Um Mar Turbulento para a Saúde Mental. As relações líquidas, caracterizadas pela superficialidade e efemeridade, fragilizam os laços afetivos e dificultam a construção de vínculos sólidos.
Raphael Silva Rodrigues*
A modernidade líquida, conceito cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, descreve a fluidez e a instabilidade que permeiam as relações sociais, o trabalho e, por consequência, a nossa própria identidade no século XXI. As estruturas sólidas do passado derretem diante de nossos olhos, dando lugar a uma realidade marcada pela imprevisibilidade e pela busca incessante por adaptação. Se por um lado essa fluidez abre um leque de possibilidades, por outro, lança-nos em um mar turbulento que impacta diretamente a saúde mental.
As relações líquidas, caracterizadas pela superficialidade e efemeridade, fragilizam os laços afetivos e dificultam a construção de vínculos sólidos. A conectividade constante, proporcionada pela tecnologia, paradoxalmente, intensifica o sentimento de solidão e inadequação. Estamos imersos em uma cultura de comparação e busca por aprovação virtual, alimentando a ansiedade, a depressão e a baixa autoestima.
O mundo do trabalho também se vê afetado por essa liquidez. O emprego estável e as carreiras lineares se tornam cada vez mais raros, dando lugar à instabilidade e à necessidade constante de reinvenção. A pressão por performance e sucesso individual, em um cenário de competição acirrada, gera angústia, esgotamento profissional (burnout) e a sensação sufocante de nunca ser suficiente.
A própria identidade, antes sólida e bem definida, se liquefaz nesse contexto. A necessidade de se adaptar a diferentes grupos e situações nos leva a questionar quem somos e qual o nosso lugar no mundo. A falta de referências claras e a busca incessante por uma identidade idealizada, muitas vezes imposta por padrões sociais inatingíveis, alimentam quadros de ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental.
No entanto, navegar na modernidade líquida não é sinônimo de naufrágio. É preciso aprender a surfar as ondas da mudança, cultivando resiliência e inteligência emocional. Fortalecer os laços reais, priorizando relações autênticas e significativas, é crucial para construir uma rede de apoio sólida. Buscar profissionais da saúde mental, como psicólogos e psiquiatras, também é fundamental para desenvolver ferramentas para lidar com os desafios emocionais da contemporaneidade.
A modernidade líquida nos coloca diante de um paradoxo: a liberdade e a fluidez, tão almejadas no passado, podem se tornar fontes de sofrimento psíquico. Cabe a cada um de nós encontrar maneiras de navegar nesse mar turbulento, buscando equilíbrio, autoconhecimento e cultivando relacionamentos saudáveis. Afinal, em um mundo líquido, a saúde mental torna-se uma âncora essencial para mantermos a estabilidade em meio à tempestade.
Bauman, em síntese, propõe uma reflexão sobre alguns pontos marcantes da sociedade moderna, quais sejam: (i) a crise da identidade em um mundo líquido; (ii) as relações líquidas e a solidão na era hiperconectada; (iii) a precarização do trabalho e os problemas de saúde mental; (iv) o consumo exagerado na busca da felicidade efêmera; e (v) o papel da resiliência em tempos líquidos.
A metáfora da “liquidez” proposta por Bauman para definir os tempos atuais necessita de um olhar crítico, pois, na prática, traduz-se em sobrecarga, pressão e insegurança. A saúde mental não pode ser um fardo a mais nesse oceano de incertezas, mas sim a âncora que nos permite navegar com mais consciência, propósito e, acima de tudo, bem-estar.
*Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.