles, relegadas pelas autoras.
O casal Peck começou a adquirir esses volumes há 21 anos, oficializando a coleção em 2014. Hoje, são aproximadamente 200 autoras, e Rômulo se orgulha: “Nossa expectativa é de que o público descubra ou redescubra essas autoras, muitas das quais esquecidas. As obras de Júlia Lopes de Almeida vendiam mais do que Machado de Assis. Queremos que a mostra tenha um papel educativo e de deslumbramento. Foram pioneiras, lutaram e trouxeram inovações para a literatura, mas acabaram apagadas”.
Entre as que Belo Horizonte então conheceu, estavam as de Patrícia Galvão, Clarice Lispector, Cristina Maria de Jesus, Adélia Prado, Zélia Gattai e Ana Cristina César.
ONTEM E HOJE
A exposição serviu perfeitamente para relevar a marcante presença da mulher na literatura. As escritoras Conceição Evaristo, Antonieta Cunha e Ana Cecília Carvalho puderam discutir o apagamento feminino em nossas letras, com participação da pesquisadora Constância Lima Duarte, que conduziu a conversa, e é responsável por inúmeras pesquisas sobre o tema.
Constância registrou o “pouquíssimo conhecimento geral sobre a difícil trajetória da intelectual entre nós. “Elas sempre estiveram presentes, só que desapareceram da memória, não foram devidamente integradas ao cânone, à história literária e à história, de modo geral por causa do corporativismo masculino”. Críticos e historiadores simplesmente ignoravam as mulheres”.
Historicamente, algumas autoras receberam elogios importantes, como ocorrera com Machado e Lima Barreto, mas quando morriam, suas obras morriam junto, não houve reedições. Assim se perderam da história intelectual da mulher brasileira, uma história que, na verdade, ainda está por ser escrita. “Elas foram vítimas de memoricídio, com lutas e conquistas apagadas pelo corporativismo masculino, que desvaloriza esta produção como de “literatura feminina” virar rótulo negativo”.
Constância pergunta: “O que as escritoras de hoje estão enfrentando já foram vencidas? As dificuldades que perduraram durante décadas e séculos? São perguntas importantes que devemos abordar”.
De acordo com a pesquisadora, ao acompanhar a trajetória das escritoras desde o século 18, que preciso admitir que muito foi conquistado. “As pioneiras abriram caminho, abriram possibilidades para todas que vieram depois”.
Mesmo autoras do século 20 que desfrutaram de reconhecimento têm obras que são ignoradas pelo público em geral, observa Constância Duarte. “É uma exposição valiosa por mostrar esta presença e contemplar edições pouquíssimo conhecidas, algumas muito raras, de Hilda Hilst, Cora Coralina e Carolina Maria de Jesus. Há ali primeiras edições que, em alguns casos, tiveram só 200 ou 300 exemplares”, diz.
A LISTA AUMENTARÁ
Negra, nascida na favela do Pendura Saia, na capital dos mineiros, a mais nova integrante da Academia Mineira de Letras, Conceição Evaristo, acha que com sua posse se dá “um novo olhar sobre a criação literária e a diversidade literária que estão aí, uma coisa muito potente. No caso de Ailton Kenak, no meu caso e no caso de outras e outros que estão por vir. Acho que temos uma riqueza que traduz o que é literatura mineira e brasileira”.
Conceição Evaristo é pródiga em agradecimentos: “Especial agradecimento deixo as editoras Mazza e Nadyala, primeiras editoras a colocarem minha obra na rua. Deixo agora, com muita honra, e no meio sempre nos meus agradecimentos ao Movimento Negro, primeiro lugar de recepção de minha obra em 1990. Foi entre os meus, entre as vozes iguais às minhas, notadamente vozes de mulheres, que se deu a recepção e a divulgação dos meus primeiros textos. Ao Movimento Negro, os meus agradecimentos de sempre.
E, ao chão mineiro, Belo Horizonte, Minas Gerais, que me deu régua e compasso, plagiando aqui, o que Gilberto Gil que diz da Bahia, sou grata, gratíssima, pela oportunidade de voltar recolhendo lembranças, que me serviram e me servem de base e de inspiração para novas histórias”.
Enfim, os nossos negros, as mulheres e o índio vão conquistando o seu lugar na literatura do Brasil. Não tem sido fácil. A mais recente imortal do ano sexo frágil na Academia Mineira de Letras é Ana Cecília Carvalho, mestre em Psicologia e doutora em Literatura, primeira psicanalista da Academia Mineira de Letras. Declarou: “A escrita literária é algo que eu faço desde muito tempo antes, inclusive, de começar com a Psicologia. Antes de tudo, sou uma escritora”.
“Temos duas patronas na Academia Mineira de Letras: Bárbara Heliodora e Beatriz Brandão. Há conhecimento sim, da presença feminina. É preciso expandir esse número, fazê-lo crescer. Tenho esperança de que isso vai acontecer”.
Durante o evento, declarou o presidente da AML, Jacyntho Lins Brandão, “torna-se relevante lembrar, neste momento de homenagens, a extensão do legado da escritora Maria José de Queiroz à literatura brasileira e à história de Minas Gerais”.
Rogério Faria Tavares, presidente emérito da AML, comenta sobre Maria José de Queiroz: “mineira de Belo Horizonte, onde nasceu em 1934, Doutora em Letras Neolatinas, lecionou na Sorbonne, em Lille, em Bordeaux, em Bonn, em Colônia, em Indiana, em Berkeley e em Harvard. Escreveu ensaios memoráveis. “A literatura encarcerada” (1981). “A literatura do ou a literatura do exílio” (1998) e “Em nome da pobreza” (2006), entre outros. Foi a contista de “Amor cruel, amor vingador” (1996), a poeta de “Desde longe” (2020) e a romancista de “Joaquina, a filha do Tiradentes” (1987), para citar apenas algumas de suas incursões pela ficção. Eleita na sucessão de Afonso Pena Júnior, ocupou por mais de cinquenta anos a cadeira de número quarenta da Academia.
*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional dos Escritores.