Cinco anos sob sigilo, sem justificativas e conclusão. agosto de 2024, a partir do reporte de comunicações privadas com silhueta de uma coloquialidade pouco compatível com as formalidades do Poder Judiciário, reacenderam as polêmicas que envolvem o inquérito das fake news.
17-11-2024 às 09h09
Felipe Martins Pinto*
Na condição de Presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil, sinto-me autorizado a manifestar sobre os últimos fatos relativos ao Inquérito 478, por terem sido os Institutos dos Advogados, por meio de seu Colégio de Presidentes uma voz isolada, mas altiva, no julgamento da ADPF 572, cujo objeto questionava a constitucionalidade do chamado Inquérito da Fake News.
Salvaguardados nos argumentos densos e técnicos contidos no parecer do saudoso Professor René Ariel Dotti, os Institutos esquadrinharam, palmo a palmo, o procedimento, desde a sua instauração de ofício por uma das supostas vítimas da apuração (portaria 69/2019), passando pela escolha de Autoridade Relatora, sem que tivesse ocorrido distribuição randômica e não sendo hipótese de distribuição por dependência.
Chamou-se a atenção para o risco de uma apuração de natureza criminal eclodida avulsa da indicação de justa causa, sem esboçar os fatos em concreto sobre os quais se debruçaria e nem mesmo indicar parâmetros de tempo e lugar de eventuais objetos de investigação, cuja tramitação avançou, boa parte do tempo, em sigilo até mesmo para advogados, contra o teor de súmula vinculante do próprio STF.
Não passou despercebida na manifestação dos Institutos a violação do princípio acusatório, não apenas pela forma de instauração, mas principalmente por terem sido desconsideradas as manifestações da Procuradoria Geral da República quando tentou avocar a condução do inquérito e ao manifestar expressamente no sentido da promoção de seu arquivamento.
Já há muito, foi ultrapassada a fronteira dos erros escusáveis, com alarmante destaque para a censura prévia imposta a dois veículos de comunicação “O Antagonista” e a revista “Cruzoé”, uma chaga incompatível com um contexto democrático e não passível de cicatrização com a posterior liberação autorizada.
O STF superou com quórum de 10 a 1 as violações suscitadas e validou o Inquérito 478, cuja tramitação avança desde 2019 sem uma conclusão e, desde então, vem perambulando por vias alheias aos limites jurídicos.
Em agosto de 2024, a partir do reporte de comunicações privadas com silhueta de uma coloquialidade pouco compatível com as formalidades do Poder Judiciário, reascenderam as polêmicas que envolvem o inquérito das fake news.
As notícias veiculadas revelaram práticas opacas da assessoria do Ministro relator como pedidos para alterar o órgão emissor do documento, do STF para o TSE e para “usar a criatividade”, além do acesso a banco de dados da Polícia Civil de SP para realização de pesquisa de informações não disponíveis em plataformas de acesso público e sem observância do rito e de formalidades legais previstas.
Os fatos repercutidos nos veículos de comunicação inspiram atenção, mas não há elementos suficientes para se concluir ter ocorrido alguma nulidade ou desvio relevante. Além disso, não se desconhece o fato de ter o TSE poder de polícia, ou seja, poder de agir de forma ativa e investigar sem provocação do Ministério Público ou da Polícia.
O contexto acelerou o processo de desnutrição do Inquérito 478, mas no último dia 13 de novembro, o atentado ocorrido na Praça dos Três Poderes soprou uma sobrevida para a manutenção de uma apuração que, despida de objeto juridicamente definido, consegue se alimentar de fatos e circunstâncias, mesmo aleatórias, mas aptos a aderir ao conceito genérico de defesa da democracia.
Sempre vale sublinhar a importância do compromisso a ser assumido pelas instituições e pela sociedade no combate às notícias fraudulentas, mas quando se está diante de exercício de Poder, jamais o argumento moral pode ser sobreposto à norma legal, sob pena de se esvaziar a previsibilidade ínsita a um Estado de Direito.
Quando ainda, o escopo de uma apuração tiver natureza penal, as formas ultrapassam a condição de mera solenidade para alcançar o condão de conferir segurança jurídica, pressuposto de uma Democracia.
O inquérito das fake news muito avançou e chegou ao posto já ocupado desde a sua instauração, um lugar cuja pouca claridade oferece espaços de especulação e, assim como na lenda do castelo de Benquerença, temos que deixar que o raio de sol traga a verdade, pois após decorridos mais de cinco anos desde a instauração, não há justificativas para a sua continuidade sob sigilo.
Sigamos todos atentos.
*Felipe Martins Pinto é Presidente da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil