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07-08-2025 às 09h03
Maria da Penha Oliveira da Silva*
Acompanhar a trajetória de adolescentes que cresceram longe da família, dentro de
instituições de acolhimento, me ensinou algo que carrego comigo há anos: a transição para
a vida adulta é difícil, não é natural e nem justa que seja feita sozinho. Quando um jovem
completa 18 anos, encerra-se ali o ciclo formal do acolhimento. Mas não finda a sua
necessidade de apoio, cuidado e presença. Pelo contrário. Muitos desses jovens saem sem
vínculos familiares, sem uma rede de suporte e com pouca preparação para lidar com as
exigências da vida adulta. A transição, que deveria ser um processo, torna-se uma ruptura.
E o que mais me inquieta é como essa passagem continua sendo invisível para grande
parte da sociedade, e das políticas públicas.
Vejo, com frequência, os efeitos desse vazio. A ausência de moradia segura, a dificuldade
para se manter em um emprego, a baixa escolaridade, o desconhecimento sobre tarefas
básicas da vida cotidiana, tudo isso se soma à solidão, ao medo e à sensação de estar solto
no mundo. Não é raro que esses jovens recorram a subempregos, se endividem ou passem
a enfrentar situações-limite, como o uso abusivo de substâncias ou até o envolvimento com
o sistema de justiça. Não porque falharam, mas porque foram deixados à própria sorte. E
isso, para mim, é um sinal claro de que precisamos construir outra forma de cuidar, uma
forma que não termina aos 18 anos.
Foi com esse compromisso que criamos o Projeto Jovem em Movimento, no Aconchego,
em parceria com o MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania) e a SNDCA
(Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). O projeto nasce da escuta
dos próprios jovens e propõe ações práticas para essa fase tão delicada. Por meio de
oficinas, articulação com as redes de serviços e o uso de um aplicativo educacional,
buscamos oferecer acompanhamento contínuo, orientação e suporte real. A tecnologia,
nesse contexto, entra como ferramenta de presença, um lembrete de que o jovem não está
só.
Ao longo da minha trajetória, ouvindo tantas histórias de adolescentes que precisaram
enfrentar a vida adulta de forma precoce e solitária, entendi que autonomia de verdade não
se constrói no isolamento. Ela só é possível quando há alguém por perto, oferecendo apoio,
segurança e referência. Não se trata de estender indefinidamente os serviços de
acolhimento, mas de garantir que ninguém seja lançado à vida adulta sem preparo,
orientação e afeto.
Acolher é mais do que dar refúgio. É estar junto até que o jovem tenha segurança para
seguir com os próprios passos. E isso não pode depender apenas da boa vontade de
projetos ou pessoas. Deve ser reconhecido como responsabilidade do Estado, por meio de
políticas públicas integradas, financiadas e duradouras. Eu acredito que, quando um jovem
sai do acolhimento institucional sem apoio, todos falhamos. Mas também acredito que,
quando construímos redes de cuidado, abrimos a possibilidade de que essas histórias não
terminem em abandono e, sim, em reconstrução, pertencimento e oportunidade.
*Coordenadora do Grupo Aconchego e do Projeto “Jovem em Movimento”
