A admiração pelas proezas do corpo, da mente e do espírito vem desde os primeiros Jogos Olímpicos, celebrados na Grécia Antiga milênios atrás.
05/12/2024 às 11h44
Mariana Grilli Belinotte*
De quatro em quatro anos, feitos atléticos extraordinários, demonstrações quase
sobre-humanas de dedicação, disciplina, força, velocidade, coragem e companheirismo
são celebrados nas Olímpiadas. A admiração pelas proezas do corpo, da mente e do
espírito vem desde os primeiros Jogos Olímpicos, celebrados na Grécia Antiga milênios
atrás. Esse ano, testemunharemos os XXXIII Jogos Olímpicos de Verão, sediados em
Paris — a localização nobre é evidência do prestígio e da importância do evento. Eu,
pessoalmente, adoro uma competição esportiva — até continuo assistindo os sofridos
jogos do meu Corinthians! Mas nada se compara à energia das Olimpíadas, e tenho
certeza que milhões de brasileiros concordam comigo.
Mas os Jogos Olímpicos não são apenas festa e celebração. O evento envolve
questões geopolíticas, como a disputa entre Estados Unidos e Rússia pela liderança no
quadro de medalhas, ou os esforços empreendidos pela China, que compreendeu que
para ser uma super potência global, não basta ter liderança econômica e militar, precisa
também despertar a admiração global em áreas como esporte e cultura.
O esporte também não é apenas uma demonstração festiva: pode ser um — em
alguns casos, talvez, o mais — importante elemento da construção da nacionalidade.
Também serve como força integradora da sociedade, incluindo populações
marginalizadas, estabelecendo laços comunitários e desenvolvendo valores como
disciplina, perseverança, colaboração e resiliência. Há ainda os comprovados benefícios
à saúde física e mental.
O Brasil tem um histórico olímpico invejável. É o 32° time com mais medalhas de
ouro na história dos Jogos Olímpicos, a frente de países como Argentina, México, Irlanda
e Áustria, e o 28° colocado, considerando todas as medalhas. Nos Jogos Paralímpicos,
somos uma verdadeira potência: nas últimas quatro edições ficamos entre os 10
melhores colocados nos quadros de medalhas — esses resultados impressionantes
definitivamente merecem ser melhor analisados em uma outra coluna.
Muitos atletas brasileiros são oriundos ou concluíram parte de seu treinamento em
projetos e instalações vinculados às Forças Armadas e ao Ministério da Defesa.
Destacam-se o Programa Forças no Esporte (ProFEsp) e o Programa Atletas de Alto
Rendimento (PAAR). O ProFEsp atende crianças e adolescentes vulneráveis, buscando
mitigar, tanto quanto possível, a exclusão social por meio da prática desportiva.
Já o PAAR fornece recursos e incorpora desportistas de alto rendimento às Forças
Armadas. Nas últimas três edições, aproximadamente 30% da delegação olímpica
brasileira estava ou está vinculada ao programa. Rafaela Silva, Bia Ferreira, Hebert
Conceição, Darlan Romani, Arthur Zanetti, Ana Marcela Cunha são apenas alguns dos
campeões olímpicos e/ou mundiais ligados ao programa.
Esses desportistas prestam continência à bandeira do Brasil nas dezenas de vezes
em que sobem ao pódio. É uma demonstração de respeito ao país, aos símbolos
nacionais e, por que não, às instituições que garantem seu apoio a esses/as vitoriosos/as
atletas — apoio muito mais que justificado, a meu ver.
A saudação à bandeira, e o ProFEsp e o PAAR, são frequentemente criticados,
talvez por pessoas que confundem qualquer ligação com as Forças Armadas e a Defesa
com um retorno ao autoritarismo, talvez por má-fé ou revanchismo, na tentativa de
deslegitimar programas bem-sucedidos. Há ainda aqueles que comemoram o gesto
como demonstração de alguma posição política — novamente, não é o caso. As
saudações dos atletas militares à bandeira nacional parecem despertar mais polêmica do
que declarações hostis ao povo brasileiro ou falcatruas de baixo nível, como
propagandas de jogos de azar, feitas por “jogadores” que aparentemente buscam
evidenciar que se preocupam muito mais com seus lucros do que com os aspectos
sociais do esporte e o respeito ao país.
Para além das críticas ao simbolismo da continência à bandeira, a própria
existência desses programas é questionada. Alguns afirmam que apoiar o esporte não é
competência das FA ou do Ministério da Defesa. É claro que esse não deve ser um papel
exclusivo dos órgãos ligados a Defesa, nem a função precípua destes. Mas por que
ignorar uma das poucas estruturas com alcance verdadeiramente federal no Brasil, que
conta com profissionais qualificados e infraestrutura de Norte a Sul, de Leste a Oeste?
Afinal de contas, no Brasil a desigualdade geográfica e social ainda exclui e limita.
Quantos dos grandes clubes de elite — muitos deles subsidiados por isenções fiscais —
se concentram no Sul e no Sudeste do país? Quantos buscam novos atletas e apoiam
seu desenvolvimento em outras regiões do país?
Dessa forma, a continuidade (e mesmo a ampliação) do ProFEsp e do PAAR se
justifica, ao menos, em bases práticas: poucos atores possuem presença tão extensa já
consolidada no território nacional. Os programas também se justificam devido ao papel
social historicamente desempenhado pelas Forças Armadas, e principalmente pelo
Exército, ao longo da formação do Brasil. A discussão sobre a continuidade ou não
desse papel social no século XXI é pertinente e necessária, mas não apaga essa marca
da nossa história. O esporte e a educação (sistema do qual faço parte através instituto
Meira Mattos) foram, até aqui, dois dos principais fatores de aproximação das Forças
Armadas com a sociedade. Sob o argumento de “desvio de função”, alguns tentam
miná-los.
A ideia de “desvio de função”, aliás, só se sustenta com um entendimento restrito
do que é a Defesa Nacional. O entendimento mais correto de Defesa envolve muito mais
do que aspectos puramente militares: a coesão social, a solidariedade, a integração
nacional e regional, o respeito à diversidade e o combate às desigualdades e à exclusão
social também são fatores essenciais à manutenção da soberania plena de um Estado.
Não é difícil compreender o papel do esporte nesse contexto, e porque apoiar os atletas
brasileiros é um dever não só das Forças Armadas, mas de todos nós.
Assim, desejo boa sorte a todos os brasileiros e brasileiras que competem em
Paris, todos já vitoriosos por sua dedicação e esforço em representar seu país — muitas
vezes em condições menos do que ideais. Junto comigo, tenho certeza que milhões de
brasileiros também torcerão, vibrarão e comemorarão cada uma de nossas conquistas.
*Mariana Grilli Belinotte é bacharel e mestre em Direito (USP, UFMG) e doutoranda em
Ciências Militares (ECEME). Participa do Laboratório de Pesquisa em Poder Cibernético
(LPCiber), do Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares e do Laboratório de
Simulações e Cenários (LSC).