A decisão de transformar o Mercado Central, patrimônio histórico e cultural da cidade, em vitrine para cassino eletrônico é claro exemplo da crescente influência do dinheiro a esfera
Daniel Deslandes de Toledo*
É impossível deixar de perceber que os âmbitos da cultura, do jornalismo e do esporte foram invadidos pelo patrocínio das casas de apostas eletrônicas. E, como consequência, o monótono e obsequioso silêncio da mídia em face da descontrolada exploração do vício da jogatina, via publicidade disfarçada.
Em 7 de setembro do corrente ano, a capital mineira ficou estarrecida com a notícia de que o Mercado Central mudaria de nome, incluindo em sua fachada, engenhos de publicidade e eventos, uma das maiores e mais agressivas marcas de jogo, a KTO.
Clima festivo na imprensa, celebrando a distopia pós-apocalíptica do fenômeno irreversível do abuso de poder das bets, reforçada com a fumaça e cheiro de lixo queimado que impregnava Belo Horizonte, como consequência da estiagem recorde e chamas nas matas.
A decisão de transformar o Mercado Central, patrimônio histórico e cultural da cidade, em vitrine para cassino eletrônico é um claro exemplo da crescente influência do dinheiro sobre a esfera pública. Além de ficar nítida a influência do patrocínio na publicidade em detrimento do livre jornalismo.
O Mercado Central é bem privado, mas encontra-se em processo de tombamento pela Prefeitura Municipal, nº 01.174542.07.91, aberto em 2007 e está inserido e ratificado pela deliberação 136/2008 de proteção do Conjunto Urbano Praça Raul Soares Avenida Olegário Maciel e adjacências.
Diante da gravíssima situação de depredação do patrimônio público imaterial, consagrado no valor estético, histórico e turístico, este advogado, recém convidado colunista do Diário de Minas, não hesitou e ajuizou, em 08 de setembro de 2024, a Ação Popular, exigindo liminar para reversão da situação.
A administração do mercado foi intimada acerca da Ação Popular. Mas enquanto ainda pendia julgamento acerca da decisão inicial, este autor indo encontrar amigos por volta do dia 20 de outubro se surpreendeu incrédulo com a retirada, na calada da noite, da KTO da fachada do Mercado Central.
Precisou esfregar os olhos para enxergar novamente e constatar que, apesar de todas as apostas contrárias nesta luta quixotesca, em virtude do poderio econômico e político inesgotável da KTO, a casa de jogatina quase foi a nocaute no primeiro round.
*Daniel Deslandes de Toledo – Advogado, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB/Barro Preto, Colunista do Diário de Minas